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BNDES repensa estratégia nacional

O economista Antônio Barros de Castro, diretor de Planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), está finalizando uma síntese do seu pensamento sobre desenvolvimento econômico e política industrial no Brasil. A proposta inclui a definição de ambiciosos objetivos estratégicos nacionais, que exigirão participação do conjunto da sociedade brasileira. Temos que ter imagens do futuro, temos que ter foco, diz Castro, um dos principais especialistas brasileiros no universo das empresas e da produção. O maior desafio, para o economista, é a adaptação da economia brasileira a um mundo em mutação por causa do efeito China.

O etanol é um dos setores de destaque naquela estratégia, mas com uma abordagem muito mais ampla e profunda do que a habitual. Uma abordagem capaz de transformar o País num protagonista das soluções tecnológicas e empresariais do que chama de economia da biomassa, a quarta Revolução Industrial, diz.

Todas estas idéias estão num capítulo de sua autoria em uma coletânea internacional de estudos sobre políticas industriais e tecnológicas, que será publicada em breve pela Oxford University Press. O título do trabalho de Castro é Da semi-estagnação ao desenvolvimento num mercado sino-cêntrico. O organizador da coletânea é o prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, e a publicação está ligada à sua Iniciativa para Diálogos sobre Políticas , centrada na Universidade de Colúmbia, e que reúne economistas e cientistas políticos de diversos países.

As idéias contidas no estudo de Castro já circularam também nos altos escalões do governo Lula e estão em discussão no BNDES. A visão do economista sobre política industrial e tecnológica dificilmente pode ser compreendida sem incorporar a sua análise da economia brasileira nas últimas décadas. Na quinta-feira, depois de dar acesso ao texto quase completo do seu estudo, o economista conversou com o Estado.

Como o sr. analisa a estagnação da economia brasileira nas últimas décadas?

A fase de baixo crescimento que vai de 1981 até 2006 poderia ser chamada de período de semi-estagnação. Divido esta etapa em duas partes. De 1981 a 1999, o Brasil não crescia por poucas razões, mas que eram contundentes e evidentes. Foi uma época de grande instabilidade macroeconômica, com a crise da dívida externa e a altíssima inflação. Eu incluo também aqui os anos de 1994 a 1999, porque apesar de o plano Real ter sido bem sucedido em acabar com a hiperinflação, o balanço de pagamentos ficou em péssimo estado, as exportações quase não cresciam, e o quadro fiscal estava em franca deterioração.

E a partir de 1999?

A transição para o câmbio flutuante foi bem-sucedida, e o quadro fiscal se recuperou.

Em 2000, o Brasil passou por um primeiro ensaio de crescimento, mas os anos de 2001 a 2003 foram um intervalo sombrio, que levou muita gente a concluir que não tinha como crescer sem grandes transformações. Estou convencido de que este diagnóstico é inteiramente errado. As adversidades de 2001 a 2003 foram do tipo que acontece uma vez só, foram não recorrentes. Elas não representam barreiras internas, estruturais ao crescimento, mas sim uma seqüência de acidentes de variadas naturezas, como a crise energética, o colapso argentino, o estouro da bolha das ações de tecnologia, e o nervosismo eleitoral com a perspectiva de chegada de Lula ao poder. Lula, aliás, surpreendeu, e foi extremamente eficaz na reconquista das condições de estabilidade.

Mas a recuperação de 2004, quando o País cresceu 5,7%, segundo a nova série do IBGE, também não deslanchou um ciclo sustentado de crescimento.

O ano de 2004 é o segundo episódio de crescimento, parecido com 2000, mas com mais força. É um novo modelo mostrando toda a sua cara. As exportações de manufaturados cresceram 21% em quantidades, e a expansão foi puxada por setores industriais de densidade tecnológica média, como automóveis, bens de capital, material eletrônico e equipamentos de comunicações.

Estes setores foram responsáveis por 50% do crescimento da indústria em 2004. Mas a freada da política monetária a partir de setembro matou no nascedouro um vigoroso movimento de expansão que surgia após três anos de dificuldades.

Mas os juros voltaram a cair, estão no níveis mais baixos desde o plano Real, e o ritmo de 2004 não foi retomado.

Justamente. Quem aponta a severidade da política monetária no final de 2004 como a causa do tombo tem boa dose de razão, mas quem insiste nesta perspectiva se equivoca. Mesmo com a queda dos juros, o crescimento murchou e não voltou. Além disso, a recuperação de 2006, além de mais fraca, tem um perfil completamente diferente de 2004, com muito mais presença da mera elaboração de matérias-primas. O processamento de recursos naturais ganha espaço, e os segmentos de maior densidade tecnológica recuam.

E qual a causa dessa mudança?

É o efeito China, no sentido mais amplo possível. Há a pressão competitiva sobre as economias maduras, que transferem suas unidades industriais menos sofisticadas para a China, e a aceleração do crescimento de países e regiões bem dotados de recursos naturais.

