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Álcool combustível

O Brasil é o maior produtor mundial de álcool, com 12,7 bilhões de litros por ano, de acordo com estatísticas do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). São, segundo a entidade, 284 usinas fabricando o produto atualmente.

De acordo com dados da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), em maio deste ano os bicombustíveis representaram 19,7% do total de vendas de veículos no mercado nacional, sendo que os veículos movidos somente a álcool tiveram apenas 4,4% de participação no mercado – ao todo, quase 25% de todos os automóveis 0km vendidos no mês. A entidade também acredita que o segmento deverá fechar 2004 com aproximadamente 30% de participação e dobrá-la até 2006.

Esse aumento constante de veículos movidos a álcool traz à cena, mas de forma diferente do ocorrido há 20 anos, a discussão sobre a viabilidade do combustível, seja quanto às suas vantagens econômicas e tecnológicas ou quanto aos benefícios ambientais.

Para o diretor de Pesquisa e Desenvolvimento de Motores da Magneti Marelli, Gino Montanari, a tecnologia usada atualmente é muito diferente daquela usada há alguns anos, no primeiro auge do álcool combustível. “Eram motores bem diferentes. Na verdade, eram motores movidos a gasolina adaptados para rodarem com álcool, o que, em curto prazo, poderia comprometer componentes, que são preparados somente para a utilização da gasolina”, esclarece Montanari.

Mexendo no bolso

Como o preço dos combustíveis varia de acordo com o estado (no Estado de São Paulo encontra- se álcool com os preços mais baixos do país), na hora de abastecer, no entanto, o álcool só é economicamente mais vantajoso que a gasolina onde a diferença de preço ultrapasse 40%.

Fizemos a conta de quanto rodam os 14 modelos bicombustíveis disponíveis no mercado, de acordo com a média de consumo divulgada pelas montadoras. Na ponta do lápis, entre cidade e estrada, rodando apenas com álcool ou somente com gasolina, o derivado do petróleo é cerca de 40% mais econômico que o combustível vegetal. Porém, ainda sim vale a pena pesquisar preços e o consumo dos modelos, pois essa é apenas a média.

Em Belém, capital do Pará, por exemplo, o preço médio da gasolina, segundo pesquisa da Agência Nacional do Petróleo (ANP) realizada entre 25 de abril a 1º de maio, é de R$ 2,19. Já o preço do litro do álcool, de acordo com a ANP, é de R$ 1,71, uma diferença de 28%.

Outro exemplo vem de São Paulo, onde a diferença do litro do álcool para a gasolina é de 144% (gasolina a R$ 1,85; álcool a R$ 0,76), segundo pesquisa da ANP. O vice-presidente da Associação das Empresas de Táxis de Frota de São Paulo (Adetax), Fábio Boni, afirma que para os taxistas de São Paulo, município em que 80% dos táxis de frota são movidos a álcool, é mais vantajoso o uso desse combustível. “Mesmo consumindo mais combustível, o motorista de frota que utiliza o álcool economiza anualmente cerca de R$ 3 mil”, argumenta Boni. “Sem contar que os motores 1.0 ganham mais potência quando utilizam o álcool combustível”, completa.

Álcool X Gasolina

A gasolina e o álcool possuem características químicas e físicas semelhantes, mas agem de maneira diferente no motor. A principal diferença é o poder calorífico de cada combustível, ou seja, a quantidade de energia por quantidade de massa. O engenheiro de Materiais Fernando Pan, da Escola Politécnica da USP e proprietário da empresa Berro Moto, explica que um litro de gasolina tem mais energia que um litro de álcool. “Para cada grama de gasolina utilizada no motor, são necessários 15 gramas de oxigênio para a queima completa. Para um grama de álcool são necessários 9 gramas de oxigênio, por isso, em um ciclo de motor a álcool é possível colocar mais combustível que em um ciclo de motor a gasolina”, explica Pan. “Por isso o motor álcool é mais potente, porém consome mais combustível”, afirma.

“Outra característica importante do álcool é ser completamente solúvel em água, o que pode acelerar a corrosão de componentes do motor. Sem contar que aquele posto sem bandeira, que age de má fé, pode adulterar o combustível mais facilmente”, completa Pan.

Como são substâncias diferentes, o álcool e a gasolina reagem de forma distinta no motor. No entanto, isso já foi resolvido pelos engenheiros das montadoras. Segundo o engenheiro Mecânico e professor da FEI Celso Argachoy, “as diferenças físico-químicas dos dois combustíveis nos motores bicombustíveis foram compensadas com os equipamentos eletrônicos e com o aumento da taxa de compressão. É utilizado um meio-termo para os combustíveis trabalharem de acordo com o que o cliente espera do carro”.

