Por Gonçalo Pereira*
Não é exagero afirmar que a civilização humana é resultado direto da hibridização. Tudo começa com os genes.
A vida, em essência, é uma forma de retardar a entropia universal, e sua principal característica é a autorreplicação.
Nesse contexto, a evolução adotou a genética como estratégia: as informações necessárias para a replicação estão armazenadas no DNA, cuja cópia não é perfeita, gerando pequenas mutações.
Esses “erros”, na realidade, são acertos, pois promovem diversidade. Assim, à medida que o ambiente muda – e ele sempre mudará devido às forças da entropia –, surgem combinações mais adaptadas que garantem a sobrevivência.
Acelerar o processo
Com o advento da civilização e o domínio humano sobre o planeta, tornou-se necessário acelerar esse processo natural.
O crescimento populacional exigia mais do que a geração espontânea de diversidade pela natureza; era preciso impulsionar a produtividade.
Para isso, combinamos histórias evolutivas: juntamos características bem-sucedidas para criar saltos de eficiência. O milho e o trigo são exemplos claros.
Seus ancestrais pouco lembram as variedades atuais que sustentam a humanidade, resultado do fenômeno chamado Vigor Híbrido, que permitiu a produção de alimentos em escala global.
Esse princípio não se aplica apenas à agricultura, mas também à indústria, incluindo os automóveis.
No início, motores elétricos
No início, os primeiros carros eram movidos por motores elétricos, alimentados por baterias rudimentares e ineficientes.
Paralelamente, motores a combustão passaram a dominar o setor devido à abundância e ao baixo custo de combustíveis fósseis, como gasolina e diesel.
Apesar de menos eficientes que os motores elétricos, os motores a combustão prevaleceram, moldando o rumo da indústria automotiva sem que se previssem os impactos geopolíticos e ambientais dessa escolha.
Com o passar do tempo, a relação entre combustíveis fósseis e o aquecimento global tornou-se inegável.
Em resposta, países avançados, especialmente em regiões temperadas com baixo potencial de produção de biomassa, decidiram eliminar os motores a combustão e adotar carros elétricos movidos a bateria.
Essa abordagem, no entanto, confunde dois processos distintos: o movimento das rodas e o armazenamento de energia. Embora os motores elétricos sejam inegavelmente mais eficientes para a locomoção, as baterias apresentam sérias limitações, como:
- Baixa densidade energética, sempre inferior à de combustíveis líquidos;
- Dependência de mineração, uma atividade extremamente danosa ao meio ambiente;
- Altas emissões de gases de efeito estufa durante sua produção.
Alternativa promissora
É aqui que os biocombustíveis oferecem uma alternativa promissora. Produzidos a partir de biomassa, eles funcionam como baterias solares naturais.
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Durante a fotossíntese, a energia solar liga os elétrons do hidrogênio da água ao CO2 atmosférico, formando glicose.
Essa glicose pode ser convertida em etanol, biodiesel, biometano ou biochar, entre outros. Diferentemente dos combustíveis fósseis, o CO2 emitido na combustão dos biocombustíveis pode ser capturado novamente, e há tecnologias emergentes que permitem o sequestro de parte desse CO2, promovendo um ciclo sustentável.
Curiosamente, quanto mais biocombustível for utilizado, mais CO2 poderá ser removido da atmosfera.
Inspirando-se nos sistemas biológicos, o futuro da mobilidade está na hibridização das soluções automotivas: combinar motores elétricos, altamente eficientes, com biocombustíveis de alta densidade energética para o armazenamento.
Além disso, as biorefinarias, responsáveis pela produção desses combustíveis, geram empregos, impulsionam a educação e promovem o desenvolvimento em áreas rurais, ao mesmo tempo em que recuperam ecossistemas degradados e aumentam a produção de alimentos.
No Brasil, isso já pode ser observado com a produção de etanol de milho e com o potencial de novas biomassas, como Agave e Macaúba.
No campo da engenharia automotiva, o Brasil também dá o exemplo com o Carro Flex, um sistema que já está sendo adotado em modelos Híbridos Flex anunciados por diversas montadoras.
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Essa solução não só atende às demandas internas, como tem potencial para ser exportada, incentivando a produção de biocombustíveis em países tropicais e contribuindo para um futuro mais sustentável.
Por fim, o avanço tecnológico pode nos levar ao uso de células de combustível SOFC, que convertem biocombustíveis diretamente em eletricidade com alta eficiência, replicando de forma admirável os princípios da fotossíntese.
Esse pode ser o estágio final da mobilidade, unindo bilhões de anos de evolução biológica com a inovação da engenharia humana.
É para que a Civilização deverá caminhar e o Brasil, que já tem na sua população a grande referência híbrida da humanidade, tem o compromisso de mostrar o caminho.
*Professor titular na Unicamp