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Brasil é obrigado a ser ofensivo na Alca

O governo brasileiro foi tão bem-sucedido no seu esforço para evitar que a Alca se transformasse em um grande esquema de abertura comercial que, agora, se vê na paradoxal posição de inverter o jogo e buscar, ele próprio, abrir mercados alheios, em especial o dos Estados Unidos.

É esse o cenário que se desenhava ontem, ao se inaugurar a 17ª reunião do CNC (Comitê de Negociações Comerciais), principal instância técnica da Área de Livre Comércio das Américas, na cidade mexicana de Puebla.

Na sessão inaugural, foram apresentadas quatro propostas para definir as duas partes em que a Alca ficou dividida durante a Conferência Ministerial de Miami, em novembro: um conjunto comum de direitos e obrigações, válido para os 34 países das Américas, e acordos mais ambiciosos adicionais, mas não obrigatórios.

Os textos principais (do Mercosul e do G13, liderado pelos Estados Unidos) consagram a chamada “Alca light”, defendida pelo Brasil, embora haja ainda “caroços” a dissolver entre ambos os textos, na expressão do embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares, chefe da delegação brasileira.

Acontece que o documento do Mercosul propõe eliminar todas as tarifas de importação, ao passo que o texto dos 13 -grupo que inclui ainda Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru e República Dominicana- fala apenas em eliminá-las para “substancialmente todo o comércio”.

Significa que os Estados Unidos, por exemplo, poderiam zerar suas tarifas de importação para 85% do comércio com seus pares hemisféricos, que é a porcentagem aceita internacionalmente nesse tipo de acordo. Mas poderiam manter nos 15% restantes as barreiras para produtos de interesse do Brasil.

“Se ficar o “substancialmente”, a agricultura é a candidata número um a permanecer de fora [do mercado norte-americano]”, reage Antônio Donizeti Beraldo, da CNA (Confederação Nacional da Agricultura).

Reforça Pedro de Camargo Netto, também do setor agrícola: “Qualquer acordo, Alca ou outro, precisa ter algo de bom para o Brasil mesmo que exclua agricultura. Infelizmente, quando se exclui agricultura, sobra pouco. O Brasil continua dependente, no comércio exterior, da agricultura e alguns outros poucos setores industriais. Esta provável Alca não resolve nem agricultura nem nada mais”.

“Substancialmente”

Essa queixa foi transmitida diretamente aos diplomatas brasileiros, com a exigência de que a palavra “substancialmente” seja eliminada do texto final. Eles se comprometeram a batalhar por isso, o que pode acabar se transformando no grande nó da negociação em Puebla.

Mas não é o único nó. O texto do G13, em dois momentos, insinua que quem não participar dos acordos mais ambiciosos não receberá os benefícios mesmo de áreas em que esteja participando.

Diz, por exemplo, que “os benefícios estarão de acordo com o nível de seus compromissos”.

Ou seja, cabe a interpretação de uma retaliação cruzada: o Brasil não quer entrar, por exemplo, na negociação de um eventual acordo plurilateral sobre investimento. Nesse caso, não teria acesso ao mercado agrícola.

A delegação brasileira rejeita frontalmente essa interpretação, embora aceite, como é óbvio, que, se oferecer pouco em agricultura, ganha pouco em agricultura, mas só em agricultura.

Mas que a ambigüidade está presente é tão inegável que o co-presidente pelo Brasil da Alca, Adhemar Bahadian, fez questão de dizer, no discurso da sessão inaugural, que “não nos cabe (aos delegados) reinventar o que foi exitosamente realizado antes de nós”.

É uma alusão à chamada Rodada Tóquio de liberalização comercial, em que também foram previstos acordos plurilaterais sem retaliações cruzadas.

Em todo o caso, o nó pode ser desfeito, a julgar pela afirmação à Folha do subsecretário mexicano de Economia, Ángel Villalobos, para quem “não se aplica a retaliação cruzada”.

Também no item “serviços” há dificuldades, porque o texto do G13 vai, na interpretação brasileira, além do Gats (Acordo Geral sobre Comércio de Serviços, assinado no âmbito da Organização Mundial do Comércio).

O documento fala em seguir “fundamentalmente” o Gats. Rebate Régis Arslanian, um dos principais negociadores brasileiros: “Não é fundamentalmente Gats. É Gats ponto”.

De todo modo, a sensação predominante é a de que o decidido em Miami e que ficou conhecido como “Alca light” vai prevalecer, até porque uma questão hierárquica, apontada pelo mexicano Villalobos:

“É muito difícil para vice-ministros mexer no que foi decidido pelos ministros”.

“Light” ou não, o embaixador Bahadian procurou defender um conceito social sobre comércio, no seu discurso inaugural, ao dizer que o sucesso da negociação “será medido pela contribuição futura que o acordo alcançado deverá trazer em termos de redução das desigualdades sociais e econômicas no hemisfério”.

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