Tanto no jornalismo escrito como no falado, talvez a frase acima, seja a que mais aparece quando se fala do Setor Elétrico Brasileiro. Como isso é possível?
As duas fontes que mais cresceram nos últimos anos foram a eólica, e mais recentemente a solar, que em 2017 estava com 1,2 GW e em fevereiro de 2024 com 39,6 GW funcionando. Um aumento em 6 anos e 2 meses de 3.300%. São fontes intermitentes, ou seja, não funcionam continuamente, apesar do consumidor consumir continuamente, além de tecnicamente não atenderem a uma série de requisitos necessários ao bom funcionamento e confiabilidade do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Falta a elas: a produção de energia reativa (KVAr), que regula a tensão, a falta de inercia para melhor regulação da frequência, além da energia ativa (KW), para cobrir a intermitência. Ou seja, essas duas fontes precisam ser complementadas por outras fontes. Esse complemento, chama-se de Serviço Ancilar.
1- Produção de Energia Reativa (KVAr) para regulação de tensão.
No Brasil, a chamada Rede Básica, são as linhas de transmissão iguais ou acima de 230 KV. As de tensão inferior são de responsabilidade das distribuidoras de energia, com custo já incluído na conta. Sempre que há necessidade de ampliação da rede básica, o Ministério de Minas e Energia (MME), promove o Leilão de Transmissão (LT), como o que aconteceu na Bolsa de Valores de São
Paulo em março de 2024, tendo sido arrematados os 15 lotes propostos.
O empreendedor que vence o certame em um ou mais lotes, fica com a responsabilidade de tudo construir com recursos próprios, porém será remunerado anualmente, durante 30 anos pela receita que deu o lance no leilão, reajustada a cada ano pela inflação, para pagar os investimentos, a O&M da LT e respectivas subestações (SE) além do seu lucro. Essa parcela é chamada de Receita Anual Permitida (RAP).
Este pagamento anual vai para todos os consumidores através da TUST, Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão. O que está correto, pois a Rede Básica atende todo o Sistema Elétrico Interligado do Brasil.
Acontece que nos últimos 3 ou 4 anos. Em alguns lotes do leilão, estão solicitando além da Linha de Transmissão e subestações, um enorme equipamento girante, chamado de Compensador Síncrono, que tem como função principal regular a tensão, injetando potência reativa (KVAr) na rede básica quando a tensão cai, ou engolindo KVAr quando a tensão sobe. Este equipamento é acoplado a um grande transformador na mesma tensão da rede básica. Logo, além do Compensador Síncrono, temos esse transformador. Esse equipamento também fornece uma outra vantagem, a inercia, para cobertura parcial desta deficiência das fontes intermitentes. Porém há mais um custo, por serem máquinas elétricas, perdem energia ativa KW, perdas no ferro, no cobre e ventilação, na razão de 4% da potência em KVAr. Exemplo, um compensador/transformador de 300 MVAr, perde continuamente 12 MW, aumentando as perdas do sistema, e quem paga essa conta é, novamente, o consumidor.
Essa nova conta adicional incorporada à TUST, que é enorme, diferentemente da LT e SE, dos tradicionais leilões, não deveria parar na conta do consumidor, mas só e somente só na conta de quem deu origem a essa necessidade, as duas fontes intermitentes, solar e eólica. Essa inclusão aumenta a TUST, que hoje também é paga pelo consumidor, nas LTs que foram solicitados esses compensadores.
2- Produção de Energia Ativa (KW) para cobertura da intermitência.
Fonte intermitente é aquela que diariamente aumenta e diminui, indo inclusive para geração zero.
Porém o consumidor não é assim. Para cobrir esta geração errática, existe instalado no Nordeste cerca de 5.000 MW de geração à diesel, sendo que quase a totalidade termina o contrato de 15 anos nos próximos 3 anos. O leilão de capacidade foi previsto para agosto deste ano existe por isso, e ainda para fazer crescer os 5.000 MW, pois as fontes intermitentes estão crescendo. Hoje quando o sol vai se pondo, se faz necessário incrementar uma rampa de 30/40 GW com outras fontes, para substituir a solar. As fontes complementares atuais, que emitem gases de efeito estufa, foram compradas há 12/13 anos atrás, como sendo alternativa à ponta, porém o nome correto deveria ter sido, “Alternativa a Intermitência”. Sendo assim, as fontes solar e eólica, portanto, são renováveis “Pero No Mucho”!
