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Autora da capa do JornalCana fala de sua arte

A artista plástica Lair Ana Barreira concedeu esta entrevista ao Portal BauruTem.com em sua casa, em Bauru, onde funciona também seu ateliê. Dona de um estilo envolvente, calmo e elegante, Lair Ana falou de sua arte. A maneira como ela escolhe um tema e o desenvolve, como as viagens influenciaram sua obra, seu envolvimento com os quadros e como ela descobriu sua paixão pela pintura. Lairana, como é conhecida nos meios artísticos, é autora da capa do último número do JornalCana e expôs suas obras no stand da APOIO&VENDAS, editora do Jornal. Algumas obras da artista, que têm a cana como tema, estão expostas na sede da editora, na avenida Meira Júnior, 612, onde podem ser apreciadas e adquiridas pelos interessados.

BT- O que leva uma pessoa a pintar quadros?

Lair – É o seguinte, acredito eu que as razões sejam inúmeras, mas a minha razão é uma questão de talento. Aos oito anos de idade eu já tinha a sensação de artista, no sentido daquela pessoa que está percebendo o mundo de uma maneira diferenciada e tem vontade de expressar, de representar esse mundo. Filtrando, essa coisa do filtrar mesmo. O que me leva a pintar é uma razão intrínseca. Agora, a minha dedicação é porque tive oportunidade de fazer uma escola de arte, especialização, mestrado, doutorado, conheço os principais museus do mundo. Eu mergulhei na questão e pinto diariamente seis, oito horas. A razão é afetiva, psicológica, sabe Deus de onde vem.

BT- A senhora pinta quadros de tamanhos variados, alguns são bem reduzidos, outros são telas enormes. Qual o significado do tamanho do quadro em sua obra?

Lair -É uma questão de energia. Tem dia que você levanta com energia pra trabalhar áreas maiores, então o gesto é mais largo, o seu mergulhar talvez seja mais profundo no outro sentido, no sentido que você está quase que dentro da pintura. Tem até a ver com o período do ano, portanto setembro, primavera, verão, eu trabalho geralmente obras grandes, que dá para usar muita água, pôr a pintura no quintal, deitar e rolar. Agora, no inverno, eu já fico um pouco mais tímida em relação ao tamanho da pintura, eu faço obras quase que bico-de-pena. Acho que é um sentir das estações do ano, apesar de no Brasil a gente não ter tão forte, mas eu sinto muito isso.

BT- A senhora tem um catálogo, um controle sobre todas as suas obras. Qual a importância dessa obra catalogada para um artista?

Lair – Eu não digo que eu tenho um controle sobre todas as obras, mas acredito que pelo menos 50%. Não é controle, mas pelo fato de ter pesquisado muito em arte, eu percebo como é difícil, às vezes, você querer saber sobre a vida de um artista, o porquê que ele desenvolveu determinado trabalho e você não ter referencial. Então hoje, se um estudante de arte quiser ter os trabalhos meus sobre papoula, por exemplo, eu sei, você pode ir em tais lugares que você vai encontrar algumas obras. Mas a maioria foi vendida através de galerias, marchands, então na verdade eu não sei com qual pessoa está, eu sei que marchand ou galeria que vendeu.

BT- Quantas e quais são as fases da sua obra?

Lair – As fases dependem um pouco das coisas que eu descubro ou redescubro, que é mais importante ainda. Por exemplo, uma vez, viajando para Machu Picchu, antes de chegar em Machu Picchu, num restaurante muito simples, eu vi umas papoulas no chão. Fotografei e quando eu era criança minha mãe disse que eu brincava com papoula. Essas papoulas ficaram registradas no meu álbum de viagem. Depois de cinco anos, revendo esse álbum, eu falei “Poxa, essa flor tão linda e eu desprezando”. Comecei a olhar com outros olhos para a papoula e a partir daí fui retomando, retomando, retomando, aí pesquisei a flor na África do Sul, na França, na Escócia, principalmente na Escócia, na região das highlands, que é um espetáculo essa questão das papoulas, também nos Estados Unidos, na Itália, na Califórnia, enfim a gente vai mergulhando, mergulhando, porque eu sinto que eu nasci pesquisadora, uma coisa que está dentro de mim, a pesquisa.

A papoula eu te contei o histórico. Agora, o abstrato. Uma vez, eu estava perante uma tela e falei “Hoje eu quero escrever uma carta de amor, mas abstrata”. Geralmente uma carta você vai escrevendo, no sentido ocidental, uma linha após a outra. Então eu fui pintando dessa maneira e descobri uma série que se chama “Horizonte”, porque a minha mãe, vendo as primeiras telas, disse que parecia quando a gente viaja. Aí eu pintei muitas telas nesse sentido. Hoje eu estou pintando o que eu chamo de patchwork. Eu sempre fui encantada com pedacinhos de coisas. É uma coisa de elaboração, de pesquisa, de textura, eu sou muito encantada com a textura das coisas. Tudo tem uma razão muito, muito forte pra eu fazer. Não faço por fazer.

BT- Qual a importância das viagens na sua obra?

