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Álcool: em busca de uma identidade e de mais liberdade

Desde que intensificou a produção e o uso de álcool como combustível, em 1975, dois anos depois do choque do petróleo, o Brasil vem apostando nele como uma alternativa para diminuir sua vulnerabilidade energética e economizar dólares. Além de ser uma das principais fontes de energia do século XXI, por ser limpa e renovável, o álcool tornou-se forte aliado na luta contra a degradação ambiental, principalmente nos grandes centros urbanos. Especialistas no assunto afirmam que o álcool poderá ser um grande trunfo do país, já que nenhuma outra nação detém uma tecnologia tão avançada nesta área como o Brasil.

O álcool anidro (sem água) é usado desde os anos 30 do século passado como aditivo na gasolina brasileira. Na busca de autonomia energética, o país desenvolveu o Programa Nacional do Álcool e o carro a álcool hidratado. Apesar de seus benefícios e de ser uma alternativa para as constantes crises do petróleo, ele enfrenta problemas de aceitação dentro do país e não é exportado em grandes quantidades. Para se ter uma idéia, em 1984, os carros a álcool no país respondiam por 94,4% da produção das montadoras, e, em 2001, esse índice caiu para 1,02%.

O governo contribuiu para o início desta curva descendente, pois o desestímulo à produção do álcool, no início dos anos 90, deixou a relação entre oferta e demanda muito justa. Mesmo com a existência de álcool nas usinas, o governo não conseguiu resolver problemas logísticos e provocou uma crise de abastecimento, em 1989. Com isso, a indústria automobilística reduziu drasticamente a produção de carros a álcool, para alívio da estatal brasileira de petróleo, que reclamava de excedentes na produção de gasolina.

Mas o que fazer para acabar com esse quadro negativo, que vem se acentuando desde o início dos anos 90? Será que falta um trabalho de marketing mais agressivo? Por que o Brasil ainda não se tornou um grande exportador deste combustível? Para o consultor de marketing Pérsio Padovan, o erro do país está em vender o produto como commodity e não como marca. “O álcool, assim como diversos produtos agrícolas brasileiros, não tem uma grife, como acontece com o café da Colômbia, por exemplo. Nossos produtos são bem comprados no exterior, mas talvez não sejam bem-vistos. A principal falha de marketing do álcool está em trabalhar apenas o preço e não suas qualidades, como o aumento da potência do motor e seus benefícios ecológicos”, diz Pérsio.

Para o consultor, a preocupação com preços competitivos não deve ser considerada uma estratégia eficiente. “A falha de marketing vem desde o início da década de 90, e esta responsabilidade também é dos usineiros, afinal eles precisam valorizar o próprio produto. Agora, com o surgimento do carro bicombustível, é o momento adequado para que os atributos do álcool sejam vendidos. Mas não adianta realizar campanhas esporádicas, é preciso haver um trabalho constante e permanente de marketing. O álcool não pode ser tratado apenas como uma commodity, e sim como marca, que precisa ser valorizada no exterior”, conclui.

Mercado mundial

O Brasil precisa aproveitar o potencial de expansão do mercado mundial, que vem aumentando graças ao combate às substâncias que provocam o efeito estufa e a poluição, que levou à substituição de aditivos tóxicos na gasolina; à valorização da segurança energética e ao incremento da atividade agrícola, permitindo a criação de empregos e a descentralização econômica. A produção atual de álcool no mundo é de 35 bilhões de litros por ano, dos quais 60% são utilizados como combustível. O Brasil e os Estados Unidos são os principais produtores e consumidores.

Nestes dois países, a utilização de carros que rodam com qualquer mistura de álcool e gasolina já é uma realidade, enquanto Austrália, Tailândia, México, Suécia, União Européia, Canadá, Colômbia, Índia, China e Japão ensaiam programas de álcool, estimulados por preocupações ambientais e agrícolas. Os Estados Unidos também querem aumentar a utilização do álcool misturado à gasolina em virtude da contaminação dos lençóis freáticos causada por esse derivado do petróleo. Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova York, tornaram ainda mais evidentes os problemas da dependência do petróleo, cujas maiores fontes produtoras estão em regiões políticas instáveis.

Esta nova tecnologia automobilística era exatamente o combustível que faltava às usinas, que, antes de desenvolverem campanhas de marketing, precisam resolver os problemas internos de logística. “No passado, a opção pela aquisição de um carro a álcool ou a gasolina acontecia na hora da compra. Com o advento dos veículos bicombustíveis, chegou a hora de desenvolver esse marketing. Mas a situação não é tão fácil quanto parece. As grandes extratoras e refinadoras de petróleo também são as grandes distribuidoras, e, como tal, possuem condições de criar gigantescas campanhas publicitárias. Milhares de postos de gasolina têm a bandeira destas empresas”, afirma Josias Messias, presidente do ProCana, um centro de informações sucroalcooleiras, com sede em Ribeirão Preto. Isto não ocorre com as usinas, que não podem distribuir nem vender o álcool. “Por lei, elas apenas podem produzi-lo. A falha no processo de marketing começa na estrutura fornecida pelo governo às usinas”, comenta.

