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BNDES conta com China para financiar projetos

Em segredo, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, busca no Oriente parte importante dos recursos para completar os US$ 100 bilhões que pretende desembolsar em financiamentos neste ano. No Palácio do Planalto, essa quantia é vista como dinheiro certo para bancar os projetos de desenvolvimento em 2009. No BNDES, quem aceita falar sob o tema, muito reservadamente e sem dar detalhes, assegura apenas que parte “importante” dos recursos do banco para este ano poderá vir do CDB. No caso, sigla de China Development Bank, o BNDES chinês.

Em dezembro, uma missão técnica do BNDES esteve na China, para conhecer melhor a economia chinesa e também para discutir com as autoridades os mecanismos de financiamento do CDB, que iniciou no mês passado uma reforma para poder operar como um banco comercial, investindo também em ativos reais e ações. O CDB tem sido pressionado para aumentar o retorno de seus investimentos, e as autoridades brasileiras acreditam que os projetos em infra-estrutura no Brasil podem ser resposta a esse tipo de pressão. Nesse namoro com a China, a recente desistência da Baosteel em instalar uma siderúrgica com a Vale no Espírito Santo é uma má notícia, pior do que aparenta.

Segundo os chineses, o projeto de instalar uma grande siderúrgica no Brasil tem quase oito anos, começou no Maranhão, onde atolou na briga entre os clãs políticos locais, e mudou-se para o Espírito Santo, graças à promessa do governo capixaba de ceder à empresa instalações consideradas ideais, em Anchieta, no litoral. Na sexta-feira, ao anunciar a desistência do projeto, a versão oficial, transmitida pela Vale, atribuiu à conjuntura negativa com desaquecimento na demanda mundial por aço. Meia verdade.

Como lembram interlocutores dos chineses, a nova usina só começaria a produção no fim de 2011, período em que, espera-se, possa ter sido superado o atual mergulho recessivo. Na decisão da estatal chinesa, pesaram mais do que se pensa as idas e vindas dos governadores na autorização do projeto. Há apenas dois meses, a Baosteel não dava sinais de rever a decisão do que seria sua primeira siderúrgica fora da China. Dias antes, o embaixador da China no Brasil, Chen Duqing, dizia a interlocutores no país que as atribulações da siderúrgica desanimavam a direção da Baosteel, e, pior, enviam péssimo sinal para outros potenciais investidores chineses.

“Os chineses reclamam muito das dificuldades de investir no Brasil e essa desistência da Baosteel é muito ruim”, confirma o secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China, Rodrigo Maciel, que voltou há pouco tempo de Pequim. Lá, ouviu comentários preocupados sobre o caso da siderúrgica de instituições-chave, como a Academia de Ciências Sociais da China e o CCIIP, o Conselho Chinês para promoção de Investimento Internacional. “A Baosteel é emblemática na China; a má repercussão desse problema entre as empresas chinesas é muito grave.”

São coisas distintas a má sorte da Baosteel no Brasil e os entendimentos do BNDES com as autoridades chinesas para completar a necessidade de capital do BNDES. O BNDES, aliás, também mira outras fontes de financiamento: nesta semana volta da Índia uma missão técnica exploratória enviada na semana passada. As instituições financeiras chinesas e outras estatais deverão, nos planos de Luciano Coutinho, complementar fontes tradicionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Banco Mundial e o JBIC japonês. Com capital registrado de quase US$ 44 bilhões e uma carteira de quase US$ 300 bilhões em empréstimos, o gigantesco CDB encanta o BNDES.

O caso Baosteel, porém, demonstra as dificuldades dos investidores internacionais no país, que, como costuma enfatizar Chen Duqing, parece menos receptivo que a China ao capital estrangeiro. Muita burocracia, rigidez excessiva das regras e pouca informação são os males do Brasil. Palavra de chinês. “Eles se queixam da falta de informações em inglês, da burocracia, do custo: para montar um escritório de representação, o aporte mínimo é de US$ 200 mil”, diz Rodrigo Maciel.

O governo lançou iniciativas, como a agenda China, de prioridades na relação com o país, que ainda engatinha; e a Cosban, comissão de cooperação de alto nível que teve pouco avanço. A China incluiu o Brasil entre os nove países com quem mantém “diálogo estratégico”. Mas, enquanto organismo semelhante criado pela China com EUA tem, como representante americano, o poderoso secretário do Tesouro Henry Paulson, o Brasil nomeou para representá-lo um diplomata experiente e dinâmico, mas de pouco poder, o embaixador Roberto Jaguaribe.

Falta maior acompanhamento federal do que se faz nos Estados em relação à China, e o fiasco com a Baosteel serve de exemplo do desperdício de oportunidades. No início da década, começaram as negociações para instalação da siderúrgica com a Vale, no Maranhão. Grupos políticos locais, um liderado pelo senador José Sarney, o outro ligado ao então governador, José Reinaldo Tavares, acusam-se um ao outro pela demora na avaliação do projeto, que, após anos de discussões, teve sua localização vetada pelo atual governador, Jackson Lago, do PDT, por razões ambientais. Vale e Baosteel foram convidados pelo governo do Espírito Santo, e seus executivos chegaram a sobrevoar a área onde, menos de quatro meses mais tarde, as autoridades vetaram a localização do projeto, também por razões ambientais.

O vice-governador capixaba, Ricardo Ferraço, não acredita que haja outras razões para a desistência do projeto, além da alegada pela Vale, a retração do mercado. E garante que o risco de veto ambiental foi comunicado desde o início às empresas. Para os chineses, o que ficou, porém, foi a lembrança de um longo e frustrante processo, fracassado após o gasto de alguns milhões em estudos. O BNDES, que vê na China parte das respostas à crise global, deve ter esse caso em mente, ao tocar seu ambicioso plano de financiamento chinês do desenvolvimento.

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