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Brasil deve desenvolver papel mais ativo no G20

“Não ficou muito claro o que [emergentes] querem fazer com esse maior peso no G20. Creio que é muito importante que desenvolvam um papel mais ativo”, disse em entrevista exclusiva à Folha Fabrizio Saccomanni, diretor-geral do Banca d´Itália, o banco central italiano.

Sorridente e muito à vontade, algo raro entre dirigentes de bancos centrais, Saccomanni comentou que se questiona se o Brasil mudou a política monetária.

Muito ligado ao presidente do BCE (Banco Central Europeu), Mario Draghi, Saccomanni criticou a Alemanha e afirmou que “os EUA não estão fazendo quase nada para reduzir o desequilíbrio fiscal”.

Saccomanni defende uma discussão global sobre taxas de juros e diz que exageram a crise europeia.

“Não é um problema só da Europa. Os últimos dados mostram que o crescimento do Brasil foi zero. A quem servem essas taxas?” A seguir, trechos da entrevista.

Folha – Os remédios usados na crise estão funcionando?

Fabrizio Saccomanni – Acreditamos que o problema da finança pública italiana esteja sob controle. A Itália já está tendo superavit primário para pagamento de juros da dívida. Em 2013, a balança estará em equilíbrio. Naquele ponto, a relação entre dívida e PIB começará a cair.

Outras medidas estão sendo estudadas para reforçar o crescimento econômico, mas as medidas fiscais já estão reduzindo as taxas de juros no mercado internacional e o ´spread´ com a Alemanha. Este chegou a 570 pontos e agora é de 450. A taxa de juros foi a 7,2% e está em 6,3%.

As perspectivas são de que, se o processo continuar, irá sustentar o crescimento e compensar os efeitos negativos das medidas fiscais. Esperamos que esse efeito negativo se concentre no primeiro semestre.

Há muita confusão e exagero em relação à crise europeia. A Europa tem seus problemas, mas creio que os dados da economia, como grande área integrada, são bons. Não tem problema de balança de pagamentos com o resto do mundo nem problemas fiscais, se compararmos com EUA, Japão, Inglaterra.

Qual a projeção para o PIB?

Para 2012 é redução de 1,5%. Para 2013, zero.

O pior passou? Há sinais de algum alívio nos mercados…

Sim. A estabilização também depende de expectativas da parte de operadores. De resto, uma indicação muito simples é a taxa de câmbio do euro, que continua a ser uma moeda forte. Apesar da polêmica sobre a crise da moeda, que ela iria acabar, operadores do mercado não pensam assim. O euro retornou a 1,30 ante o dólar. Quando o euro foi criado, valia 1,18.

Depois, com a queda de confiança, foi a 0,82 porque diziam que essa era uma moeda exaurida. O euro se apreciou ante quase todas as moedas. Então, as críticas à Europa são exageradas.

Os bancos italianos estão no topo da lista de tomadores de recurso do fundo do BCE.

É verdade. Os bancos italianos antes não tomavam recursos da Europa porque as taxas internas eram mais baixas do que as do BCE. Agora, todo mundo pede para o banco expandir a liquidez e os bancos italianos estão aproveitando. Temos muitos títulos para apresentar como garantia dessas operações e me parece normal usar os instrumentos de política monetária do BCE.

O sr. está confiante em relação ao refinanciamento das dívidas que vencem neste ano?

Sim, mas o problema é administrar expectativas de mercado. Criamos um clube de especialistas para gestão do débito público. Isso assegurou liquidez ao mercado e a colocação dos títulos. Agora, pensamos que o mercado retornará ao normal. A perspectiva é que o débito italiano cairá nos próximos anos e o refinanciamento não apresentará problemas.

Que pensa das iniciativas da Alemanha na crise?

No nível político, há forte empenho do governo alemão de reforçar a União Europeia, o controle de mecanismos de política fiscal e instrumentos da gestão da crise.

A Alemanha está preocupada com o risco de o BCE financiar o desequilíbrio público dos Estados. Precisa fornecer assistência aos países sem criar expectativa de que qualquer política, mesmo errada, será premiada ou perdoada.

É difícil, mas não há dúvida do empenho da Alemanha. O primeiro-ministro Mario Monti disse isso recentemente, teve ótima relação com a chanceler Angela Merkel.

Que pensa da discussão: injetar moeda na economia ou buscar austeridade fiscal acima de tudo. Ou as duas coisas?

O que se quer são as duas coisas. No longo prazo, uma economia não pode avançar só acumulando dívida. Um pouco é necessário para crescer, mas deve ser sobretudo para investimentos, para criar infraestrutura, atividades produtivas. Hoje, a Europa foi golpeada por uma crise financeira que não nasceu aqui e, sim, nos EUA. Creio que o modelo social europeu é mais estável que o americano, que, com essa ênfase no crescimento, cria períodos de grande expansão aos quais podem suceder períodos de contração. O europeu nos últimos 50 anos tem menos crescimento, mas mais estabilidade. E isso é o que os eleitores europeus pedem.

Que pensa do sistema monetário alemão, que separa política monetária e supervisão?

Creio que o sistema alemão tem mais pontos fortes. Mas não foi reformado. Tem grandes bancos privados, mas também muitos pertencentes a governos locais que são ineficientes. Então, a supervisão não tem sido tão eficiente como em outros países.

Como ter mais eficiência?

O sistema bancário precisa ser reformado e privatizado. Os bancos alemães tomaram muito risco e talvez tenham sido um dos canais da crise europeia. Creio que a supervisão bancária na Alemanha deve retornar mais em direção ao Bundesbank do que em direção à BaFin (autoridade de supervisão financeira federal). Houve um momento em que virou moda separar a supervisão dos bancos centrais. Agora penso que estamos voltando atrás. Na Itália, a supervisão sempre foi feita pelo Banco Central.

Há necessidade de mudanças no modelo?

Não, o modelo italiano funcionou bem, mesmo na crise. Os bancos italianos têm agora um problema de liquidez.

E o sistema brasileiro?

Parece que o BC mantém-se, depois de reformas no período de Fernando Henrique, um órgão independente. Seguiu uma boa política nos anos Lula, tem tido ótima performance. Agora alguns se perguntam se a presidente Rousseff é mais intervencionista. Acredito que a linha de fundo se mantém.

Houve surpresa e algum questionamento quando os juros começaram a cair sem muita comunicação…

Mas o fato é que há um fenômeno de tensão relativa ao crescimento global, de desaceleração. Estes países tiveram grande saída com o comércio internacional, com EUA e Europa, que estão se desacelerando.

O papel importante do Brasil será o do G20. É importante que países como Brasil, China e México desenvolvam papel mais ativo. Até agora, os emergentes viram o G20 como reconhecimento de sua importância no sistema internacional e pedem para ter mais peso. Mas não ficou claro o que querem fazer.

Quando se trata de estratégias de cooperação internacional, vejo que países emergentes como a China, mas também o Brasil, são sempre negativos, não querem influência externa.

O que sugeriria?

O Brasil deve estimular um equilíbrio do desequilíbrio internacional, em resumo. Os desequilíbrios que existem são certamente o problema do deficit americano, do superavit da China, de países produtores de petróleo etc. Precisa encontrar um modo de reduzir esses problemas. Uma das causas da recessão na Europa é que estamos fazendo política fiscal muito severa, certamente mais severa que nos EUA. O Brasil precisa manter aberto seu comércio exterior, não precisa tomar medidas protecionistas.

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