Mercado

Ataque global, defesa paroquial

De repente, os dirigentes dos países ricos vão-se dando conta de que, no mercado globalizado, a inflação se transformou em problema global sem solução global.

Em toda parte, o custo de vida vai sendo empurrado para cima em conseqüência da escalada dos preços dos alimentos, do petróleo e, por tabela, das commodities metálicas. Nos primeiros cinco meses do ano, as cotações do petróleo em Nova York avançaram 33%. E as das commodities agrícolas, medidas pelo Índice S&P GSCI, 29%.

Este assunto já foi comentado aqui outras duas vezes, mas é preciso voltar a ele porque a fruta está madurando. Os especialistas se enredaram em debates intermináveis sobre a natureza dessa alta. Houve quem identificasse aí novas bolhas especulativas; outros viram no movimento de preços uma espécie de compensação pela queda das cotações do dólar no mercado internacional, ou então, no caso dos alimentos, a ação do governo americano, que encorajou o desvio de milho subsidiado para produção de etanol.

A especulação existe, a baixa do dólar pode ter tido lá sua influência e não dá para negar que a utilização de milho para produção de álcool contribuiu para a alta. Mas nenhum desses fatores pode ser considerado explicação suficiente para o que está acontecendo. A disparada dos preços está relacionada com o forte aumento do consumo nos países do Leste Asiático, uma vez que, só na China, cerca de 400 milhões de pessoas foram incorporadas ao mercado de trabalho e de consumo nos últimos dez anos.

Trata-se, portanto, na sua origem, de uma inflação de demanda. Foi produzida por aumento do consumo não acompanhado pelo da oferta. O problema é que os bancos centrais não a percebem como inflação de demanda, mas como inflação de custos.

Nos países ricos, os preços da energia e dos alimentos são, regra geral, expurgados do núcleo de inflação, que serve de base para a definição dos juros. O pressuposto é o de que são preços definidos nas bolsas internacionais de mercadorias sobre os quais os juros não têm efeito prático. A própria China se sente incapacitada de combater a inflação por meio dos juros porque sua rede bancária está carunchada por bilhões de dólares em créditos podres e não resistiria a uma terapia desse tipo. Enfim, essa é uma situação em que não há quem se sinta responsável pela alta de preços.

Mesmo aqueles que tinham noção da importância do contra-ataque à inflação imaginavam que a recessão americana se espalharia para o resto do mundo e que a quebra da demanda seria suficiente para conter a alta das commodities. Depois se viu que nem a redução da atividade econômica foi tão importante nem houve significativa redução da demanda por commodities – aparentemente porque o crescimento dos países emergentes está compensando a retração dos ricos. Assim, a inflação continua produzindo estragos.

Os dirigentes dos países ricos não têm muita opção. Ou seus bancos centrais deixarão para trás a visão paroquial das coisas e contra-atacarão a inflação com a arma de que dispõem ou, então, o ajuste darwiniano do sistema produtivo se aprofundará até que a alta generalizada de preços contenha a demanda e, portanto, a fonte do atual desequilíbrio.

Sem surpresa – Prevaleceu o aumento dos juros de 0,5 ponto porcentual, para 12,25% ao ano. A Ata do Copom, a ser divulgada na próxima quinta-feira, deverá dar uma noção melhor do grau de preocupação com a deterioração das expectativas.

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