NETs: o futuro econômico e ambiental da bioenergia brasileira

Artigo exclusivo para a edição 359 do JornalCana

O setor sucroenergético brasileiro, há muito tempo na linha de frente da transição energética global, se depara agora com a próxima grande fronteira e oportunidade: as Tecnologias de Emissão Negativa (NETs).

Mais do que apenas reduzir emissões, essas tecnologias oferecem a promessa de remover CO₂ da atmosfera, abrindo um novo e rentável capítulo para a bioenergia. Podem gerar renda extra a cadeia produtiva de bioenergia.

A questão central, no entanto, é como transformar essa promessa tecnológica em uma realidade economicamente viável.

Para o produtor e gestores no setor, a jornada para a adoção das NETs começa com o entendimento das suas bases e do arcabouço econômico e regulatório que as viabilizará.

O que são e como funcionam as NETs na prática?

As tecnologias mais promissoras são a Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono (BECCS) e a aplicação de biochar. O funcionamento é, em essência, um ciclo virtuoso.

A cana-de-açúcar, durante seu crescimento, sequestra CO₂ da atmosfera. Ao ser processada, o carbono é liberado, mas é neste ponto que as NETs entram em ação.

No caso da BECCS, o CO₂ liberado na fermentação do mosto para a produção de etanol, ou na combustão do bagaço para a geração de bioeletricidade, é capturado e, em seguida, armazenado de forma permanente em reservatórios geológicos subterrâneos.

A soma do CO₂ capturado pela planta e o carbono que seria emitido, mas é capturado e estocado, resulta em um saldo de emissões negativo.

A aplicação de biochar atua de forma diferente, mas com o mesmo objetivo.

O biochar, um material rico em carbono produzido a partir da pirólise de resíduos agrícolas como o bagaço e a palha, é aplicado nos campos.

Ele estabiliza o carbono no solo por longos períodos, efetivamente sequestrando-o da atmosfera e, de quebra, melhorando a saúde do solo.

Um estudo publicado em 2025 na ScienceDirect, examinou o impacto dessas estratégias.

Os resultados mostram o enorme potencial das NETs para reduzir a intensidade de carbono (IC) do etanol. Enquanto a IC média do etanol hidratado é de 32,8 g CO₂e/MJ, a aplicação de biochar a 1,0 t/ha pode reduzi-la para 15,9 g CO₂e/MJ.

Mais impressionante, a captura de carbono da combustão do bagaço para bioeletricidade pode gerar uma IC negativa de -81,3 g CO₂e/MJ. Esses números não são apenas teóricos; eles apontam para uma nova e poderosa frente de receita e competitividade para as usinas.

A questão da certificação e da regulamentação

A questão da certificação e da regulamentação

Uma das principais dúvidas do setor é: quem certificará e regulará as NETs?

A resposta é complexa, pois não há um órgão único definido. Embora a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) seja a agência reguladora dos biocombustíveis, sua atribuição atual não abrange a certificação da remoção de carbono.

É mais provável que a responsabilidade recaia sobre o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), em coordenação com o Ministério de Minas e Energia (MME).

O processo de certificação, de forma geral, deverá seguir um modelo similar ao de outros mercados de carbono, com validação e verificação por auditores terceirizados credenciados, seguindo protocolos internacionais como os da Verra e Gold Standard, adaptados à realidade brasileira.

O estudo da ScienceDirect reforça a urgência de um ambiente regulatório claro. Sem metodologias robustas e transparentes para a mensuração e certificação do carbono removido, o setor não terá a segurança necessária para realizar os investimentos bilionários em NETs.

O RenovaBio: um ponto de partida?

O RenovaBio: um ponto de partida?

Em um mercado, avaliado globalmente, de captura de carbono e seqüestro (CCS) foi avaliado em US $ 3,54 bilhões em 2024. O mercado deve crescer de US $ 4,51 bilhões em 2025 para US $ 14,51 bilhões em 2032. É importante começar em algum lugar.

RenovaBio criou um mercado de descarbonização (CBIOs) que remunera a eficiência ambiental. A pergunta que todos fazem é: ele serve para ancorar as NETs? A resposta é: ele é um alicerce fundamental, mas não é o destino.

O RenovaBio, em sua configuração atual, remunera a redução de emissões, não a remoção.

Para que as NETs se tornem economicamente viáveis, precisamos de um novo tipo de crédito, um que monetize o carbono removido e estocado. O estudo aponta que, mesmo com os CBIOs, o preço de mercado provavelmente não será suficiente para financiar os altos custos de implementação de tecnologias como a BECCS.

É aqui que a visão do economista se faz necessária. A implementação de NETs exige uma combinação de instrumentos.

Além do RenovaBio, é crucial desenvolver o mercado voluntário de carbono (VCM) no Brasil, permitindo que as usinas vendam seus créditos de remoção de carbono para empresas de outros setores que buscam compensar suas emissões. Além disso, a criação de políticas específicas de incentivo para as NETs, como subsídios, financiamentos de baixo custo e benefícios fiscais, pode ser o catalisador que o setor precisa.

O setor sucroenergético brasileiro tem uma oportunidade histórica. As NETs não são apenas uma ferramenta para mitigar o clima; são um ativo econômico poderoso. O primeiro passo é entender que a tecnologia já está aqui. O segundo é moldar o mercado para que a economia acompanhe a ambição ambiental. A bioenergia brasileira já é a mais limpa do mundo. Com as NETs, ela se tornará mais sustentável.