Brasil quer fornecer álcool combustível ao mundo
O “ouro verde”, ou café, construiu esta cidade no século 19. O “ouro negro”,
ou petróleo, promete grandes riquezas no século 21 –embora não haja um só
poço petrolífero em um raio de centenas de quilômetros.
Mas há milhões de hectares de cana-de-açúcar, que podem ser transformados em
álcool (etanol), uma fonte de energia barata, abundante e cada vez mais
popular, especialmente no momento em que o preço do barril de petróleo chega
aos US$ 53, tendo tudo para aumentar ainda mais.
O Brasil, o maior produtor mundial de açúcar, adotou o álcool como a energia
do futuro. O preço desse combustível alternativo é aproximadamente a metade
do preço da gasolina.
O governo brasileiro exige que a gasolina seja misturada com pelo menos 25%
de álcool. E os chamados veículos flex-fuel –carros movidos a gasolina,
álcool ou ambos os combustíveis– respondem por quase 30% dos carros
fabricados no país neste ano.
Japoneses, chineses, alemães e australianos lotam os hotéis, as cervejarias
e as usinas de cana-de-açúcar de Ribeirão Preto para aprenderem mais sobre o
elixir dourado.
Dependentes do petróleo do Oriente Médio, e ansiosos para despoluir o seu
ar, eles prometem investir US$ 3 bilhões para expandir a produção brasileira
de etanol.
O Brasil se gaba de ser a Arábia Saudita do etanol. “Eu não quero vender
litros de etanol”, diz o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. “O que
quero é vender rios de etanol”.
Somente uma pequena fração do álcool brasileiro flui para os Estados Unidos.
Barreiras comerciais, carência de infraestrutura relativa a esse
combustível, a oposição por parte da indústria petrolífera norte-americana e
uma preferência por veículos esportivos utilitários bebedores de gasolina
fazem com que o consumo de álcool nos Estados Unidos permaneça em níveis
ínfimos.
A gasolina misturada com álcool não está disponível no Estado da Geórgia
[sul dos EUA] para o uso popular, apesar da insistência do governo federal
no outono passado em que a área metropolitana de Atlanta [capital estadual]
reduzisse a poluição atmosférica.
Mesmo assim a produção de álcool norte-americano, derivada em sua maioria no
milho cultivado no coração do país, deve atingir níveis recordes neste ano.
O poder político do meio-oeste e os preços do petróleo do Oriente Médio
foram fatores que, conjugados, pressionaram Washington para que o país
incrementasse a produção de álcool.
Monte Shaw, um defensor do etanol, vê com uma certa inveja a emergência do
Brasil como o rei desse combustível. “Eles nitidamente assumiram um grande
compromisso em relação ao álcool”, afirma Shaw, porta-voz da Associação de
Combustíveis Renováveis, em Washington.
“A exigência governamental de que cada litro de gasolina contenha 25% de
etanol consiste em um motivador muito grande para o mercado. E agora eles
possuem automóveis flex-fuel, algo que faz bastante sentido. Não vejo como
alguém vá querer comprar outro tipo de carro”.
A história, a geografia e a globalização conspiraram para fazer de Ribeirão
Preto a Riad do Brasil. No século 19, imigrantes europeus, em sua maioria
italianos, que moravam no litoral sul, descobriram que o clima ensolarado e
o solo fértil do interior eram perfeitos para o cultivo de café. A
cafeicultura acompanhou a chegada da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro,
em 1883.
O preço do café desabou na década de 30. Os fazendeiros trocaram o café pela
cana-de-açúcar, embora o suco de laranja, o algodão, a pecuária e a soja
suplementem o próspero setor de agronegócios da região.
A crise do petróleo da década de 70 fez com que Ribeirão Preto se destacasse
no mapa. Sem disposição e financeiramente incapazes de importar petróleo
pelos altos preços estabelecidos pelo cartel da Opep, os dirigentes
militares do Brasil ofereceram subsídios e isenção de impostos aos usineiros
para que estes transformassem a cana em etanol.
Eles financiaram estradas, destilarias e postos de combustíveis compatíveis
com o etanol. E ordenaram aos fabricantes de veículos que fizessem carros
movidos a etanol.
Em meados dos anos 80, três entre cada quatro carros vendidos eram movidos
exclusivamente a álcool. No entanto, no final daquela década, o preço do
petróleo caiu, o do açúcar aumentou (a exportação deste produto passou a ser
mais lucrativa do que a produção de etanol) e o governo reduziu os
subsídios. Motoristas furiosos, incapazes de encontrar álcool nos postos,
voltaram a usar os carros movidos a gasolina.
“O programa de álcool passou a enfrentar um problema de imagem perante o
consumidor”, diz William Burnquist, cientista do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT) que trabalha no Centro de Pesquisa de Tecnologia de
Cana-de-Açúcar, próximo a Ribeirão Preto.
