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Mudanças climáticas: Brasil pode ser mais que a solução global, pode ser o protagonista da transformação 

"É chegada a hora de promover essa tão alardeada transição energética", escreve Mônika Bergamaschi

Mudanças climáticas: Brasil pode ser mais que a solução global, pode ser o protagonista da transformação 

Artigo exclusivo publicado na edição 358 da revista do JornalCana

É consenso global a necessidade de descarbonizar as atividades humanas. Secas mais intensas, enchentes, aumento do nível do mar e eventos extremos vêm pressionando governos, empresas e toda a sociedade a reduzir rapidamente as emissões de gases de efeito estufa.  

Neste contexto, o Brasil emerge com uma vantagem estratégica: possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, e tem condições reais de se tornar líder global em energia limpa e sustentável.  

É chegada a hora de promover essa tão alardeada transição energética.  

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que a transição energética é um dos pilares para limitar o aquecimento global a 1,5 °C até o final do século.  

De acordo com o Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a matriz energética total do Brasil tem 47,4% de participação de fontes renováveis, contra cerca de 15% na média global, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA).  

Na matriz elétrica (geração de eletricidade), 87% provêm de fontes renováveis, sendo 56% de hidrelétricas, 12,7% de eólica, 5,6% de solar fotovoltaica e 8,4% de biomassa

O Brasil tem motivos de sobra para se orgulhar de sua matriz energética, mas tem potencial para fazer dessa vantagem um ativo estratégico global.  

E, mais do que isso, pode liderar esse processo com soluções sustentáveis, inclusivas e escaláveis.  

Desafios e Barreiras

É preciso superar barreiras 

Mas é preciso superar barreiras importantes para transformar esse protagonismo em liderança efetiva e duradoura, como: infraestrutura e logística defasadas, que prejudicam o escoamento da energia gerada em regiões remotas, pela limitação da rede de transmissão; financiamento caro e dificuldade de acesso ao crédito; ausência de políticas públicas estáveis e de marcos regulatórios que incentivem investimentos de longo prazo em energia limpa, inovação e descarbonização da indústria e do agronegócio de modo geral. 

Nesta esteira, a realização da COP30 em Belém, em novembro, poderá ser uma ocasião estratégica para o Brasil demonstrar, com base em dados e resultados mensuráveis, sua capacidade técnica para capitanear esforços rumo à transição energética. 

A energia proveniente de biomassa, por ser uma tecnologia madura e com forte base científica nacional, poderá ser apresentada como solução replicável em países tropicais e agrícolas, inclusive na forma de parcerias em ciência, tecnologia e inovação.  

Um exemplo emblemático e consolidado da aplicação da biomassa no Brasil é a mistura obrigatória de etanol anidro à gasolina.  

Essa política, vigente há décadas, mostra como a biomassa pode reduzir emissões, gerar renda e promover segurança energética ao mesmo tempo.  

O Papel do Etanol

Etanol é considerado carbono neutro 

Segundo a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), o uso do etanol evita a emissão de cerca de 500 milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano, considerando a frota brasileira de veículos leves.  

Além disso, essa mistura melhora a octanagem da gasolina, reduz a necessidade de aditivos químicos e fortalece a indústria nacional, com geração de empregos diretos e indiretos em todo o país.  

Do ponto de vista científico, o etanol é considerado carbono neutro, já que o CO₂ emitido na sua combustão é reabsorvido no ciclo da cana-de-açúcar. 

Este modelo poderia inspirar políticas para outros segmentos da biomassa, como o biogás, o bioquerosene de aviação e os biocombustíveis avançados para transporte pesado e industrial. 

A COP30 e o Futuro Energético do Brasil

A COP30 não é a COP do Brasil e nem a COP da Floresta. É a Conferência do Clima que acontecerá no Brasil e na floresta, e seu sucesso dependerá da capacidade brasileira de entregar valor real aos observadores internacionais, e não apenas um discurso ufanista.   

Será o momento de mostrar ao mundo o modelo energético brasileiro, limpo; graças aos compromissos ambiciosos de descarbonização que já os brasileiros, principalmente do setor privado, assumiram há décadas.  

A expectativa agora é a de atrair recursos internacionais para investimentos em pesquisa & inovação, infraestrutura, e posicionar o país como referência climática e energética global. Mostrar transparência e exigir, no mínimo, respeito e reciprocidade no que tange a responsabilidade ambiental.  

O sucesso da COP30 será um marco, mas também um teste: o mundo observará não apenas o discurso, mas a capacidade de ação do Brasil.  

Com visão de longo prazo, inovação, integração regional e compromisso com o clima, o país pode não apenas fazer parte da solução global, mas pode ser o protagonista da transformação. 

Monika Bergamaschi

Presidente do Conselho da Associação Brasileira do Agronegócio da Região de Ribeirão Preto (ABAG/RP)

Presidente do Conselho da Associação Brasileira do Agronegócio da Região de Ribeirão Preto (ABAG/RP)