Mercado

Bola da vez

No mundo do açúcar, o Brasil reina mais do que nunca. Durante décadas, a União Européia (UE) ficou atrás só do Brasil em termos de exportações globais de açúcar. No entanto, a Organização Mundial do Comércio (OMC) decidiu, no ano passado, reduzir as exportações de açúcar para uma fração do passado. Para as companhias européias do setor que desejam permanecer no negócio, a chave para sobrevivência parece ser o investimento no Brasil enquanto elas ainda têm dinheiro para gastar.

Em uma regra que entra em vigor este mês, a entidade mundial de comércio determinou aos produtores da União Européia um limite máximo de 1,3 milhão de toneladas em exportações de açúcar. A redução das vendas de açúcar ao exterior terá um sabor amargo: os produtores da UE devem fechar a safra, que termina em junho, com exportações de 7,2 milhões de toneladas.

Atualmente, o Brasil responde por 40% das exportações mundiais de açúcar. A produção quase dobrou nas últimas nove safras para chegar a 28,7 milhões de toneladas, enquanto as exportações dispararam para 18,3 milhões de toneladas. Agora que os produtores de açúcar da UE tiveram suas asas cortadas, o Brasil poderá dobrar novamente sua produção de cana-de-açúcar nas principais áreas de cultivo do país. Os produtores da União Européia ficarão bem atrás e talvez virem importadores.

Para alcançar sua meta de crescimento, o governo brasileiro afirmou em fevereiro que estava buscando US$10 bilhões em investimentos para os próximos seis anos. As companhias brasileiras de açúcar estão com os cofres reforçados, agora que os preços do açúcar estão nos níveis mais altos dos últimos 25 anos. Mesmo assim, há necessidade de investimento estrangeiro.

Os europeus também estão gastando, não só do próprio bolso como também dos contribuintes. Como parte de um fundo de reestruturação lançado pelas indústrias que querem deixar a produção de açúcar, a UE está oferecendo até US$869 por tonelada para os agricultores que suspendem a produção. As empresas que fecham suas portas parcial ou totalmente serão recompensadas com apoio financeiro. “Os europeus têm dinheiro. Agora mesmo, falar com eles é como falar com os xeques, diz Patrick Zen-Ruffinen, diretor do braço suíço de logística e comércio do grupo brasileiro Coimex. “Os grandes entraram no Brasil há muito tempo, mas agora estão chegando os menores, afirma o diretor.

Parte deste dinheiro terá como destino o Brasil, o produtor com menores custos do mundo, especialmente se os preços do açúcar permanecerem altos. Mas os brasileiros não irão desistir de forma muito fácil de seus recursos.

A União Européia começou a subsidiar a agricultura nos anos 50 a fim de assegurar que as pessoas não passassem fome, como aconteceu na Europa pós-Segunda Guerra Mundial. Na medida em que a UE cresceu a partir de seus seis membros originais para os atuais 25, a entidade continuou a subsidiar a produção agrícola – e com muito sucesso. As reformas do mercado interno, em 2003, mudaram a forma de subsídios da UE para seus agricultores: os reguladores mudaram os pagamentos aos produtores, passando da base de produção para a área cultivada, com exceção de alguns produtos que passariam por reformas mais tarde, incluindo o açúcar.

No período das vacas gordas, a UE cultivava tanto açúcar que geralmente os excessos eram vendidos ao mercado mundial, depreciando os preços globais. Ao vender açúcar abaixo das tarifas de mercado, prática conhecida como dumping, o preço global deixou de representar o custo real da produção. O Brasil era o único país que podia produzir açúcar barato para obter lucro. Mesmo assim, o país tentou acabar com o domínio da União Européia no mercado mundial. Junto com produtores de açúcar da Austrália e da Tailândia, que não podiam competir com açúcar da UE no mercado mundial, o Brasil comandou com sucesso um processo contra os europeus na OMC.

