Mercado

Brasil conquista independência no mercado de petróleo

Na semana em que o petróleo bate picos de preço de US$72 o barril, com projeção de US$ 71 no mercado futuro para o mês de maio, o Brasil anuncia a conquista da auto-suficiência em produção. Ou seja, o País passa a extrair de suas jazidas um volume de óleo superior ao total de combustíveis que o mercado interno consome. É uma independência econômica internacional importante e não por acaso a data escolhida para anúncio foi o 21 de abril, Dia de Tiradentes, mártir da luta contra a coroa portuguesa.

Foi uma jornada longa, que atravessou, ao menos, 12 diferentes gestões governamentais e que teve seu ponto deaceleraçãonosanos80, logo após a descoberta dos campos gigantes no litoral do Rio de Janeiro, na Bacia de Campos. Hoje, com a perspectiva de novas fronteiras de produção, especialmente nas Bacias de Santos e do Espírito Santo, o setor de petróleo é a mais promissora atividade econômica nacional.

Em quatro anos, os investimentos da Petrobrás somaram R$ 107 bilhões, inlcuindo a previsão de gastos para 2006. Segundo a Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), empresas privadas despejarão mais US$ 16,9 bilhões (ou cerca de R$ 36 bilhões) até 2010.

Este ano, pela primeira vez desde sua fundação, há 53 anos, a Petrobrás deixará de integrar a coluna das empresas que contribuem para o déficit na balança comercial brasileira e passará para o grupo do superávit.

De cara, com uma participação em torno de US$ 3 bilhões nas exportações líquidas (exportação menos importação), como estima o presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli.

Ele acredita que a auto-suficiência, que chega dentro do prazo previsto no cronograma oficial, está na verdade atrasada.

“Poderíamos ser auto-suficientes há dois anos, não fossem problemas conjunturais, como atrasosemplataformas e outras questões.”

O mais grave problema para a produção foi o naufrágio da P-36,emmarçode2001,queiniciaria a produção no campo gigante de Roncador. Por uma falha de projeto, o enorme equipamento afundou, matando11 trabalhadores. Outras plataformas vieram depois. E as que ganharam os louros de representarem o marco da auto-suficiência foram a P-43 e a P-48, que entraram em operação no ano passado, e a P-50,queseráacionadahoje,pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Além de ter solucionado o problema estrutural da conta petróleo– uma intrincada equação que tinha como elementos a Petrobrás e o Tesouro e envolvia cálculos sobre débitos com subsídios ao transporte de combustíveis –, o País vive um momento excepcional no mercado, como lembra o consultor Jean-Paul Prates, da Expetro.

“Alcançar a auto-suficiência neste momento de alta histórica de preço do petróleo tem um imenso valor macroeconômico, mas para o Brasil ainda é mais especial. Além de ser uma nova fronteira mundial de investimentos em energia, o País se apresenta ao mundo como líder natona indústria de biocombustível, que é o que vai fazer o preço do petróleo baixar daqui 15, 20 anos”, declara Prates.

Em2004, aPetrobrás deixou de ser a única produtora de petróleo em território nacional, com o início da operação da anglo- holandesa Shell no Campo de Bijupirá e Salema, na Bacia de Campos, em parceria com a estatal brasileira. Agora, como funcionamento daP-50, a espanhola Repsol entra, também com a Petrobrás, na produção do Campo de Albacora-Leste.

Ainda estão na fila as americanas Devon, Chevron e El Paso.

“Estamos realizando dois sonhos: o da auto-suficiência brasileira e o de ser a empresa estrangeira parceira deste processo”, declara João Carlos de Luca, presidente da Repsol no Brasil. O executivo, que trabalhou na Petrobrás por 30 anos, acompanhou de perto toda a evolução na produção, desde os 180 mil barris/dia do Campo de Garoupa,em1974.“Paramim,é uma emoção muito particular. Dos momentos das várias conquistas na Petrobrás e agora, quando as empresas estrangeiras começam a criar realmente raízes no País.”

Para Luca, há agora um grande desafio, que é o de manter a auto-suficiência. Ele calcula que, para não haver queda no ritmo de produção, será preciso pôr em operação ao menos uma plataforma de petróleo por ano. “É uma chance de desenvolvimento de reservas extraordinária. Um novo marco de oportunidade de negócios.”

Para especialistas, ainda há grandes possibilidades de descobertas de novas reservas que poderão adicionar produção nos próximos 15 anos. Hoje, o Brasiltem13,2 bilhões de barris de reservas provadas de óleo equivalente (petróleo e gás). Segundo estudo das consultorias britânicas Wood Mackenzie e Fugro Robertson, o País ainda tem a descobrir reservas de 18 bilhões de barris de óleo equivalente em águas profundas.

Para Jean-Paul Prates, é hora de as empresas privadas engrossarem os investimentos tradicionalmente feitos pela Petrobrás em pesquisas e exploração. “O setor de petróleo é um mercado de risco. Esse investimento não é tarefa da Agência Nacional de Petróleo.”

As reservas provadas são suficientes para garantir a produção por 16 anos, segundo projeção da Petrobrás. O geólogo Giuseppe Bacoccoli, que fez carreira na estatal, calcula que, para manter no nível atual a relação entre reserva e produção, é preciso descobrir um campo gigante, com pelo menos 800 milhões de barris, a cada ano.

Uma das grandes apostas da companhia, são as reservas recém- descobertas de óleo leve (aquele com alto grau API, medida internacional de qualificação do óleo), que tem valor comercial maior, por representarem custos mais baixos de refino.

A partir de 2006, a produção de óleo leve da estatal ultrapassará os 150 mil barris diários.

Atualmente, quase todo o petróleo extraído dos campos nacionais é pesado, com grau API em torno de 20.Ovalorizadopetróleo árabe tem em torno de 50 API.

Bacoccoli lembra que o desafio de manter a auto-suficiência será maior à medida em que o País alcance taxas de crescimento econômico desejadas, acima de 5% ao ano. “O consumo de combustíveis no Brasil é muito baixo, o que acelerou o processo de auto-suficiência”, afirmou. Segundo ele, o consumo nacional é de 4 barris/ano porhabitante, enquanto em países como Espanha e Itália, esta relação chega perto dos 12 barris.

Nos Estados Unidos, o consumo per capita é de 25 barris/ ano. “Se o brasileiro consumisse como o espanhol, precisaríamos de três vezes mais petróleo para sermos auto-suficientes”, compara.

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