Para que houvesse uma marca forte de álcool seria preciso unir todos os produtores e aí já estaria a primeira dificuldade, pois este setor é muito vasto. Hoje é mais importante garantir o abastecimento interno e preços competitivos do que criar campanhas publicitárias. Para criar uma marca forte, os usineiros precisariam ter o domínio completo sobre o produto, ou seja, da produção à venda final ao consumidor, para que a qualidade fosse garantida. Afinal, do ponto de vista institucional, a imagem do álcool é positiva.

De acordo com Messias, outro problema é a instabilidade deste mercado. “Para se fazer propaganda, é preciso ter uma boa margem de lucratividade. O ano passado foi bom para o setor, mas apenas compensou as perdas dos três anos anteriores. Além disso, uma propaganda maciça em todo o território nacional custa em torno de R$ 100 milhões. Como alguém pode investir esse dinheiro se não tem como controlar todo o processo de produção, distribuição e venda ao consumidor? É inviável”, analisa Messias.

Vencer estas barreiras internas é o maior desafio das usinas para, depois, conquistarem o mercado externo. “Internacionalmente, a marca pouco importa. Mais importante do que ela são a garantia de abastecimento, o compromisso de estoque e a regularidade de preço, ou seja, uma negociação de commodity”, finaliza Messias.

Campanhas institucionais

O publicitário José Breda, diretor da agência NW3, de Ribeirão Preto, detém a conta da Companhia Energética Santa Elisa e da Crystalsev, empresa que concentra a comercialização de produtos de nove usinas, e só tem elaborado campanhas institucionais para estes clientes. “Produtores, distribuidores e a indústria automobilística deveriam se unir e criar uma grande campanha nacional que defendesse o uso do álcool como uma matriz energética. Isso daria mais credibilidade ao produto, afetada desde a crise de abastecimento, na década de 90, que provocou nos consumidores uma preocupação quanto à instabilidade de preço e oferta no mercado”, diz Breda.

O Brasil produz 10,4 bilhões de litros/ano de álcool, sendo 62% desse total em São Paulo. Aproximadamente 3 milhões de veículos são movidos a álcool hidratado, consumindo 4,9 bilhões de litros/ano. Outros 5,5 bilhões de litros/ano são utilizados como aditivo para a gasolina. Com isso, nos últimos 22 anos registrou-se uma economia de 1,8 bilhão de dólares, por ano, com a substituição pelo álcool do equivalente a 200 mil barris de gasolina/dia. Há uma determinação legal de que toda a gasolina brasileira contenha de 20% a 24% de álcool anidro, com variação de um ponto percentual, para mais ou para menos. Esta definição cabe ao Conselho Interministerial de Açúcar e Álcool (CIMA) e é feita com a finalidade de equilibrar a relação entre oferta e consumo.

Para o professor da USP e especialista em agribusiness Marcos Fava Neves, falta um trabalho de marketing mais forte para alavancar o álcool no país. Segundo ele, apenas em poucos momentos o setor se preocupou com a imagem que os consumidores finais do Brasil têm do combustível álcool. “A fidelização pode ser um importante aprendizado antes do marketing internacional do álcool como combustível ou aditivo”, justifica Neves.

Para ele, o esforço de comunicação deve ser feito por toda a cadeia produtiva da cana. “Devem participar usinas, produtores e empresas de insumos. O Pensa (Programa de Estudo dos Negócios do Sistema Agroindustrial) tem um importante trabalho nessa área, que é a criação da LaranjaBrasil, uma organização que congrega diversos elos da cadeia, justamente para fazer estas ações. Esta organização falta ao álcool, que poderia sediar uma grande campanha para o incremento do álcool combustível”, afirma o professor.

Uma boa iniciativa para criar uma nova imagem política e de comunicação para este setor está sendo o patrocínio a uma escola de samba no carnaval deste ano do Rio de Janeiro. A Acadêmicos do Salgueiro entrará na avenida cantando o samba-enredo “A cana que aqui se planta, tudo dá…Até energia, álcool, o combustível do futuro”. Um marketing fantástico, pois o desfile das escolas de samba do Rio é transmitido para diversos países. O carnavalesco da escola, Renato Lages, já declarou em várias entrevistas que sua intenção é ressaltar as qualidades deste combustível, considerado ecologicamente correto, não-poluente, gerador de empregos e orgulho do povo brasileiro. Esta será uma ótima iniciativa para passar ao consumidor uma mensagem bem clara sobre o álcool e toda a cadeia produtiva da cana-de-açúcar.

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