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Brasil, um país que sabe usar a biomassa para a produção de energia limpa, mas não para a geração de energia elétrica

Por Luiz Otávio Koblitz

Brasil, um país que sabe usar a biomassa para a produção de energia limpa, mas não para a geração de energia elétrica

O Brasil é o melhor país do mundo para a agricultura. Sabemos disso há muitos anos, desde Pero Vaz de Caminha, que escreveu: “Em se plantando, tudo dá.” No entanto, sempre houve a pergunta: como isso é possível, se no mapa-múndi, abaixo do paralelo 15°S, existem quatro desertos? O Outback na Austrália, o Namíbia e Kalahari na África e o Atacama no Chile. Ou seja, de Cuiabá para o sul, o Brasil também deveria ser um deserto!
Em 1979, o professor da ESALQ de Piracicaba, Enéas Salati, publicou um artigo explicando e criando o conceito dos “Rios Voadores”. Graças à Cordilheira dos Andes, com 5.000 m de altura, as nuvens de até 2.500 m, que chegam sempre pela costa leste devido ao movimento de rotação da Terra, não conseguem atravessar para o Oceano Pacífico, retornando pelo interior do continente sul americano e voltando ao Oceano Atlântico entre o Espírito Santo e Buenos Aires.

Durante esse trajeto, o ciclo se repete de 6 a 8 vezes, nuvens que chovem; parte da água é absorvida pelas árvores da floresta, que transpiram e formam novas nuvens.
Em 2023, o Brasil produziu energia a partir de diversas fontes, como indicado nos gráficos abaixo. À esquerda, vemos a produção de energia elétrica, medida em TWh, e, à direita, a produção de energia total, medida em Toneladas Equivalentes de Petróleo (tep).

No gráfico da esquerda, de energia elétrica, o Brasil gerou 723,2 TWh em 2023. Considerando
apenas as fontes que não emitem GEE, temos: hidrelétrica 61%, eólica 13,2%, biomassa 8%, solar 7% e nuclear 2%, totalizando 91,2%.
No gráfico da direita, que representa a energia total, foram 313,9 milhões de tep. Os 723,2 TWh de energia elétrica equivalem a 62,19 milhões de tep, ou 19,8% do total. Considerando apenas as fontes não emissoras de GEE, temos: derivados de cana-de-açúcar 16,9%, hidrelétrica 12,1%, lenha e carvão vegetal 8,6%, outras biomassas 7,2%, eólica 2,6%, solar 1,7% e nuclear 1,2%, totalizando 50,3%.

Somente a biomassa corresponde a 32,7%. A biomassa sozinha é responsável por 65% da
energia não emissora de GEE do total no Brasil, além de sequestrar carbono e contribuir para o fenômeno dos rios voadores sobre outras regiões. As hidrelétricas 24%.

O setor sucroenergético, sozinho, é 40% maior que todas as hidrelétricas do Brasil.

Se considerarmos toda a biomassa, passa a ser 270% maior que todas as hidrelétricas. Na produção total de energia, o Brasil não emite GEE em 50,3% do que consome, enquanto a OCDE não emite em 16%, e o mundo não emite em 15%.

Infelizmente, os outros países do mundo não possuem a mesma força em biomassa que o Brasil.

Somos 335% melhores do que o mundo, graças a biomassa e hidrelétrica.
Na produção de energia elétrica, a biomassa responde por 8,8% da parcela não emissora.

Já na energia total, ela representa 32,7% da parcela não emissora.

Por que esse 8,8% é tão pequeno?

Das fontes que geraram energia elétrica em 2023, observamos que as fontes intermitentes, eólica e solar, juntas geraram 20,2%, enquanto a biomassa gerou 8%.

A diferença é de 250% a favor das fontes intermitentes em relação à biomassa.

Vamos entender o que está ocorrendo.