“Mas a tecnologia que mais mudou tal imagem foi a do carro flex-fuel”,
afirma Burnquist. “Ele funciona sem problemas com álcool e gasolina. Ninguém
jamais vai ficar fora da estrada como ocorreu na década de 80″.
Dois anos atrás, a Volkswagen, a General Motors e a Fiat começaram a
oferecer carros movidos a gasolina ou a álcool, ou a uma mistura dos dois
combustíveis. Os brasileiros compraram 330 mil carros flex-fuel no ano
passado.
Segundo as montadoras de veículos, no ano que vem os carros híbridos
responderão por 60% das vendas.
“Eu compraria um carro híbrido porque o preço do álcool é a metade do da
gasolina”, afirma Vinícius Simões Mariano, um motorista de táxi de São
Paulo. “Toda montadora de veículos está lançando um carro híbrido. Os
brasileiros estão realmente animados com relação a esses carros”.
Brasileiros no Estado de São Paulo, juntamente com fazendeiros em Goiás e no
Mato Grosso, cultivam seis milhões de hectares de cana-de-açúcar.
Mais dois milhões de hectares serão necessários até 2010, afirma Burnquist,
a fim de satisfazer a demanda doméstica e internacional por açúcar e álcool.
Gigantes estrangeiros dos agronegócios, como a Cargill, com sede em
Minnesota, devem injetar mais bilhões de dólares na indústria açucareira do
Brasil e ajudar a construir pelo menos 45 novas usinas, segundo a Federação
de Cana-de-Açúcar de São Paulo. Os usineiros domésticos também estão
investindo alto para aumentar a produção e modernizar destilarias, terminais
e portos.
Em 1974, o petróleo importado representava 80% do consumo brasileiro de
energia. Após o aumento da produção doméstica de petróleo e álcool, o Brasil
espera ser auto-suficiente em combustíveis até o final de 2006, segundo a
companhia estatal Petrobras.
Segundo Rodrigues e outras autoridades governamentais, este é o momento do
Brasil fornecer combustível ao mundo.
Investidores franceses e japoneses do setor açucareiro se sentem em casa em
Ribeirão Preto (com uma população de 550 mil habitantes), uma das cidades
brasileiras mais ricas. Apelidada de “a Califórnia brasileira” devido a uma
mistura de clima, indústria e riqueza, a cidade possui 72 prédios altos e o
excelente Teatro Pedro 2º.
Estimuladas pelos preços ascendentes do petróleo e pelo Protocolo de Kyoto
(que exige que a maioria dos países reduza a emissão de gases causadores do
efeito estufa), nações européias, asiáticas e latino-americanas diversificam
as suas fontes de energia. Vários países, inclusive os Estados Unidos,
adotaram combustíveis renováveis e misturam álcool à gasolina.
As exportações brasileiras de álcool quadruplicaram no ano passado, chegando
a um recorde de US$ 500 milhões, tendo os Estados Unidos e o Japão como os
principais mercados.
As autoridades brasileiras também visualizam um grande mercado exportador
para os veículos flex-fuel e recentemente examinaram carros que consomem
combustível de forma eficiente na China, na Índia, na Tailândia e na
Austrália.
Mas o Japão e outros países continuam cautelosos quanto à dependência
excessiva em um único fornecedor de álcool. Burnquist, portanto, encoraja os
Estados Unidos, um concorrente, a incrementar a sua produção de álcool.
Mesmo assim, a cana-de-açúcar é tão barata e abundante que o Brasil é capaz
de exportar etanol para os Estados Unidos, apesar da tarifa sobre as
importações de US$ 0,14 por litro, e obter lucro.
Os Estados Unidos produzirão 15,14 bilhões de litros de etanol neste ano –o
dobro do que produziram em 2000, e quase tanto quanto o Brasil–, segundo a
Associação de Combustíveis Renováveis. Desde 2000 foram investidos US$ 3
bilhões em infraestrutura, especialmente no meio-oeste.
No entanto, o etanol continua sendo uma fonte de energia relativamente pouco
importante nos Estados Unidos. Segundo a lei, um galão de gasolina pode
conter até 10% de álcool. Alguns Estados, como Minnesota, atingem esse
limite. Porém, de forma geral, o etanol responde por apenas 3% do
combustível vendido no país.
Na Geórgia, a gasolina não contém etanol, ainda que a Agência de Proteção
Ambiental dos Estados Unidos tenha ordenado uma mistura de 10% no ano
passado para reduzir a poluição atmosférica na área metropolitana de
Atlanta.
O Estado processou a agência, alegando que a chamada gasolina
reformulada –usada em doze Estados que enfrentam problemas de poluição
atmosférica– pioraria a qualidade do ar de Atlanta e faria com que os
motoristas pagassem um centavo de dólar a mais por litro.