Desafios crescentes na esfera internacional

Artigo exclusivo para a edição 359 do JornalCana

O ano de 2025 será lembrado como aquele em que os EUA iniciaram uma trajetória de difícil reversão. A crise americana vai além de Trump e tem sido construída ao longo dos últimos anos.

Os EUA optaram por diminuir investimentos em ciência, tecnologia e educação, afugentar imigrantes, inclusive qualificados, desajustar de forma perigosa as políticas monetária e fiscal e no meio disso tudo Trump foi eleito para acelerar esse processo de aumento de desconfiança do mundo em relação aos americanos. 

Mas certamente o mais grave de toda a crise americana recente passa pelo fiscal. Muitas vezes, as pessoas ficam com a impressão de que o fiscal é um mero fetiche de economistas, mas interessante observar que no país mais risco do mundo os mercados começam a desconfiar da capacidade de se fazer um ajuste fiscal efetivo e as consequências disso para os americanos e o mundo. 

Dificuldades no Ajuste Fiscal dos EUA

Diferentemente de outros momentos na história, os EUA vão ter dificuldades de fazer o ajuste fiscal necessário. Sua dívida pública se encontra em 100% do PIB, níveis historicamente elevados para país sem guerra e deve chegar a mais de 130% em dez anos.

O pacote fiscal de Trump piora o cenário fiscal ainda mais. Para se fazer uma consolidação fiscal, ou seja, uma queda duradoura da dívida pública, há dois caminhos: crescimento econômico e não ter polarização política. Isso é resultado de pesquisas feitas por Barry Eichengreen que mostrou que países que conseguiram baixar suas dívidas consistentemente tinham essas duas características.

Crescer não é simples e não será no tamanho do crescimento que se viu no pós-segunda guerra mundial. Além disso, os EUA são um país em que há polarização na sociedade e no Congresso. Como o ajuste essencialmente depende de aumento de impostos, já que os gastos americanos já são enxutos, teria que haver uma enorme vontade política para que isso acontecesse. Mas certamente não é o caso.

Além disso, Trump tem atacado o Fed tentando trocar membros que decidem sobre a taxa de juros, tentando forçar juros mais baixos.  

A consequência dessa grande falta de entendimento sobre política fiscal e monetária tem já causado estragos nos mercados e não é difícil vermos a ideia de uma dominância fiscal nos EUA acontecer.

Os mercados já sinalizam preocupação com taxas de juros longas elevadas, expectativa de inflação crescente e depreciação da taxa de câmbio. Comportamento parecido com um mercado emergente padrão, como o Brasil. 

Ou EUA perigosamente deixam de ser o benchmark histórico do mercado financeiro. O que entra no lugar? E aqui temos mais riscos, pois nem China nem Europa surgem como padrão ouro futuro do mercado financeiro. 

Cenário Global e a Posição da China e Europa

A Europa está às voltas com uma guerra na Ucrânia e um situação fiscal também muito ruim, especialmente na França e no Reino Unido. Os europeus terão que aumentar os gastos com defesa, sem estar muito claro como vão financiar isso.

O déficit público certamente continuará crescendo. A China se coloca como contraponto dos americanos, mas será uma potência regional com vínculos fortes com países com tendências autoritárias.

Mas pior do que isso, o cenário fiscal chinês também é de enorme desafio com uma população decrescente e uma forte dependências das exportações para crescer. Os chineses não conseguiram aumentar a participação do consumo em seu PIB e dependerá crescentemente do mundo para continuar crescendo. Sem ter ainda virado um país de PIB per capita elevado (apesar do PIB total alto), ficará a dúvida sobre as demandas sociais de um país que ainda terá um padrão de renda de país emergente. 

Esse mundo fragmentado traz dúvidas. O mundo do século XIX era liderado por um Reino Unido pró-mercado e crescentemente pró-liberdades individuais e democracia, da mesma forma que os EUA do século XX.

Essa homogenia de valores e regras foi essencial para o mundo e para a expansão das cadeias globais de valor. Como será um mundo fragmentado com regras diferentes pelos dois polos de domínio (EUA e China)? 

O Brasil, pelo seu histórico diplomático e de não alinhamento explícito com nenhuma parte, terá que ser cauteloso. Estamos em uma parte do mundo em que não há conflitos políticos graves de fronteira, ninguém quer nos invadir, não há risco nuclear.

É como se, num mundo que piorou muito, o Brasil estivesse nivelado com outros países. Temos dificuldades que não são diferentes de outros lugares. E temos quatro ativos em intensidade como nenhum outro lugar: agropecuária, mineração, petróleo e gás natural e terras raras. Se seguirmos com reformas importantes, especialmente a fiscal em 2027, teremos espaço para avançar de forma mais sustentável nos próximos anos.  

Desafios e Oportunidades para o Brasil

Isso nos traz aos desafios de como lidar com um mundo em que a questão climática também surge como problema grave. O Brasil tem matrizes energética e elétrica limpas e demandará mais investimentos nesse sentido nos próximos anos.

O carro elétrico surge como uma opção que começa a ficar presente em vários países do mundo e com custos em queda. Será difícil o Ocidente concorrer com os carros elétricos de US$ 10 mil que caminham para vir da China.

O Brasil tem uma proteção na Frente Parlamentar do Agronegócio para manter o motor híbrido como a alternativa majoritária, mas não será fácil enfrentar essa disputa com os chineses. Nesse mundo crescentemente fragmentado, mas em que a China terá crescente presença no Brasil, isso será um desafio importante para o setor de etanol no Brasil.