A conta da parcela fixa, bem como a compra do combustível diesel ou óleo combustível, vai toda para o consumidor, como se o sistema estivesse necessitando, porém os únicos responsáveis por essa geração de energia ativa (KW), são as duas fontes intermitentes, eólica e solar, não há outro motivo. Operam com baixa eficiência por estarem em ciclo aberto, para atenderem o requisito de partida rápida, tendo quase o dobro de emissão de GEE do que um ciclo combinado a gás natural.
Logo, por que essa despesa também vai para os outros consumidores através da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE)?
Considerando que os dois serviços ancilares acima explicados, são de única responsabilidade das fontes solar e eólica, e que hoje estão sendo pagos pelos consumidores, é urgente que se corrija esse erro e faça os geradores destas duas fontes pagarem. Atualmente essas duas fontes vendem energia no mercado livre para consumidores de médio e grande porte por cerca de R$ 170,00/MWh.
Considerando que os Serviços Ancilares acima, custam pelo menos R$ 200,00/MWh, na verdade esses consumidores do ACL, estão sendo subsidiados por todos os outros consumidores em mais de R$ 200,00/MWh, ou seja, no ACL a energia custa menos da metade do custo real!
Não dá para conviver com duas grandes injustiças:
A) A primeira, é entregar uma conta de serviços ancilares para os consumidores de 80% da energia do SIN, de pelo menos R$ 40 bilhões/ano, que serviu apenas para os outros consumidores de 20% da energia do SIN, poderem receber energia das fontes solar e eólica a preços menores que a metade do custo real.
B) A segunda é que as fontes renováveis, hidráulica e biomassa têm dificuldade em atuar no ACL, devido ao baixo preço “fictício” praticado pelas fontes solar e eólica, quando na verdade o preço real é maior que o dobro do praticado.
Em 15 de agosto de 2023 houve um apagão. Quando saiu o relatório do ONS de mais de 600 páginas no início de outubro/2023, concluiu-se que o motivo foi o afundamento da tensão e que as fontes, solar e eólica não entregaram o que prometeram, motivando queda de tensão e consequente perda da seletividade das proteções. Entendemos que já sabiam que estávamos pouco confiáveis no SIN daí a introdução dos compensadores síncronos nas RAP nos últimos três anos.
Analisando os últimos dez anos, de 2013 à 2023, período que o consumo de energia elétrica no SIN cresceu 27,5%, tivemos os seguintes crescimentos de RAP já considerando a inflação de 79,7% no período, ou seja, multiplicando os números de 2013 por 1,797: RAP de 2013 = R$ 21,2 bilhões, de 2023 = R$ 39,6 bilhões. Crescimento de 86,8%!
Já a CDE vem fornecendo energia ativa há mais de 10 anos, logo é preciso melhor analisar para separar a parcela que se credita a este serviço ancilar. Avaliamos em cerca de R$ 10 bilhões/ano. Atualmente toda a CDE está em R$ 33,7 bilhões.
Energia em 10 anos cresceu 27,5%, RAP 86,8% e estimativa da parte CDE para serviço ancilar de R$ 10 bilhões. (algo de muito errado está acontecendo no setor elétrico, que age como se o Brasil não tivesse as outras duas fontes renováveis)
A energia é barata para 20% da energia consumida do SIN, onde seguramente deve representar apenas uns 0,04% dos consumidores, pois estes são grandes e não pagam os serviços ancilares que a energia que compram precisa.
A conta é cara, pois os 99,96% dos consumidores, basicamente baixa e média tensão, assumem indevidamente os Serviços Ancilares dos outros 0,04%.
Consumidor brasileiro subsidiando outro consumidor brasileiro, está errado, agora, fazer um plano de exportação de hidrogênio para países estrangeiros subsidiado pela maior parte dos consumidores brasileiros, é erradíssimo!
O Brasil precisa retomar o seu protagonismo como principal agente na transição energética do mundo. Simplesmente por ter recursos invejáveis em abundância. Em 2022 o percentual de energia elétrica gerada não emissora de GEE foi (inclui nuclear): Brasil 90%, OCDE 48,5%, Mundo 38,4%.
Já a energia como um todo: Brasil 47,8%, OCDE 15,8%, Mundo 15,4%. Emitir 3 vezes menos que OCDE e/ou o Mundo, não foi obra de grandes tecnologias, ou bola de cristal, e sim obra dos nossos recursos naturais, fizemos por ser mais barato, e por sorte nossa, mais confiável. (obs: os dados de 2023 da OCDE e do Mundo, ainda não estão consolidados).