Em parte pela decisão e em parte pela necessidade de alinhar o mercado interno de açúcar com as reformas locais, a UE aceitou um corte de 36% no preço do seu açúcar dentro de quatro anos a partir de julho. Este corte drástico é um esforço para alinhar a produção com a demanda e para baixar significativamente as exportações. Muitos dos países produtores de açúcar menos eficientes, como Finlândia e Irlanda, provavelmente abandonarão o açúcar completamente, enquanto países como a Itália devem perder a metade de sua produção. Os produtores mais eficientes da União Européia, incluindo França, Alemanha e Reino Unido, devem representar o futuro da produção européia de açúcar.

O gigante francês do setor Tereos entrou no mercado brasileiro em 2000 com uma joint venture com o maior produtor de açúcar e etanol do Brasil, a Cosan, para criar a FBA, uma empresa que atua nestas duas áreas. Segundo Aléxis Duval, diretor da holding brasileira da Tereos, a parceria dará à produção de açúcar e etanol da Cosan experiência comercial no Brasil. Em 2005, a Tereos trocou sua participação na FBA por uma participação na Cosan. Esse não é o único investimento da Tereos no Brasil. Em 2002, a empresa assumiu o comando da francesa Béghin-Say, que havia comprado, um ano antes, a compa-nhia brasileira Açúcar Guarani.

A maior parte das empresas de açúcar no Brasil são controladas por famílias e são administradas por elas mesmas. Porém, a FBA conta com uma administração profissionalizada, com uma diretoria composta por profissionais contratados e cujo presidente, Rubens Ometto, é o principal acionista da empresa, diz Duval. Hoje, ele é membro da diretoria da Cosan como representante da Tereos.

Proprietários europeus no açúcar do Brasil não são uma novidade. Multinacionais européias, como a Tate & Lyle, do Reino Unido, ou a francesa Louis Dreyfus – que entrou no agrobusiness brasileiro no início do século 20 e voltou nos anos 40 com a compra da Comércio e Indústrias Brasileiras (Coinbra) – perceberam as vantagens de fazer negócios no Brasil há muito tempo. Só agora, no entanto, é que o jogo começa a mudar, graças às regras da OMC e às reformas da política do açúcar na Europa.

O Brasil é um dos fatores mais importantes dentro da estratégia da Tereos para a reforma do açúcar da UE. Permite ao grupo manter e até levantar seu desempenho no mercado mundial de açúcar, tornando a Tereos a única empresa capaz de atender à demanda de clientes na União Européia, Brasil e no resto mundo, diz Duval.

Muitas companhias européias estão de olho no Brasil neste momento, diz Toby Cohen, diretor de pesquisas da Czarnikow, empresa de comércio de açúcar do Reino Unido. “Em termos de investimento direto estrangeiro, as empresas da UE estão adquirindo propriedades e buscando investimentos em novos projetos, diz Cohen. O grupo francês de açúcar St. Louis Sucre, recentemente adquirida pela alemã Sudzucker, bem como a Nordzucker, outra empresa alemã do setor, afirmam que estão em busca de projetos no Brasil. Nenhuma delas quis dar declarações para este artigo.

Mas isso tudo não é tão fácil como pegar um avião para o Brasil com uma mala de dinheiro. Como famílias poderosas controlam muitos grupos brasileiros, nem sempre é uma tarefa simples a negociação pública quando corporações européias estão envolvidas em função de preocupações com a transparência, diz Cohen. Além disso, o açúcar brasileiro está conseguindo um bom retorno no momento e não há muitos vendedores disponíveis, diz Cohen. Aqueles que estão dispostos a negociar normalmente vendem sob pres-são, como uma dívida pesada.

O investimento estrangeiro direto não é o único caminho para se envolver no mercado de açúcar brasileiro. Em vez de assumir o controle de empresas de açúcar e seus ativos, muitos investidores estão entrando nos negócios através de papéis financeiros. Nos últimos 18 meses, as commodities agrícolas tornaram-se uma tendência quente para fundos de investimentos e investimentos indexados à inflação.

Os papéis de açúcar negociados na Bolsa de Comércio de Nova York, considerados simples instrumentos de proteção contra riscos de preço, são freqüentemente usados por produtores e indústrias. Mesmo assim, os investimentos em títulos de açúcar dispararam. Os preços dos papéis saltaram mais de 60% no último ano, alcançando a maior alta em 25 anos no mês de fevereiro.

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