A energia está na base da civilização moderna e do cotidiano. A interrupção de seu fornecimento pode trazer diversos transtornos políticos, sociais e econômicos. Não por acaso, o consumo de energia tende a ser relacionado a indicadores de desenvolvimento socioeconômico e, comumente, países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) lideram o ranking de principais consumidores. Por isso, a transição energética se impõe como um desafio global.
Em O Novo Mapa, Daniel Yergin aborda essa questão em uma perspectiva histórica e evidencia que essas transformações no último século foram, na verdade, acréscimo de novas fontes de energia. Na contemporaneidade, estamos vivenciando uma mudança significativa e estima-se que por volta do ano de 2050 tenhamos uma nova configuração da matriz energética.
Eventos de grande tensão geopolítica – como os conflitos na Ucrânia e mais recentemente no Oriente Médio – mostram que os países precisarão lidar com a transição ao mesmo tempo em que se concentram no crescimento econômico, redução da pobreza, melhoria da saúde, disponibilidade e acesso a alimentos e, sobretudo, garantia de segurança energética. Então, ampliar e diversificar as fontes de energia, descentralizando a geração e democratizando o acesso, tornam-se essenciais.
Claro que é preciso reduzir a dependência de fontes fósseis, mas a transição deve ser gradual e com uma matriz múltipla. O processo de expansão das renováveis deve unir esforços por regulações transparentes, promovendo segurança jurídica e previsibilidade aos agentes e consequente fomento de investimentos para o setor. Os países já vêm adotando medidas para diversificar suas fontes de suprimento que, por sua vez, passam pela ampliação de renováveis em suas matrizes.
Nesse contexto, o Brasil se destaca globalmente pelo amplo uso de hidrelétricas, avanço em biocombustíveis e potencial solar e eólico. Ainda assim, há espaço para acelerar os esforços para aproveitar ainda mais os recursos renováveis, explorando suas especificidades e características regionais. Temos potencial para expandir no etanol, mercado que possuímos conhecimento há mais de 40 anos. Em biodiesel, a indústria está preparada para novos investimentos e atender à crescente demanda. No paralelo, há perspectivas de novos mercados com intensos debates sobre a estruturação e regulação de outros combustíveis de baixo carbono como biometano, SAF (combustível sustentável de aviação), HVO (diesel verde) e hidrogênio verde. Porém, são soluções que ainda carecem de regulação, infraestrutura, escala e maior competitividade.
O recém-lançado Plano Nacional de Transição Energética é um passo nesse sentido. Ele é parte da Política Nacional de Transição Energética, que busca reduzir as emissões de gases de efeito estufa em prol da sustentabilidade. O plano prevê articulações com medidas governamentais e, hoje, conta com o apoio da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), da Agência Internacional de Energia, do BNDES e da FGV.
Ações sincronizadas entre agentes, setor público e iniciativa privada serão essenciais para que o país chegue a R$2 trilhões de investimentos em 10 anos com a implementação de novos projetos em energia elétrica limpa e renovável, combustíveis sustentáveis de baixo carbono e mineração sustentável. Essa é a projeção inicial do Governo Federal com relação ao potencial de atração de recursos no processo de transição energética em uma década.
O Projeto “Combustível do Futuro” é um exemplo regulatório que tende a movimentar a economia ao mesmo tempo em que dá subsídios ao Brasil para atuar com mais intensidade na descarbonização, mobilidade sustentável e transição energética. O documento prevê o aumento da mistura do etanol à gasolina e do biodiesel ao diesel tradicional, a implementação do Programa Nacional do Diesel Verde, Bioquerosene de Aviação e de Incentivo ao Biometano, além da criação do marco legal de captura e estocagem geológica de dióxido de carbono.
É fundamental ações convergentes para a implementação de legislações sólidas e transparentes, suportadas pela ciência, que deem previsibilidade ao mercado e atraiam investimentos no processo de expansão de uma matriz energética múltipla e sustentável. Pensar a transição energética requer planejamento regulatório, diplomacia, força concentrada e apoio mútuo de diversos agentes para a construção de uma agenda pública que absorva nossas potencialidades e traga ao Brasil a oportunidade de liderar a agenda verde e ser um provedor de soluções e tecnologias globais.
Gabriel Rédua é head de Etanol do Grupo Delta Energia. Na empresa, atua no desenvolvimento e na implementação da estratégia em biocombustíveis, distribuição, logística e trading