Desde a década de 1970, o setor da cana, açúcar e etanol vem implementando um contínuo movimento de diversificação, quando se intensificou a produção de etanol. Esse processo tem sido o principal fator para viabilizar seu crescimento e ferramenta de apoio à superação dos desafios de uma atividade competitiva, mas, infelizmente, permeada por distorções, como subsídios no Exterior, barreiras ao comércio e outros tipos de intervenção ao livre mercado.
Na última safra de 2019/20, na Região Centro-Sul, 65,7% da cana foram direcionados para o etanol e apenas 34,3% para o açúcar. A flexibilidade passou a ser uma grande vantagem da indústria brasileira em relação aos seus concorrentes. Isso fica evidente mais uma vez este ano, quando a queda da demanda por combustíveis devida ao isolamento social está sendo superada por uma alteração do mix de produção, com uma queda de 11,7% na proporção da cana destinada ao etanol.
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Fora dessa questão circunstancial, o seu mercado continua em expansão, nos planos doméstico e externo, à medida que aumentam a percepção e o reconhecimento de que é energia quase neutra em emissões de carbono, de alta densidade, escalável, replicável, sem barreira tecnológica e que gera renda e empregos de maneira descentralizada, agregando valor a matérias-primas de biomassa e estimulando a economia circular. O etanol é de maneira crescente valorizado por ser fator fundamental de redução da poluição do ar, contribuindo para amenizar a morbidade e a mortalidade causadas por diversas doenças, incluindo a pandemia relacionada à Covid-19.
No contexto de sua diversificação, o setor também implementou a bioeletricidade gerada a partir do bagaço e da palha da cana. Tal aproveitamento foi alavancado pelo enorme esforço de mecanização da colheita e do plantio, realizado em especial nos últimos 15 anos, que permitiu ao ramo sucroalcooleiro alcançar níveis de sustentabilidade incomparáveis em todo o mundo, com a capacitação de colaboradores para operar equipamentos sofisticados, que hoje incluem mais computadores do que a espaçonave Apollo 11. Hoje em dia, a cogeração existente a partir de todas as fontes conta com 18,5 gigawatts (GW) de capacidade instalada em operação comercial, sendo que a biomassa da cana representa 62% desse total; com gás natural, 17%, e com licor negro, 14%.
A nova onda de diversificação concentra-se, agora, no desenvolvimento do potencial do biogás e do biometano. Sua versão purificada é comparável, em termos energéticos, ao gás natural fóssil, com a vantagem de ser totalmente renovável. O potencial de geração de biogás no Brasil é estimado em 82 milhões de metros cúbicos por dia (m3/d), o que significa mais do que o dobro da capacidade do gasoduto Brasil-Bolívia. Desse total, 56 milhões de m3/d representam volume a ser gerado pelo setor sucroenergético; 20 milhões, pelo aproveitamento de outros resíduos agroindustriais; e seis milhões, do lixo urbano. Tal volume é equivalente a 115 mil GWh por ano, ou 24% da demanda total de energia elétrica, 44% da relativa ao diesel e 73% do gás natural fóssil consumido no País.
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Com uma pequena parcela desse potencial, o setor poderá, em pouco tempo, tornar-se independente do uso de diesel em operações agrícolas, visto que já há fabricantes de veículos e colhedoras oferecendo equipamentos capazes de utilizar esse combustível. Uma carreta transportadora de suco de laranja, quando abastecida com gás gerado por resíduos agrícolas, reduz em 85% a emissão de dióxido de carbono (CO2) em relação ao óleo diesel. Num trator, verifica-se economia de 40% no consumo e diminuição de 50% nos ruídos e vibrações. Nos dois casos, já temos protótipos sendo utilizados, segundo dados da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás).
O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), lançado em fevereiro último pelo Governo Federal, prevê que, em 2029, a oferta energética interna necessária para movimentar a economia será de 380 milhões TEP (milhões de toneladas equivalentes de petróleo), representando crescimento de 2,9% ao ano. As fontes renováveis podem chegar à participação de 48% do total. Isso manteria o Brasil em conformidade com o compromisso firmado no Acordo de Paris, de reduzir a emissão de carbono e promover maior participação de renováveis na matriz energética.
Tal avanço é muito viável, considerando todas as potencialidades do biogás, como, por exemplo, ser renovável, armazenável, aplicável para gerar energia elétrica ou como combustível e com possibilidade de produção regional descentralizada. Também contribui para o êxito da meta, o RenovaBio, política pública, já em vigor, que incentiva a descarbonização, permite a concessão de certificação de biocombustíveis que demonstre a redução de gases de efeito-estufa e a comercialização de créditos de carbono.
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Além disso, em paralelo às iniciativas do setor sucroalcooleiro, há programas importantes de outros segmentos, como a Frente Brasil de Recuperação Energética de Resíduos (FBRER), em boa hora lançada este ano por quatro entidades (Abetre, ABCP, Abiogás e Abrelpe). Estima-se existir potencial de se produzirem 3% do consumo nacional de eletricidade a partir de gases gerados nos aterros sanitários de destinação do lixo.
A pegada de CO2 do etanol de cana produzido no Brasil, que já é a mais baixa do mundo, deverá ser cada vez mais otimizada, indo na direção da emissão negativa, quando for computada a incorporação de carbono no solo, uma realidade constatada há décadas, mas ainda não incluída no cálculo. Agora, no contexto de alterações de nossa matriz energética e da mobilidade produtiva relacionada ao álcool hidratado e ao anidro, à bioeletricidade e ao uso do biogás e do biometano, a contínua diversificação do setor sucroenergético coloca-o na vanguarda da sustentabilidade e das exigências contemporâneas relacionadas ao meio ambiente e à saúde.
*João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP), empresário do setor agrícola e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).