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Brasil-EUA: O álcool provoca paixões

Rio de Janeiro, 02/04/2007 – A aproximação dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush, dos Estados Unidos, era pessoal e de poucas conseqüências. Mas tudo muda agora que o etanol os une em uma aliança de efeitos econômicos, geopolíticos e ambientais de escala mundial. Dois encontros em um só mês, 9 de março em São Paulo e sábado passado em Camp David, residência campestre dos presidentes norte-americanos, selam a cooperação bilateral para criar um mercado internacional de álcool combustível e atuar de maneira conjunta em outros campos.

Um exemplo desta nova relação é o acordo que os chanceleres dos dois países, Celso Amorim e Condoleezza Rice, assinaram sexta-feira em Washington para apoiar a democracia na Guiné-Bissau capacitando parlamentares e outros atores políticos desse país africano. África, Caribe e América Central são destinos previstos de outras ações conjuntas. Rice costuma destacar as semelhanças entre seu país e o Brasil, ambos multiétnicos, multiculturais e multi-religiosos, para realçar as potencialidades dessa cooperação. Amorim reconheceu no etanol a “alavanca” que impulsiona a aproximação.

Na realidade, os dois governos discordaram e continuam discordando em questões prioritárias para os Estados Unidos, como a invasão do Iraque a criação de uma Área de Livre Comércio das Américas abortada pelas críticas latino-americanas e desencontros entre os dois países. O problema da mudança climática também coloca frente a frente Brasília e Washington, pelo fato de o governo norte-americano rejeitar o Protocolo de Kyoto.

No Brasil, os opositores acusavam a política externa do Presidente Lula de ser anti-norte-americana, apesar das boas relações entre os dois mandatários, e de provocar perdas econômicas e políticas internas por priorizar vínculos como o hemisfério Sul em detrimento dos grandes mercados do Norte. A inesperada acolhida de Bush à diplomacia brasileira do etanol coloca em xeque essas críticas, mas desperta outras. O acordo Brasil-Estados Unidos tem por finalidade fomentar a produção de etanol em outros países tropicais e pobres, como os da África, América Centra e Caribe.

O Brasil oferece tecnologia, equipamentos e experiência de 30 anos em substituir gasolina por álcool de cana-de-açúcar, um combustível renovável, menos contaminante e capaz de impulsionar o desenvolvimento, pois gera mais empregos do que a indústria do petróleo. Entretanto, os presidentes Fidel Castro, de Cuba, e Hugo Chávez, da Venezuela, condenaram a idéia de promover uma imensa expansão de cultivos para combustíveis, que agravaria a fome no mundo ao ocupar o lugar das plantações de alimentos. Movimentos sociais e organizações não-governamentais, inclusive ambientais, também atacaram a aliança Lula-Bush pelo etanol.

Preocupam a forma precipitada como age os Estados Unidos e a falta de “instrumentos para conter os danos causados pelos monocultivos” da cana-de-açúcar no Brasil, disse à IPS o especialista em energia Delcio Rodrigues, da ONG Vitae Civilis, que trabalha em questões de mudança climática. A meta anunciada por Bush em janeiro, de reduzir o consumo em seu país em 20% em apenas 10 anos, provocou uma corrida contra o tempo que já causou uma abrupta alta dos preços do milho, principal fonte do etanol nos Estados Unidos Estados Unidos, devido à demanda adicional com fins energéticos. Sua escassez também encarece a soja, substituto natural na alimentação animal.

A meta exige multiplicar por sete a atual produção anual norte-americana de mais de 18 bilhões de litros de etanol. É impossível cumpri-la com a tecnologia e matéria-prima atuais, mas os governantes norte-americanos não parecem dispostos a eliminar barreiras comerciais que travam a importação de etanol do Brasil, segundo produtor mundial com 17,8 bilhões de litros ao ano e maior capacidade para expandir a produção. Além disso, o milho apresenta o problema de baixa eficiência. Dele se extrai somente 30% mais energia do que a empregada em sua produção, enquanto a cana-de-açúcar brasileira gera entre 700% e 800% mais, lembrou Rodrigues.

No Brasil são conhecidos os males ambientais e sociais das extensas plantações da cana. A queima de suas folhas para facilitar o corte contamina o ar, provocando muitas doenças, especialmente respiratórias. Os cortadores são submetidos a condições de trabalho desumanas m troca de um emprego que é temporário.

O álcool é o combustível que move hoje 2,6 milhões de veículos no Brasil, quantidade em rápido aumento, é misturado à gasolina na proporção de 23%. Grande parte de sua produção se faz às “custas da concentração da propriedade da terra, do desmatamento, da contaminação do solo, do ar e da água, e da expulsão de camponeses”, afirmou na semana passada a ONG internacional ActionAid.

O forte aumento da demanda nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, diante dos preços do petróleo em alta e da necessidade de reduzir os gases causadores do efeito estufa liberados pelos combustíveis fósseis, origina temores de que o Brasil e outros países tropicais acabem transformados em “imensos canaviais”, encarecendo as terras cultiváveis e estimulando o desmatamento. Porém, a substituição do petróleo por etanol e biodiesel (outro combustível agrícola que se mistura com gás combustível) tem limites. Poderia chegar a 20% no mundo, segundo a pesquisadora Suzana Kahn Ribeiro, do centro de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O petróleo continuará sendo importante na matriz energética, que se diversificará por questão de preços e segurança, buscando reduzir as dependências, disse Suzana à IPS. O transporte absorve mais da metade do petróleo consumido no mundo, e é nesse setor onde os biocombustíveis terão seu papel, contribuindo para minimizar a mudança climática e prolongar as existências de petróleo, acrescentou a pesquisadora. O Brasil “já é uma potência energética” com seu singular programa de álcool combustível iniciado em 1975, recordou Suzana, ressaltando, porém, que não está sozinho, já que China, Índia e África do Sul fazem importantes investimentos no setor, além dos Estados Unidos, advertiu.

A aliança entre Brasil e Estados Unidos, hoje responsáveis por 72% da produção mundial de etanol, agrava tensões na sensível área da energia. Bush, como surpreendente protagonista, intensifica essas reações. Mas seria pouco realista esperar que o Brasil renunciasse a esta oportunidade, depois de mais de uma década tentando abrir o mercado mundial para seu álcool e sua experiência pioneira. (IPS/Envolverde)

Legenda: Guarulhos – Presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostra ao presidente Bush mudas de cana-de-açúcar, utilizada na produção de biocombustíveis.

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