
Por José Goldembertg

Os cientistas que estudam esses fenômenos são praticamente unânimes em atribuir tais eventos ao aumento da concentração na atmosfera de gases resultantes da atividade humana, como o dióxido de carbono (CO2), resultado inevitável da queima de combustíveis fósseis – carvão mineral, gás natural e petróleo –, nos quais se baseia a economia moderna, principalmente nos países industrializados.
Existe uma pequena quantidade de CO2 na atmosfera que tem um papel essencial para a vida na Terra: ela mantém a temperatura do planeta como é hoje. Se não existisse, a Terra seria um planeta frígido, com temperatura média de 15 graus abaixo de zero. A quantidade de dióxido de carbono na atmosfera manteve-se praticamente constante nos últimos 650 mil anos, mas desde 1800 já aumentou mais de 50% e por essa razão a temperatura da atmosfera aumentou. É essa a principal razão por que estão ocorrendo mudanças climáticas.
Para entender a importância desse fenômeno vale lembrar que a concentração de oxigênio na atmosfera – essencial para a vida – também se tem mantido constante há muitos milhares de anos. Se ela aumentasse, qualquer incêndio florestal seria muito mais devastador do que é agora. Se diminuísse, teríamos dificuldade para respirar, tal como sentem os alpinistas ao escalar o Everest.
Todos os países reconheceram a gravidade do problema quando adotaram em 1992, no Rio de Janeiro, a Convenção do Clima, cujo objetivo é “a estabilização das concentrações de gases de ‘efeito estufa’ na atmosfera”. O principal desses gases é o dióxido de carbono. Mas há também metano, oxido nitroso e vários gases contendo flúor.
A Convenção do Clima foi assinada e ratificada por todos os países, o Brasil incluído, sendo, portanto, parte do nosso arcabouço jurídico, mas ainda não foi convertida em legislação pragmática que permita sua aplicação no País. Quem faz isso é o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que define quais são os poluentes da atmosfera e os limites que são estabelecidos para que eles não sejam danosos à saúde pública e ao meio ambiente. Mas até hoje os poluentes regulados pelo Conama são apenas material particulado, dióxido de enxofre, monóxido de carbono, oxidantes fotoquímicos como o ozônio, hidrocarbonetos e óxidos de nitrogênio. Os gases de “efeito estufa” ainda não foram regulados.
Em baixas concentrações, que é o caso, os efeitos desses gases são indiretos: aquecimento da atmosfera e da água do mar, variações na frequência e nos tipos de precipitação das chuvas, elevação do nível do mar, derretimento da calota polar no Ártico, eventos climáticos extremos e variações na produtividade agrícola e florestal. Além disso, as mudanças na precipitação das chuvas (mais intensas e de menor duração) interferem na dispersão da poluição local de particulados.
É, portanto, da maior urgência que o Conama adote resoluções para ampliar a lista dos poluentes, porque isso dará às autoridades ambientais os instrumentos necessários para controlá-los via licenciamento ambiental realizado pelo Ibama e pelas Secretarias de Meio Ambiente dos Estados.
Regular as emissões de gases de “efeito estufa”, da mesma forma que os outros poluentes já regulados, tem ainda duas vantagens adicionais:
l Em primeiro lugar, porque a queima de combustíveis fósseis é a principal fonte de poluição local, já que carvão e petróleo têm muitas impurezas que são lançadas na atmosfera. A poluição local dessa mesma origem está tornando a vida difícil em muitos centros urbanos do mundo, principalmente nas cidades da China. Ao se estabelecerem limites para a emissão de CO2, reduz-se a queima de combustíveis fósseis e, portanto, a poluição local.
l A redução das emissões de gases de “efeito estufa” é um instrumento poderoso para a modernização da indústria, que, num mundo competitivo, está se tornando cada vez mais importante.
Essas, aliás, são justamente as razões por que o governo da China, que é o maior emissor mundial de gases de “efeito estufa” – situação muito diferente da que se verificava em 1992, quando era um emissor pouco expressivo –, se comprometeu a reduzir suas emissões a partir de 2030. Isso será conseguido por meio de avanços tecnológicos no uso de combustíveis fósseis e de maior contribuição das energias renováveis.
Regular as emissões de gases de “efeito estufa” no Brasil permitirá que sigamos o mesmo caminho, sobretudo com as vantagens comparativas que temos no que se refere a energias renováveis, como a hidrelétrica e a de biomassa. E muito sol.
Além disso, a redução do desmatamento da Amazônia que está ocorrendo poderá levar-nos, até 2030, a um nível de desmatamento próximo do zero. Hoje o Brasil é o sétimo maior emissor de gases de “efeito estufa”. Em 1990, quando o desmatamento era maior, era o quinto maior emissor.
Com medidas mais fortes na redução de emissões pelos automóveis e nas indústrias intensivas no uso de combustíveis, como a do cimento e a siderúrgica, mais avanços poderiam ser obtidos.
O País tem, pois, condições de reconquistar a liderança na área ambiental que teve em 1992, mas perdeu ao longo dos anos ao defender políticas ultrapassadas na área ambiental e se aliar a países que resistiram à implementação da Convenção do Clima.
A oportunidade para fazer isso é a Conferência de Paris, no fim deste ano, em que os signatários da Convenção do Clima se reunirão pela 21.ª vez (COP-21) para aperfeiçoar os mecanismos de implementação da convenção.
*José Goldemberg é professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), foi secretário do Meio Ambiente da Presidência da República