Lair – Fundamental, porque quando você sai do seu locus, porque aqui no ateliê é muito forte para mim, no sentido de que eu me rodeio das coisas que eu gosto. Mas quando você sai desse ponto e vai para outro, principalmente quando é outra cultura, outra arquitetura, porque eu mergulho na questão da arquitetura. A questão geográfica, por exemplo, eu andei muito pelos Andes, sozinha, mulher, aproximadamente quarenta anos. Aquelas montanhas, aquele sol. Um círculo nunca mais foi uma figura geométrica. Se bem que só pelo fato de ser uma figura geométrica já é uma grande coisa, mas cada vez que eu via um círculo eu sentia o sol, porque eles expressam o sol de uma maneira muito particular. Então você sente o mundo de uma maneira tão forte quanto, mas diferenciado isso que é importante. E esse diferenciado passa por mim, filtra e eu expresso cada vez de uma maneira mais rica.

BT-A senhora recebeu prêmios no Brasil?

Lair – Recebi muitos prêmios (risos). Na época da faculdade eu ganhei o melhor prêmio do estado em pintura que era um concurso para jovens pintores. Com essa grana eu paguei um ano de faculdade, era um prêmio importante, pela Secretaria Estadual de Cultura. Eu recebi prêmios pelos melhores salões de artes plásticas do Estado de São Paulo, alguns salões três anos seguidos. Hoje eu não participo mais, deixo isso para os jovens, pra quem o prêmio tem algum significado. Hoje prêmio não tem significado para mim. O maior prêmio é as pessoas gostarem da minha pintura, terem em casa como uma coisa preciosa no sentido de que isso traga alegria para elas, ou traga paz, ou uma sensação boa, ou simplesmente por que é bonito, faz bem ou como colecionador, não importa a razão, a pessoa gosta e eu já fico feliz, esse é o meu maior prêmio.

BT-A senhora tem obras em museus?

Lair – Tenho. Em Piracicaba e Londrina

BT-Quais são os principais temas de sua obra?

Lair – Cana-de-açúcar é um tema importante. A nossa região tem muita cana-de-açúcar, se você pensar rodeando Jaú, por ali, e eu tenho pesquisado, creio eu, já faz duas décadas, a cana-de-açúcar. Eu sou muito encantada com a questão do canavial em si. Quando eu vejo de longe um canavial eu já fico encantada com o movimento das folhas, dependendo da hora do dia, a região é clara, bate sol, enfim o contraste daquela parte de cima que tem a ver com o verde e a parte de baixo que é a palha, tudo isso me encanta muito. Tanto é que aqui no meu quintal eu plantei umas dez canas, que é para eu pesquisar mais de perto os detalhes. Eu tenho desenvolvido esse trabalho em várias usinas, eu estou participando do AgriShow, a capa do “Jornal da Cana”, que acredito eu é o veículo que mais divulga essas questões da cana-de-açúcar, também é capa minha. Eu estou toda envolvida com essa questão do belo, de estética do canavial. É legal as pessoas verem como eu reapresento o canavial. Quem viaja pela região vai encontrar muito. Agora, eu pesquiso também outras coisas, até pela minha idade, 52 anos e 30 anos, pelo menos, que eu pinto, quase que diariamente. É uma coisa meio absurda o que eu já fiz (risos). Papoulas, desenvolvo o abstrato que não é bem um tema, mas uma linha de trabalho. Hoje eu estou muito encantada com a folha de bananeira. É o movimento, a transparência, a textura. No momento, a folha de bananeira. E a cana-de-açúcar. Se bem que eu faço tudo isso ao mesmo tempo, que eu sou gulosa, envolvente. Girassol, paisagens, florestas, já pesquisei mata atlântica, Amazonas. A idade é um negócio sério.

BT- É possível para um artista viver de arte aqui em Bauru?

Lair – Se ele realmente se dedicar, se ele não for uma pessoa muito louca. Isso é muito questionável. Às vezes, mil reais basta, para outro precisa de dez, outro cem. Essa coisa é questionável. Eu vivo tranqüilamente, mas porque eu trabalho.

BT- Quais são seus planos futuros?

Lair – O artista é uma pessoa que tem uma ligação direta com a parte afetiva também. O que me acontece enquanto ser humano reflete na questão da pintura. Eu posso dizer que, hoje, amanhã, depois, pelo menos nesses próximos dias eu vou pintar muito. Eu vou começar a pintar agora para uma clínica, porque eu também estudo a questão da cromoterapia, gosto de atender aos médicos nessa questão, de dirigir uma obra que realmente traga algum bem para as pessoas, então os próximos trabalhos serão direcionados para uma clínica. Eu vou estar, pelo menos em pensamento, com essa questão. O que eu vou fazer vai depender do meu dia e do meu sentido. E como essas coisa são muito integradas elas acontecem naturalmente. Se eu estou imbuída de uma questão e quero fazer, uma coisa que realmente as pessoas mergulhem, isso acontece. É uma questão muito complexa. Não é um toma lá dá cá, não é isso. É que o meu ser vai estar envolvido com essa questão, é muito diferente.

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