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Bolívia, gás e o Brasil

Folclores à parte, como quem traiu quem e as “surpresas previsíveis”, a crise com a Bolívia trouxe questionamentos sobre a ação diplomática brasileira e, ainda mais grave, em relação à condução da nossa política energética. A auto-suficiência brasileira na produção de petróleo foi como cortina de fumaça, durou pouco. A nacionalização boliviana das reservas de gás natural extrapolou a política e acabou por evidenciar a fragilidade no planejamento da matriz energética brasileira.

Agora, temos que nos contentar com um crescimento econômico pífio e torcer para que São Pedro seja brasileiro e nos mande muita chuva, pois caso contrário enfrentaremos um novo apagão.

O Governo Lula congelou o preço do gás, entre 2003 e 2005, ampliando a sua utilização na indústria e nos carros, mas deixou de lado os investimentos necessários para ampliar a produção e o escoamento doméstico, aprofundando, assim, a nossa dependência em relação à Bolívia.

Neste período, o nosso consumo de gás natural cresceu a uma taxa anual de 15% e já representava, em 2004, 9% da nossa matriz energética. No ano passado, 51% do gás consumido foi importado. Em São Paulo, onde o produto boliviano representa 75% do consumo de gás, a importância do combustível na matriz energética das indústrias atingiu 12%, em 2004.

As redes de gás canalizado foram expandidas, de 5,5 mil km para 13 mil km, entre 2000 e 2005. As conversões de veículos para o Gás Natural Veicular (GNV) saltaram de 150 mil para mais de 1 milhão, no mesmo período.

Hoje, cerca de 1,2 milhões de famílias brasileiras substituíram o botijão de GLP pelo gás natural canalizado. Destas, 483 mil vivem no Estado de São Paulo, onde três distribuidores trabalham com 14 milhões de metros cúbicos/dia e já dispõem de projetos, instalados ou em obras, que elevarão o nosso consumo para 20 milhões de metros cúbicos/dia. O gás para esta expansão viria da Bolívia, originalmente, porém quem vai investir agora? Além disso, existe a questão dos preços. A ausência de uma política clara de reajustes e os preços regionalizados, sem qualquer fundamentação econômica, são mais um obstáculo para a iniciativa privada.

Uma solução a curtíssimo prazo poderá ser distinguir os grandes consumidores de gás, entre os que não podem ter o seu abastecimento interrompido e aqueles que podem adaptar-se ao óleo diesel. Uma iniciativa emergencial, que acarretaria problemas ambientais, mas necessária em meio à possibilidade de desabastecimento. Esta alternativa englobaria projetos novos e os já instalados, mas para ser implantada dependeria do Governo Federal, que precisará criar linhas de financiamento para amortizar os custos desta adaptação.

Segundo especialistas, caso haja elevação no preço de gás na Bolívia, para cada US$ 1,00 de aumento, a indústria arcará com um acréscimo da ordem de 10%, o GNV de 7%, enquanto no gás residencial seria reajustado em 2,5%.

O Brasil tem potencial estimado em 880 bilhões de metros cúbicos de gás natural, o que garantiria o abastecimento do mercado atual por 50 anos. Mas, a histórica falta de investimentos na procura e extração do insumo faz com que a maior parte desse volume ainda não tenha sido explorada.

Os motivos deste descompasso passam, necessariamente, pela falta de um marco regulatório adequado para o setor. A atual Lei do Petróleo (nº. 9.478/97) se mostrou inadequada para promover a concorrência na comercialização do produto e atrair investimentos em infra-estrutura de transporte. Ao invés de criar um plano nacional para a exploração e regulação deste insumo, o Governo Lula preferiu delegar à Petrobras a responsabilidade de ditar as regras, constituindo um oligopólio em um setor estratégico para o País, colocando todas as nossas fichas, ou melhor, investimentos da ordem de US$ 1,5 bilhões, na Bolívia.

Precisamos estabelecer regras claras para atrair os investimentos privados e desenvolver o setor de gás no País, ou seja, acelerar a aprovação da legislação para transporte e estocagem do gás e oferecer a transparência necessária na formulação de preços, garantindo, assim, a estabilidade necessária para os investidores.

É de fundamental importância iniciar a produção no Campo de Mexilhão, na Bacia de Santos, e no Campo de Manati, na Bahia. Além disso, não podemos descartar os projetos de regaseificação de gás liquefeito, a exemplo do que o Chile já faz, no sentido de diversificarmos as fontes de suprimento de gás.

São investimentos vultuosos que a Petrobras, sozinha, não será capaz de atender. Por isso a estatal negocia parcerias, mas sem um marco regulatório, dificilmente os investidores vão arcar com esses custos.

Na contra mão de um planejamento nacional e subestimando a necessidade de diversificar as fontes de gás, o Governo Lula acena com a possibilidade de construir um “elefante –branco”, mais um gasoduto ligando Venezuela-Brasil-Argentina. Um empreendimento que, segundo os cálculos, custaria cerca de R$ 50 bilhões e demoraria entre 7 e 10 anos para entrar em ação.

Energia é a premissa do desenvolvimento econômico. Infelizmente, não é de hoje que tenho alertado para a debilidade da política energética do atual governo, diante da ausência de uma legislação específica para o setor de gás, da falta de uma legislação para as agências reguladoras, da centralização excessiva da Eletrobrás, do desinteresse pelos leilões de energia nova, da burocracia na obtenção de licenças ambientais e da sua omissão no planejamento de uma diversificação estratégica pautada pela eficiência e o respeito ao meio ambiente. O Governo Lula foi incapaz de estabelecer os alicerces para o nosso crescimento econômico e temo que essa incompetência produza danos irreversíveis ao futuro do Brasil.

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