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Brasil quer diálogo direto com EUA sobre Alca

O chanceler Celso Amorim usou ontem uma expressão emblemática do pragmatismo norte-americano (“where the beef is” ou, em tradução livre, vamos aonde está a carne, no caso, os negócios) para insistir com os Estados Unidos no sentido de que as negociações Mercosul/EUA adotem o formato 4+1, em vez de esperar as emperradas conversações para formar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas).

Significa na prática o seguinte: a cereja do bolo de toda negociação comercial, que é a redução e/ou eliminação de tarifas de importação para bens, seria discutida diretamente entre os quatro sócios do Mercosul e os Estados Unidos.

A proposta foi feita ontem em reunião em Davos com Robert Zoellick, que está deixando o cargo de responsável pelo comércio exterior para ser o segundo de Condoleezza Rice no Departamento de Estado dos EUA. Segundo o próprio Amorim, a resposta inicial foi não.

O motivo da proposta é a disparidade continental: é uma tremenda complicação fazer esse tipo de negociação simultaneamente com 34 países tão díspares quanto EUA e Haiti ou Brasil e Barbados. O restante da pauta, que não trata de comércio no sentido clássico do termo, mas de regras que afetam o comércio (sobre investimentos ou sobre propriedade intelectual etc), estas sim ficariam para o âmbito da Alca.

Mesmo assim, pelo menos segundo o que ficou acertado pelos 34 países americanos na Conferência Ministerial de Miami, em 2003, acordos nesses capítulos seriam voluntários.

Mas Zoelick não aceitou o 4+1. “Eles têm suas sensibilidades”, disse o ministro brasileiro.

Curioso é que Zoellick, ao responder a uma pergunta direta (“a Alca está morta?”), usou exatamente o argumento esgrimido pelos brasileiros para defender o 4+1. Primeiro, negou, como era óbvio, que a Alca estivesse morta. Depois, acrescentou: “É muito complexa uma negociação que envolve 34 economias com tantas disparidades, desde os pequenos países do Caribe até economias tão grandes quanto a do Brasil”.

Se é fato que a Alca não está morta, certamente está hibernando. Desde maio, não houve nenhuma conversa entre as partes. Nem mesmo entre os dois co-presidentes das negociações, o brasileiro Adhemar Bahadian e o norte-americano Peter Allgeier.

Bahadian, aliás, foi tirado das férias no Rio de Janeiro (também é cônsul em Buenos Aires) para participar do encontro de Davos entre Zoellick e Amorim. Allgeier também esteve presente.

Propósito do encontro, segundo Amorim: “Explorar avenidas que possam relançar a Alca razoavelmente cedo”. Mas a única avenida de fato aberta ontem trata-se, na verdade, de uma pequena rua: acertou-se que Bahadian e Allgeier se reunirão em Washington, nos dias 23 e 24 de fevereiro, para tentar “desbloquear” o caminho, sempre segundo Amorim.

As duas pressões

Na mais recente reunião dos dois, em maio, em vez de avanço, houve retrocesso, na avaliação de Bahadian. “A Alca está paralisada por causas de duas grandes pressões protecionistas, a clássica [no setor agrícola], e a nova proteção que eu chamo de neoconservadora, na área de propriedade intelectual”, disse o brasileiro.

Em termos concretos: os Estados Unidos, que já resistiam a abrir seu setor agrícola, prioridade do Mercosul, introduziram uma proposta ainda mais regressiva. Até então, falava-se em escalonamento da abertura agrícola em cinco anos, dez anos e imediatamente após firmado o acordo.

A nova proposta inclui um “outros”, o que, segundo Bahadian, permitiria introduzir cotas de importação que recairiam nos produtos de interesse do Brasil, como açúcar, fumo e suco de laranja.

O protecionismo na área de propriedade intelectual se dá pela possibilidade do que o jargão diplomático chama de retaliação cruzada. Funciona assim: se o Brasil não conseguir conter a pirataria, os Estados Unidos (ou qualquer outro parceiro da Alca) poderiam barrar a importação de bens agrícolas brasileiros.

Na conversa com Zoellick, foi levantado o tema das retaliações cruzadas. Amorim usou o argumento de que os Estados Unidos já foram vítimas desse mecanismo, quando o Equador foi autorizado, pela OMC, a retaliar na área de propriedade intelectual pelas restrições impostas à importação da banana equatoriana. “Vocês acham que esse é um mecanismo produtivo?”, perguntou Amorim.

Política

Os dois altos funcionários falaram também de assuntos políticos, na medida em que Zoellick vai assumir novas funções exatamente no departamento que cuida da política externa. Por isso, quis, segundo ele contou depois aos jornalistas, aproveitar a experiência de Amorim para obter algumas avaliações em especial sobre a América Latina.

Falaram de Venezuela, governada por um Hugo Chávez que é aliado do Brasil, mas adversário de Washington. Pelo menos em público, Zoellick elogiou o fato de que “o Brasil trabalhou muito efetivamente na Venezuela”.

Falaram também de Haiti. O chanceler brasileiro repetiu o apelo que vem fazendo, no sentido de que os países ricos enviem urgentemente apoio econômico ao país caribenho, sob pena de o esforço de paz, comandado por uma força brasileira, perder-se completamente, engolido pela miséria da população haitiana.

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