A escassez de recursos hídricos, aliada a poluição ambiental, vai afunilando o cerco na busca de fontes de energias limpas e renováveis. À medida em que o mundo vai avançando nesse período de transição energética, a eletricidade gerada a partir da biomassa da cana-de-açúcar passa a figurar cada vez com maior destaque, como uma das possíveis e concretas soluções para se dirimir o problema.
Para Zilmar Souza, gerente de Bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), o setor elétrico brasileiro é hoje um dos mais renováveis entre as maiores economias mundiais, com 83% de renováveis em sua matriz, e destaca a importante contribuição da bioeletricidade sucroenergética, que detém 12 GW e 7% de participação na matriz brasileira.
O último Plano Nacional de Energia indica que no melhor cenário a biomassa pode chegar a 29 GW em 2050, equivalente a mais do que duas Itaipu, mas no pior cenário pode ficar em apenas 13 GW, ou seja, crescimento imaterial até 2050. “Entendemos que a atual contribuição da bioeletricidade é um diferencial geopolítico e deve ser mantida, ou melhor, expandida nesse movimento global da transição energética, rumo ao melhor cenário de aproveitamento dessa importante fonte renovável e sustentável”, analisa.
Atualmente, apenas 15% da energia gerada a partir dos resíduos da cana-de-açúcar são aproveitados na rede nacional de energia (Sistema Interligado Nacional). Levantamento da UNICA e da Cogen (Associação da Indústria de Cogeração de Energia) aponta que centrais movidas a biomassa principalmente de bagaço de cana poderiam gerar 1.249 GWh (gigawatts-hora) adicionais em energia entre julho e dezembro de 2021 e mais que o dobro disso em 2022 com medidas de incentivo do governo, como um leilão emergencial para compra da produção extra.
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Por ser de baixo carbono, estima-se que a geração de bioeletricidade de cana em 2020 tenha evitado adicionalmente a emissão de 6,3 milhões de toneladas de CO2, marca que somente seria atingida com o cultivo de 44 milhões de árvores nativas ao longo de 20 anos.
Em 2020, a oferta de bioeletricidade para a rede nacional de energia pelo setor sucroenergético cresceu 1% em relação a 2019, com um volume de 22.604 GWh. Sendo que 83% desse total foi ofertado no período seco, entre maio e novembro – período de diminuição de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas.
Em recente Fórum, promovido pela LIDE de Energia, diversos especialistas do setor se reuniram para discutir a transição da matriz energética.
Para o CEO da Tereos, Pierre Santoul, o Brasil é destaque mundial quando se fala em energia limpa, com quase 50% de sua energia proveniente de fontes renováveis. E com relação à oferta interna, 48,5% dessa energia limpa é proveniente da cana-de-açúcar. Para ele é indispensável que nesse processo de transição sejam considerados os combustíveis. “É interessante entendermos esse impacto no quesito como benefício socioambiental e para o mercado de trabalho, pois hoje, no mundo, temos cerca 2,5 milhões de pessoas empregadas graças ao setor de combustíveis não fósseis. E no Brasil, 1 milhão é o número de pessoas que o setor sucroenergético emprega direta ou indiretamente”, lembrou.
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2% é o que representa o setor no PIB do Brasil. Para Pierre, além da clara relevância na geração de emprego e renda, o setor se destaca na questão sócio ambiental. “O RenovaBio deve contribuir nos próximos 10 anos, com a redução de 606 milhões de toneladas de CO² na atmosfera”, afirmou.
O presidente da Toyota, Rafael Chang, considerou que “num futuro próximo, será o consumidor quem decidirá qual a tecnologia com impacto socioambiental ele usufruirá”. Chang ressaltou que o objetivo da companhia é estar um passo à frente nos investimentos tecnológicos que tragam benefícios ambientais, mas trabalhando de maneira e com prazos realistas. Ele destacou que o Brasil tem uma oportunidade gigantesca, precisamente por contar com matriz energética tão limpa. Segundo o presidente da Toyota, o caminho para o carbono neutro, é um caminho sem retorno, porém a velocidade com que isso vai acontecer dependerá de planejamento e ações muito coordenadas entre os atores envolvidos.
Aposta a curto prazo
A presidente da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), Patrícia Iglecias, disse que o etanol é uma aposta a curto prazo para acelerar essa transformação. “Os veículos híbridos e flex são grandes alternativas para eliminar problemas de infraestrutura. O álcool, por exemplo, emite 90% a menos de gases de efeito estufa”, disse.
“Nós tivemos o Protocolo Etanol Mais Verde que foi celebrado voluntariamente com setor. Esse protocolo, por exemplo, em termos de eliminação da queima da palha da cana significou sair de 1,5 milhão hectares de queima para 7 mil hectares. Se vamos falar em dados como a questão dos ônibus, em termos práticos, significa menos 270 mil ônibus circulando por ano”, destacou Patrícia.
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Roberto Giannetti da Fonseca, presidente do LIDE Energia, avaliou que a atual crise de abastecimento é benéfica, pois acelera o processo de transição na matriz. “Traz a consciência e dimensão do problema. Não dá para mudar condições climáticas, mas cada dia é importante para termos ações para combater esse dilema”, frisou.
Para Giannetti, a política energética do Brasil tem equívocos que precisam ser corrigidos para garantir a eficiência do sistema. “Temos de avaliar qual a mudança estrutural que temos de fazer para a segurança energética, descarbonizada, competitiva. O país tem condições de ser uma potência mundial neste século. É uma oportunidade histórica”, salientou.
O sócio da GO Associados, Gesner de Oliveira, também professor da FGV e ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), disse que é importante transmitir às pessoas a gravidade da atual crise energética. “As pessoas não estão entendendo porque a conta está subindo tanto. Há uma desinformação geral. O que é ruim, porque haverá necessidade de um esforço para explicar a situação”.
Oliveira afirmou que avalia o retorno do horário de verão como uma medida importante para trazer economia de energia. “A colocação de placas solares em prédios públicos e a substituição de equipamentos – ineficientes no ponto de eficiência energética – também são uma boa estratégia. Inclusive, algumas empresas do setor privado já começaram a investir nisso”, disse.
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O presidente da Enel Distribuição São Paulo, Max Xavier Lins, destacou o crescimento da produção renovável de energia. “As fontes eólica e solar saíram do zero e hoje representam 10 % de toda a energia gerada, em 11 anos. Ganharam escola, se mostraram competitivas em relação ao preço e criaram uma cadeia de produção e serviços”, avaliou.
O presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Sérgio Gusmão, lembrou do crescimento da energia térmica que, segundo ele, “tem relação direta com a crise”. “Temos um pipeline robusto de pequenas centrais elétricas com dinamismo solar, que pode atuar para a mudança da matriz enérgica“, lembrou.
Zilmar Souza, da UNICA, reforça que a biomassa é uma fonte renovável e não intermitente e que as energias eólica e solar são coirmãs e devem continuar agregando ao sistema. “A diversificação dá mais estabilidade ao portfólio, e o melhor dos mundos seria agregar todas as renováveis e estimular o aproveitamento da bioeletricidade”, afirma.
Esta matéria faz parte da edição 330 do JornalCana. Para ler, clique AQUI!