De acordo com o Gerente de Desenvolvimento de Produtos da Bosch, Fábio Ferreira, “a diferença de desempenho entre o álcool e a gasolina depende basicamente da taxa de compressão utilizada no motor. Já o desempenho superior do motor movido com álcool advém das características antidetonantes do combustível. Assim, por exemplo, não há diferença de vida útil no motor bicombustível quando se usa um ou outro combustível, se assim o projeto prever”, afirma Ferreira.

Bicombustíveis

A GM já dispunha desse recurso desde 1993 no modelo Omega, mas devido a questões de mercado preferiu retardar seu lançamento. À exceção da Ford, que deverá lançar seu modelo bicombustível até o final de 2004 ou início de 2005, três montadoras instaladas no país possuem a tecnologia – são 14 modelos disponíveis no mercado, das marcas Fiat, Volkswagen e General Motors.

O Volkswagen Gol Total Flex foi o pioneiro, lançado em março de 2003. Hoje, além do Gol, a montadora tem à disposição mais três modelos equipados com motor bicombustível: Saveiro, Parati e Fox.

A General Motors, que hoje possui cinco modelos flexíveis (Corsa, Montana, Astra, Meriva e Zafira) anunciou que até o final deste ano todos os seus modelos serão bicombustíveis. A Fiat já possui o Palio, Palio Weekend, Palio Adventure, Strada e o Siena com motorização flexível.

O presidente da Citroën, Sérgio Habib, afirmou que a montadora também deverá lançar seu modelo flexível (possivelmente o C3, versão 1.6 – esse motor também equipa o Peugeot 206, que se beneficiaria da tecnologia) no primeiro semestre do próximo ano. A Renault do Brasil, através da sua Assessoria, anunciou que vai lançar no país o motor bicombustível 1.4 no 1º semestre de 2005.

Há, contudo, algumas controvérsias. O engenheiro Mecânico e professor da FEI Celso Argachoy explica que essa tecnologia não é tão recente assim, tampouco uma maravilha. “Os bicombustíveis não têm um desempenho surpreendente com nenhum dos combustíveis. A performance é prejudicada devido à adequação necessária ao funcionamento com os dois combustíveis, pois cada um possui características diferentes. Para isso seria preciso que a taxa de compressão variasse automaticamente, tecnologia muito avançada que já existe, mas ainda é inviável economicamente”.

Meio ambiente

Quanto à questão ambiental, o álcool leva grande vantagem sobre a gasolina e os derivados de petróleo, principalmente por ser renovável e não contribuir com o efeito estufa. O engenheiro Fernando Pan explica que alguns fatores devem ser levados em consideração.

“O álcool assim como a gasolina emite de substâncias tóxicas após sua combustão – monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio, fuligem, óxidos de enxofre, entre outros -, porém é um problema que foi resolvido em parte com as tecnologias de injeção eletrônica e catalisadores”.

Quanto à emissão de CO2 (dióxido de carbono), ele deixa claro que ambos combustíveis o produzem, mas há diferença. “Na combustão da gasolina o CO2 é um subproduto formado na reação química. O álcool utiliza o CO2 presente na atmosfera, ou seja, a quantidade de carbono se mantém”.

Os períodos de baixa temperatura são considerados os de maior gravidade com relação à poluição atmosférica, porque a circulação do ar é dificultada de maio a outubro, em virtude da grande estabilidade atmosférica e das inversões térmicas.

A Associação de Taxistas de Frota de São Paulo adotou uma postura de padronização da frota verde há cinco anos para reduzir os impactos ambientais. “Além de reduzir custos e causar menos danos ambientais, principalmente no inverno, devido à inversão térmica, hoje a demanda de veículos bicombustíveis é bem maior”, afirma o vice-presidente da entidade, Fábio Boni.

Para Gino Montanari, da Magnetti Marelli, o álcool não é apenas o combustível do futuro, mas também do presente, pois é uma tecnologia totalmente desenvolvida e aplicada em larga escala. “O Brasil é pioneiro nessa tecnologia e já a exporta para outros países, como EUA. A China recentemente também demonstrou interesse pelo álcool combustível”, enfatiza.

Contudo, como afirma o professor da FEI, Celso Argachoy, “para um combustível se tornar uma alternativa viável ele tem que ser eficiente e barato. O álcool ainda é um combustível muito caro. Para que ele emplaque de vez seriam necessários política e produção consistentes a respeito disso”.

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