  1. Atributos das fontes:
    a) Biomassa: Gera energia elétrica de forma contínua; despachável; distribuída, alimentando as redes das distribuidoras; com reativos (KVAr) para regular a tensão na rede elétrica; possui inércia para melhor regulação de frequência; sua origem, como cana-de-açúcar ou madeira, sequestra carbono da atmosfera e presta serviços ambientais sobre outras regiões por meio dos rios voadores; tudo é fabricado no Brasil. Trata-se de uma “Fonte Estruturante do SIN” (Sistema Interligado Nacional).
    b) Solar e eólica: Geram energia elétrica de forma intermitente; não são despacháveis; a maior parte é concentrada, necessitando da rede básica; não regulam a tensão da rede elétrica; não têm inércia; na fabricação, especialmente a solar, a pegada ambiental é alta, pois o silício das placas é produzido em um processo eletrointensivo na China, onde 75% das fontes emitem GEE, sendo 50% a carvão; impactam negativamente o bioma Caatinga, no semiárido nordestino, com desmatamento e emissões de GEE para a instalação dos equipamentos; a maior parte da planta solar é importada, e das eólicas, cerca de 40%. Por serem intermitentes, são complementadas com moto-geradores em ciclo aberto usando óleo combustível/diesel ou gás natural, com baixa eficiência para poder atender ao requisito de partida rápida, emitindo quase o dobro de um ciclo combinado a gás natural.
    Essas duas fontes, portanto, desestruturam o SIN.

Considerando o exposto, precisamos entender os motivos.

A biomassa precisa de R$ 350/MWh, enquanto as fontes intermitentes, de R$ 180/MWh. Porém, o custo dos Serviços Ancilares para atender todas as necessidades descritas está acima de R$ 200/MWh e tende a aumentar, já que o Ministério anunciou a instalação de baterias nas subestações da rede básica.

Esse custo é pago pelos consumidores que não estão no Mercado Livre. Além disso, as hidrelétricas oferecem serviços ancilares, como ajuste de rampas diárias, que ainda não existe remuneração aos proprietários das mesmas.

Ou seja, os R$ 180/MWh das fontes intermitentes é um preço irreal, causando injustiças
aos consumidores do mercado regulado e às outras fontes, inclusive à biomassa e PCHs, além de comprometer a confiabilidade do SIN, como vimos no apagão de 15/08/2023.

Não estamos estocando o carbono que a biomassa poderia estocar e nem fazendo serviço ambiental com os rios voadores.
Especificamente, o setor sucroenergético gera energia de forma sazonal, de abril a novembro, mas de maneira contínua, não intermitente, ou seja, durante 7 a 8 meses.

A cana-de-açúcar só é colhida no período seco, quando a sacarose aumenta, coincidindo com o período seco dos reservatórios das hidrelétricas.

Esse setor é um “sazonal do bem”, pois aumenta virtualmente em cerca de 11% os reservatórios das hidrelétricas. Se aumentarmos a energia gerada pelo setor sucroenergético,
esses 11% poderia ser ainda maior.

Já as fontes intermitentes, eólica e solar, tendem a deplecionar esses mesmos reservatórios, dada a necessidade de rampas diárias para suprir a demanda quando o sol se põe.

Na ativação da turbina hidráulica, há todo um procedimento, partir a máquina, colocar
na rotação correta, sincronizar o gerador, aumentar aos poucos a carga até a sua potência máxima, nas cargas parciais a máquina fica ineficiente aumentando o consumo de água por MWh gerado.

O mesmo acontece quando vamos desativa-la.

Esse procedimento acontece todos os dias, para funcionar em média apenas seis horas, logo esse serviço ancilar vai contra o reservatório.
Lembramos que a Lei nº 9.074/1995, que regulamentou a abertura do mercado, prevê, em seu Artigo 15, §5º: “Art. 15. Respeitados os contratos de fornecimento vigentes, a prorrogação das atuais e as novas concessões serão feitas sem exclusividade de fornecimento de energia elétrica a consumidores com carga igual ou maior que 10.000 kW, atendidos em tensão igual ou superior a 69 kV, que podem optar por contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com produtor independente de energia elétrica. (…).

§ 5º O exercício da opção pelo consumidor não poderá resultar em aumento tarifário
para os consumidores remanescentes da concessionária de serviços públicos de energia elétrica que haja perdido mercado.”


Dessa forma, está claro que a finalidade da Lei não está sendo respeitada, pois os custos indiretos estão aumentando as contas dos consumidores remanescentes.

À luz do exposto, minha sugestão ao MME é que promova leilões para aumentar a compra de energia elétrica das outras duas renováveis, biomassa e PCH.

Pois além delas serem mais baratas, estruturam o SIN e evitam novas redes básicas, pois são distribuídas.

No caso da biomassa, ainda estoca carbono e funciona prestando serviço ambiental sobre outras regiões. Além de diminuirmos a queima de combustíveis fósseis em máquinas de baixa eficiência para complementar parte da intermitência.

O benefício de 4,3 % que as fontes solar e eólica trouxeram sobre os 50,3% da energia
total não emissora de GEE no Brasil em 2023, uma boa parte é anulado pela queima de combustível fóssil.