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Avanço em Doha ficará só na retórica

Que os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e George Walker Bush conversarão hoje sobre a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio é óbvio. Fazem-no sempre que se falam.

Mas deixar vazar que da conversa possa resultar algum avanço em uma negociação que ficou virtualmente paralisada desde o lançamento, em 2001, é vender o que os dois presidentes não podem entregar.

Como não o fizeram em todas as inúmeras ocasiões anteriores em que expressaram empenho em tirar do pântano a Rodada Doha. Nas vésperas da Conferência Ministerial da OMC em Hong Kong (dezembro de 2005), Lula chegou a propor a Bush e a outros líderes reunião de cúpula para dar um “impulso político” que pudesse dissolver o impasse técnico.

Bush e vários outros líderes manifestaram simpatia pela idéia, mas não moveram um dedo para que a cúpula se realizasse. Conseqüência: a Ministerial de Hong Kong foi um quase fracasso, só salva pelo acordo para pôr fim, até 2013, aos subsídios à exportação de produtos agrícolas.

De lá para cá, o impasse só fez acentuar-se, a ponto de, em julho, a Rodada Doha ter sido colocada em hibernação, da qual só saiu sete meses depois, em Davos.

Mesmo assim, Davos serviu apenas para o anúncio do reinicio das conversações. Não houve nenhum avanço depois disso, apesar de Bush e Lula terem, periodicamente, reafirmado seu empenho em obter um bom resultado.

Agora, então, é inimaginável haver qualquer proposta convincente dos EUA, na medida em que Bush está atado por um Congresso de maioria democrata, que o sitiou na questão iraquiana, ao aprovar proposta fixando prazo para o início da retirada das tropas. O presidente terá que dedicar todos os seus esforços a esse assunto, muito mais vital e complicado do que a Rodada Doha.

Mesmo que lhe sobrasse tempo para dedicar a Doha, estaria igualmente amarrado pela maioria democrata, que acaba de lançar sua própria proposta negociadora na área comercial. Inclui dois pontos que causam horror nos países em desenvolvimento, Brasil entre eles.

São as chamadas cláusulas ambiental e social, ou seja, amarrar negociações comerciais à obediência a padrões trabalhistas e ambientais mais de acordo com as normas do mundo rico. Para os emergentes, trata-se de mera cortina de fumaça para introduzir protecionismo sob outra denominação.

Até entre os republicanos, há resistências ao memorando sobre o álcool, o mais vistoso documento produzido durante a visita de Bush ao Brasil. Charles Grassley, o mais importante membro republicano do Comitê de Finanças do Senado, escreveu carta a Bush na qual diz:

“Não consigo entender porque os EUA deveriam considerar gastar dinheiro dos contribuintes americanos para encorajar a produção de álcool em outros países, produção que poderia competir diretamente com o álcool produzido nos EUA”.

Nesse cenário, menções a Doha não passarão de retórica. O impasse se resolverá, se se resolver, longe de Camp David.

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