A China tem proporcionalmente ao Brasil, 14% a mais de eólica/solar. Gera mais do que o Brasil 13 vezes, e emite 27,1% do GEE do mundo, o Brasil 3%. Desses 3%, apenas 18% são a energia como um todo (sendo dos 18% apenas 0,36% de geração de energia elétrica), os outros são: 48% da mudança do uso da terra, 27% da Agropecuária, 4% do lixo urbano, 3% processos industriais.
Já a geração a carvão chinesa representa 50% de toda energia elétrica lá, além de outras fontes fósseis como o gás natural que juntas geram outros 20%. Logo, só 30% é renovável, graças sobretudo as hidrelétricas. Quando as fontes intermitentes geram, eles diminuem essa geração a carvão, e quando as fontes intermitentes diminuem, aumentam o carvão. Já tinham o “serviço ancilar” instalado, que bom! Além de nada investir, ainda economizam carvão, e por consequência diminuem emissões de GEE. E é claro, são os maiores fabricantes do mundo dos equipamentos solar/eólico, não importam nada.
As usinas a carvão já não podem mais fazer o serviço ancilar, pois ao diminuírem muito a carga, abaixo de 60%, ficam antieconômicas, além de diminuírem a vida útil das turbinas a vapor. Desde o início de 2023 na China, só se instala um novo parque solar/eólico, com baterias, e aí sai caro.
Como o consumo de placa solar reduziu na China, o preço do W pico da placa solar caiu de 29 centavos de dólar para 10 centavos de dólar custado hoje 1/3 do preço de três anos atrás. Aqui pensamos que eles aumentaram a produção, mas na verdade, diminuíram o consumo interno. Não sei quanto desses 14% já foram construídos com baterias.
Por isso, das 61 usinas nucleares que estão em construção no mundo, 25 estão na China, além da meta de terminar a construção de todo potencial hidrelétrico. Não são fortes na biomassa, afinal existem muitos desertos e regiões semiáridas. O que seria muito bom para solar, mas a nuclear sai mais barata e mais confiável.
O quarto antigo reator Russo de Chernobyl na Ucrania, ainda moderado à grafite (70% dos reatores são moderados com água pressurizada, PWR), pegou fogo em abril de 1986. Um ou dois anos depois a Suécia proibiu novas usinas nucleares. As usinas nucleares que ficaram funcionado representavam pouco mais de 50%, sendo que hoje, as mesmas usinas representam 29%.
Resultado, partiu nos anos 90 para eólica 21% e bioenergia 7%, percentagens atuais. A Ministra das Finanças foi ao parlamento no ano passado e conseguiu em setembro de 2023, autorização para reiniciar a construção de novas usinas nucleares. Motivo, custo da intermitência das eólicas alto, além de aumentar em parte as emissões de GEE e diminuir a confiabilidade do sistema.
A Suécia em 2023 gerou 166,36 TWh, 23% da energia elétrica do Brasil, que foi 723,2 TWh, incluindo autoprodutor e sistema isolado. No final de 2023 nos Estados Unidos, a eólica representava 150 GW, e a solar 137 GW, que somados são 287 GW instalados. Já o Brasil terminou 2023 com 31 GW de eólica e 37 GW de solar, que somados são 68 GW. Acontece que a geração de energia elétrica lá é 6,5 vezes maior que no Brasil. Apesar da costa Oeste dos EUA ser muito versada para solar, qual o motivo do Brasil ser proporcionalmente a potência instalada das fontes solar + eólica, 54% maior que os EUA?
Eles depois de 2012 cresceram muito em nuclear, estando hoje com 18,2% desta fonte que não é renovável, mas é a que menos emite GEE. Estamos falando de energia gerada em TWh. Ou seja, só em energia nuclear, eles são quase 20% maiores que todo o Brasil.
O Brasil deveria o mais rápido possível, retirar os custos dos serviços ancilares, hoje na mão dos consumidores e cobrar dos novos contratos de energia solar/eólica. Os contratos existentes, não seriam afetados até o seu término, os consumidores continuariam pagando, em nome da segurança jurídica.
