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Biodiesel, uma nova matriz energética

O craqueamento do petróleo, um negócio multibilionário, gera em ordem crescente de densidade e de ponto de ebulição os gases liquefeitos de petróleo (C1 a C4, metano até butano), a gasolina (C5 a C10), o querosene (C10 a C16), óleo diesel (C14 a C20), óleo lubrificante (C20 a C50), óleo combustível (C20 a C70) e o resíduo betuminoso (C70; para fins de asfaltamento e impermeabilização).

O Brasil consome cerca de 40 bilhões de litros de óleo diesel / ano. Com alguma variação composicional em função dos tipos metropolitano, de estrada e marítimo, o óleo diesel é uma complexa mistura de hidrocarbonetos: 42% de lineares e ramificados (cetano e pristano como representativos), cicloparafínicos (32%) e aromáticos (25%). Diferentemente da gasolina, mais leve e na qual os componentes mais nocivos são o grupo BTEX (Benzeno, Tolueno, Etilbenzeno, Xileno), no diesel se dá a ocorrência dos ditos PAHs ou Hidrocarbonetos Poliaromáticos, dos quais o benzopireno é bem reconhecido como carcinogênico. Por serem menos hidrogenados (e a riqueza de uma matriz combustível é a quantidade relativa de hidrogênio que ela possue), os PAHs tendem a acumular na emissão veicular (gases de exaustão) em combinação com a matéria particulada ou fumaça negra. Ademais, o óleo diesel contém variadas formas orgânicas e inorgânicas de enxofre, o qual, após a combustão no motor, gera dióxido de enxofre, cuja hidratação pela chuva ou umidade do ar acaba precipitando sob a forma de chuva ácida.

A adição de etanol ou álcool etílico anidro à gasolina favorece bastante a queima das frações mais renitentes (e.g., BTEX). O etanol, infelizmente, não é miscível ao diesel (*). O papel aqui pode e deve ser cumprido pelo biodiesel, uma estrutura química simples, igualmente oxigenada, derivada dos óleos vegetais e gorduras animais quando, com auxílio de um catalizador básico (soda) se promove o deslocamento da glicerina e então se (re)liga os ácidos graxos ao etanol ou metanol. Em outras palavras se transforma os triésteres naturais (óleos e gorduras) em mistura de monoésteres de ácidos graxos (biodíseis). Quimicamente, trialcilglieróis ou triglicerídios são convertidos em monoalquil ésteres mediante uma transesterificação. Óleos mais ricos em ácidos graxos insaturados (e.g., ácido linolêico; 55% na soja e girassol) fornecem biodiesel mais fluído (menos viscoso) e algo menos estáveis; óleos ou gorduras mais saturadas (e.g., ácido palmítico, mirístico e esteárico; óleos de dendê, babaçu e gordura de porco) rendem biodíeseis mais viscosos, mais estáveis, mas também mais sujeitos à insolubilização (cristalização) quando a temperatura ambiente cai nas faixas típicas de inverno.

Os efeitos mais imediatos da mistura de biodiesel ao óleo diesel é a significativa redução de inconvenientes ambientais tais como hidrocarbonetos não queimados (HC), monóxido de carbono (CO) e matéria particulada (MP). A ASA – American Soybean Association -, maior patrocinadora do uso de biodiesel nos USA, informa que a adição de apenas 2% de biodiesel ao diesel acarreta um acréscimo de 100% na lubricidade do segundo. Lubricidade é proporcional à duração do ciclo de vida de um motor a diesel (onde a pressão provoca a ignição comparativamente a um motor do ciclo Otto ou gasolina onde há a faísca da vela para o mesmo fim). Há esforço internacional para a redução do conteúdo de enxofre do óleo diesel para um patamar de apenas 15 ppm (partes por milhão) mas esta redução também implica em perda (parcial) da lubricidade.

Há uma série de outras vantagens para a utilização de biodiesel seja na forma de blendas ao óleo diesel (Bx desde B2, B20, B50) até na forma pura (B100), além da maior que é a qualidade do ar e saúde ambiental, principalmente nos grandes centros urbanos. Um motor a diesel não requer qualquer modificação, seja do motor propriamente dito, seja do sistema de injeção, para receber biodiesel. Há um grande biodiversidade botânica para prover as oleaginosas para a produção do biodiesel (soja, girassol, amendoim, algodão; dendê ou palpa e babaçu; mamona). No Brasil, com uma produção de 14 bilhões de litros de etanol / ano-colheita, este álcool é o ideal para a reação de transesterificação embora o metanol ou álcool metílico, derivado do petróleo, também se preste à mesma finalidade. O biodiesel tem menor ponto de fulgor que o óleo diesel e está sujeito a menor risco de auto-ignição e explosão e no caso de um vazamento e, diferentemente do petróleo e seus derivados, é rápidamente biodegradado. O biodiesel (etílico) é totalmente inerte ao homem pois suas partes químicas, se hidrolisadas pelas enzimas esterases, geram ácidos graxos e etanol, dois excelentes combustíveis metabólicos dos quais o corpo lança mão quando da falta de glucose (você se lembra de ter visto um bêbado reclamando de frio?). Diferentemente da indústria petroquímica (alto capital, sofisticados equipamentos e macrocorporações), a produção de biodiesel pode ser um negócio até para o pequeno agricultor (**) quando parte do produto pode alimentar seu pequeno trator ou caminhão de transporte. A produção de biodiesel gera um segundo co-produto, a glicerina. Embora na forma bruta esta somente encontre mercados de menor valor agregado (e.g., sabões), uma vez destilada ou bidestilada ou seja alcançando grau de pureza: 87%, a glicerina tem lugar privilegiado em numerosas aplicações da indústria médico-farmacêutica, química e alimentícia. Nestas condições o valor de mercado pode ser duas vezes mais valioso do que o próprio biodiesel. Neste particular, num processo de inclusão social calcado no biodiesel, pequenos agricultores deveriam se associar, recolher e endereçar o sub-produto para refinamento em outra instância.

A legislação brasileira (Lei 11.097 de 13 de janeiro de 2005), deixa por ora a adoção do biodiesel ao óleo diesel de forma voluntária mas a transforma, como B2 (2% de biodiesel ao óleo diesel), obrigatória a partir de 2008. Serão portanto necessários (40.000 x 2 : 100) 800 milhões de litros para aquela época. Por ora, já estão instaladas ou em instalação no País, sob a égide da Abiodiesel -Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel, os seguintes empreendimentos: Adequim, AgroDiesel, Agropalma (Belém-PA), Biolix, Brasil EcoDiesel, Ceralit, Ecomat (Cuiabá-MT), Fuserman Biodiesel, PetroCap e SoyMinas (Cássia-MG).

Negócio já consolidado em países mais desenvolvidos, a produção européia de biodiesel em 2004 foi de mais de 1,9 milhões de toneladas (Alemanha, França e Itália como líderes com 1.035, 348 e 320 mil ton, respectivamente). Nos EUA, no mesmo período foram produzidas 358 mil toneladas.

(*) inovadora é a mistura ternária MAD8 (óleo diesel 89,4% : etanol 8% : biodiesel 2,6%) sendo ensaiada pela parceria URBS / TECPAR em frota cativa de transporte metropolitano em Curitiba desde 2002.

(**) uma fabricante de pequenas biodieselizadoras na Argentina (Biofuels S/A) tem vendido seus equipamentos de 400 a 800 litros / batelada para mais de 12 países da Europa, Ásia e América.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, Pesquisador 1A do CNPq e 11.º Prêmio Paranaense em C&T

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