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Artigo: Estratégias dos capitães da agroindústria brasileira

A mudança do controle acionário nas empresas agroindustriais atingiu desde a indústria de insumos agrícolas até processadoras e distribuidoras de alimento, causando mudanças nas lideranças empresariais com implicações estratégicas.

Vivenciamos um ciclo de aquisições de empresas agroindustriais, que trocaram o controle representado pelas famílias dos fundadores pelo capital internacional das megacorporações agroindustriais e pelos fundos de investimento.

Um olhar para o passado recente dos agronegócios nos aponta para uma geração de empresários inovadores, capitães de empresa que surgiram no pós-guerra. Quase todos já desapareceram. As empresas por eles idealizadas tiveram um ciclo de crescimento acompanhando as mudanças ocorridas na agricultura mundial. A característica comum foi o controle familiar, o negócio estruturado com base nas tecnologias do ciclo da revolução verde e o conhecimento da realidade agrícola depositada nas práticas empresariais dos seus idealizadores.

A história de empresas como a Agroceres, fundada por Antonio Secundino de São José, ex-reitor da Universidade Federal de Viçosa e depois gerida pelo seu filho, Nei Bittencourt de Araújo, exemplifica o fenômeno no campo da genética vegetal e animal. A empresa mãe foi vendida para a Monsanto, interessada na sua posição dominante no mercado de milho híbrido.

Outro exemplo foi a Manah, fundada pelo engenheiro agrônomo Fernando Penteado Cardoso, hoje ativo na área da sustentabilidade. Nos anos 60 o Brasil consumia pouco fertilizante o que motivou a ideia da adoção da tecnologia com a criação da Associação Nacional para a Difusão dos Adubos. A Manah foi adquirida pela Bunge, seguindo a mesma rota histórica da Agroceres.

No setor bioenergético o histórico das famílias que se dedicaram à produção da cana de açúcar e que avançaram no processamento do produto com os engenhos de açúcar de depois as usinas de etanol e eletricidade, nos lembram nomes como as Usina da Barra, São Martinho, Santa Elisa, entre outras. Essa indústria tem história mais remota, tendo sido a primeira a ser implantada no Brasil, entretanto a sua versão moderna se deveu aos empresários agroindustriais.

Esses empresários tiveram a visão da mudança de paradigma tecnológico que viria a transformar a agricultura. Vislumbraram as tecnologias e a necessidade da produção em escala. Compartilhavam o conhecimento do território onde as atividades de produção se realizavam.

Consta que Antonio Secundino, ao fazer seus estudos nos Estados Unidos, teve acesso ao banco de sementes de milho existente no México. As linhagens de milho são a chave para a produção do híbrido, que permitiu a implantação da empresa nos Brasil.

As empresas de fertilizantes começaram como misturadoras de produtos importados. Cresceram com a produção nacional de matérias primas e dos adubos simples, amparadas pelo programa de substituição de importações. O acesso à tecnologia era simples e enfrentou o obstáculo da baixa concentração de fosfatos, que foi removido pela pesquisa da Escola Politécnica da USP, que permitiu a concentração de teores de fosfato. Contribuíram as instituições de pesquisa agrícola como o Instituto Agronômico, as universidades e o sistema federal de pesquisa, que antecedeu a criação da Embrapa.

A pesquisa teve papel relevante no sucesso das organizações como são hoje. Seria difícil replicar o modelo, pois os materiais genéticos têm propriedade definida, o capital para projetos agroindustriais demanda parcerias internacionais e a escala de produção limita as relações pessoais nas empresas.

O capital internacional foi necessário, motivado pela melhoria da avaliação de risco do Brasil. A indústria de fertilizantes está atrelada a sistemas de comércio de commodities, o que coloca em xeque a proposta aventada pelo governo Lula de ampliar a ação do Estado na produção de fertilizantes. As estratégias de escala e escopo implicam que não basta atuar no mercado local com um único produto. É necessário comercializar ao mesmo tempo o fertilizante e o grão, além de instalar capacidade de moagem. Ganhos no campo deram espaço à logística e ao acesso ao crédito para financiar a safra.

No caso da genética, os investimentos em transgenia e as mudanças na comercialização implicaram na especialização, deixando a fase de geração das tecnologias nas mãos de poucas empresas de envergadura internacional. O setor sementeiro nacional se especializou na fase de acabamento e comercialização do produto, com o apoio da pesquisa adaptativa.

No setor sucro-alcooleiro a estrutura familiar foi substituída, e o padrão de gestão alterado, atendendo as exigências de capital para a ampliação da estrutura de produção. A entrada de empresas como a Archer Daniels Midland, a Bunge, a Cargill e a Dreifuss, em grãos, laranja e cana, são o corolário da história aqui relatada.

A história da agroindústria brasileira é muito mais ampla e tem nuances que não caberiam neste artigo. O caso da Vallée de produtos veterinários originada pelos sócios Genésio de Mello Pereira, Helvécio Alves Carneiro e Orvenor Fernandes de Uberlândia, conduzida pela segunda geração, que convive em meio aos grandes laboratórios internacionais. O caso da JBS, que foi tema de estudo na universidade de Harvard, no processamento de carnes sugere um modelo de gestão simples, eficiente e internacionalizado. A presença do empresário no chão de fábrica é ressaltada no estudo de caso de Harvard como um ponto forte.

Cabe relatar que os inovadores Antonio Secundino, Nei Bittencourt, Alcides Bocalatto, Cardoso e os sócios Genésio de Mello Pereira, Helvécio Alves Carneiro e Orvenor Fernandes, e Fernando Penteado Cardoso eram amigos de pescaria e de modas de viola, nos fazendo pensar nos tempos passados das relações pessoais que foram substituídas pelas impessoais relações de mercado. Boas ideias certamente surgiram das noites de pescaria.

A sobrevivência das empresas tem o seu custo. Os novos modelos de gestão são mais eficientes, estruturados, globalizados e impessoais. Algo me diz que a experiência do passado guarda um segredo que nos fará falta. (Decio Zylbersztajn é professor titular da FEA/USP).

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