Nós somos um mar de energia, hidrelétrica e biomassa. O foco principal deveria ser nelas, inclusive voltando ao tema de reservatórios. Porém o principal agente do crescimento, deveria ser a biomassa, através das florestas energéticas e do biometano, sendo que esse segundo é igual ao gás natural, porém renovável, além de termos um potencial enorme sem precisar nada plantar.
Também não podemos deixar de considerar a boa energia nuclear, pois o Brasil tem a sexta maior reserva de uranio do mundo. A principal emissão de GEE no Brasil, é o desmatamento, 39% das nossas emissões, logo novas florestas plantadas para geração de energia elétrica, fariam a remoção do carbono da atmosfera, se transformando num almoxarifado de CO2, além de prestarem serviços ambientais sobre regiões semiáridas através dos rios voadores. A solar, e um pouco a eólica, estão desmatando o bioma caatinga, no já sofrido Nordeste brasileiro. Está certo isso?
Em 2023 a energia como um todo aqui no Brasil, foi de 310,9 Milhões de tep (tonelada equivalente de petróleo). Sendo que a energia elétrica, 723,2 TWh, representou 20% do todo, ou 62,18 Milhões de tep. A parte renovável da energia como um todo, atingiu 48,6%, sendo: biomassa 31,8%, hidráulica 12,4%, eólica 2,6% e solar 1,8%. A biomassa sozinha fez 2/3 de toda a nossa limpeza!
Já no campo elétrico dos 20% do todo, a biomassa fez apenas 7,8%. Será que há “planejamento” demais nesta área?
A Suécia em 2023 gerou 7% da energia elétrica com bioenergia, como ela é 4,3 vezes menor que o Brasil, proporcionalmente, poderíamos ter gerado 30,1% da nossa energia elétrica com biomassa, porém foi de apenas 7,8%. Esse falso preço no ACL é o responsável por isso, logo seríamos percentualmente bem maiores que os 48,6% na limpeza da energia como um todo. Confesso que ao escrever isso fiquei envergonhado, por saber que um eucalipto no litoral do Brasil chega a 25m com 7 anos, e lá na Suécia com 60 anos. Uma verdadeira e lamentável inversão de valores! Até quando será assim?
Finalizando, informo que não inclui outros custos de serviços ancilares realizados, sobretudo pelas hidrelétricas, notadamente a atual rampa, onde as hidrelétricas fazem uns 35 GW. Durante a partida e elevação da potência, a máquina fica com baixa eficiência, além da cavitação que destrói o rotor.
Como isso é feito todos os dias, duas vezes, entrando e saindo, o custo da perda de água e da diminuição da vida útil do rotor, devem ser significativos. Geradores de Sobradinho, Belo Monte, Xingó, Itaparica e outras, são sincronizados no SIN, se retira a água da caixa do rotor hidráulico com compressores a ar comprimido e os deixam rodando como um compensador síncrono, engolindo e injetando reativos (KVAr) para regulação da tensão, além de aumentarem a inércia que as fontes intermitentes não têm. Essa prática já deve acontecer há uns dez anos. A Eletrobras, vem reiteradamente cobrando com toda razão. Chegando a um acordo, será mais uma vez repassado para os consumidores?
Já o desconto de 50% na TUST, que custa R$ 50,00/MWh, não deveria mais existir, porém diferentemente de tudo que está acima, não é uma conta matemática, e sim política/econômica, logo não inclui, pois depende de opiniões. A minha já está clara, precisamos parar! Por fim, mas ainda nesse tema, importante frisar que a lei nº 9.074/1995, que criou a abertura do mercado, em seu Artigo 15, §5º, prevê que:
“Art. 15. Respeitados os contratos de fornecimento vigentes, a prorrogação das atuais e as novas concessões serão feitas sem exclusividade de fornecimento de energia elétrica a consumidores com carga igual ou maior que 10.000 kW, atendidos em tensão igual ou superior a 69 kV, que podem optar por contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com produtor independente de energia elétrica. (…)
§ 5º O exercício da opção pelo consumidor não poderá resultar em aumento tarifário para os consumidores remanescentes da concessionária de serviços públicos de energia elétrica que haja perdido mercado”. (grifo nosso)
Em resumo, fica evidenciado que a finalidade da Lei não está sendo respeitada, na medida em que custos indiretos estão causando a majoração das contas dos consumidores remanescentes.
Concluindo: Brasil, um país de energia elétrica barata e conta cara.
Luiz Otávio Koblitz é diretor da Koblitz Energia