Isto explica porque tantos países, incluindo África e América Latina, estão tendo desempenho tão bom. É o crescimento no vácuo da China, com sua demanda explosiva por commodities básicas. E também há o risco de países ricos em recursos naturais, e com um parque industrial diversificado e robusto, contraírem a doença holandesa. Isto ocorre quando o câmbio valorizado, provocado pelo boom de exportações ligadas aos recursos naturais, reduz ou anula os retornos dos segmentos não beneficiados pelo mesmo efeito.

O País sofre de doença holandesa?

Somos candidatos, porque temos aquele perfil de recursos naturais e parque industrial diversificado. Mas o Brasil tem condições de responder à doença holandesa, e esta resposta é justamente um dos elementos principais da estratégia de política industrial e tecnológica.

Mas antes de entrar nisto, é preciso lembrar mais uma conseqüência do crescimento da China e da Ásia, ligada ao que estamos discutindo. O aquecimento global traz uma nova pauta tecnológica, que inclui alternativas para os combustíveis fósseis e o uso mais eficiente dos recursos naturais.

E qual deve ser a nossa resposta?

Há duas estratégias na verdade. Na primeira, a que tradicionalmente foi perseguida em nossa história recente, o governo remove obstáculos, faz minireformas, aperfeiçoa a regulação e os tributos, vai tirando areia do sistema e este espontaneamente busca as oportunidades neste novo mundo sinocêntrico. É possível fazer isto, com algumas perdas na esfera industrial, e avanços nas esfera do processamento de recursos naturais. A segunda estratégia é partir do impulso da China e ir muito além dele.

Como seria esta segunda estratégia?

É o cenário no qual as empresas, vários órgãos de Estado e a sociedade civil se organizam sem inibições para levar adiantes certos objetivos estratégicos. No caso da doença holandesa, o Brasil pode dar duas respostas. A primeira é dar mais complexidade às atividades voltadas aos recursos naturais, criando um sistema de desenvolvimento de tecnologias em torno da exploração daqueles produtos primários. A segunda está ligada aos setores que de fato são negativamente afetados por este câmbio determinado pelo efeito China, e que se ressentem também do preço chinês – aquele preço que você exige do seu fornecedor para não ir buscar a mesma coisa na China, e que portanto se internaliza e se irradia por toda a economia. Estes setores industriais são capazes, diante do câmbio adverso, de explorar alternativas estratégicas e se reafirmar.

Como aquela primeira abordagem pode ser feita no caso do etanol?

No que se refere ao álcool, assim como à madeira e outras matérias-primas orgânicas, é preciso não explorar apenas recursos naturais, mas desenvolver soluções que multipliquem os usos dos recursos e resíduos de forma ambientalmente amigável. Esta é uma fronteira tecnológica e econômica que nós temos que desenhar aqui no Brasil, envolvendo tanto empresas nacionais como estrangeiras. O etanol não deve ser considerado meramente um combustível, mas uma porta de entrada na revolução biotecnológica que tem como foco tomar as cadeias de carbono e produzir também sucedâneos para plásticos, para metais, fármacos – as possibilidades são ilimitadas. É preciso buscar a conexão da indústria com o setor de recursos naturais, com uma política tecnológica ativa, financiamentos, apoio de institutos de pesquisa. Há interações possíveis com a mecânica, química, biotecnologia, computação, software, indústria farmacêutica.

As vantagens competitivas do Brasil em recursos naturais oferecem um mar de possibilidades. No caso do etanol e da biomassa, a estratégia deve ser a de buscar uma presença global significativa nesta quarta revolução industrial, chegar a alguns pontos da fronteira tecnológica.

Quais outros temas devem entrar na agenda de política industrial e tecnológica no Brasil?

Há todo o universo dos chamados não-transacionáveis, isto é, que não estão no âmbito do comércio exterior, como estradas, portos, ferrovias e energia elétrica. Há um imenso atraso nestes setores, que foram os que mais sofreram com os 26 anos de semi-estagnação. Este é o centro de gravidade do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), e é onde está o papel da regulação de criar condições atraentes e um ambiente acolhedor para os investimentos. Eu acho também que existe um imenso espaço para o desenvolvimento da engenharia brasileira. Na indústria em sentido mais estrito, há grandes oportunidades tanto na emergência do mercado popular, das classes C, D e até da E, como no mercado do luxo e da sofisticação, no qual o Brasil definitivamente está marcando presença. Eu perguntei recentemente a um empresário do setor moveleiro no Sul se a China era uma ameaça, e ele me respondeu que, pelo contrário, era um grande mercado para as cozinhas customizadas que a sua empresa vende.

E qual o papel do BNDES nesta nova política industrial?

O BNDES tem tomado medidas para baratear o financiamento da infra-estrutura e para agilizar o trâmite dos pedidos. Estas iniciativas são favoráveis aos dois tipos de estratégia que mencionei: a mais passiva e a mais ousada. Quanto esta segunda há debate dentro do BNDES, mas nada foi decidido.

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