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Água do velho Chico

Por falta de boa e isenta informação, a opinião pública ainda não tomou conhecimento do que, na prática, pode representar a transposição das águas do rio São Francisco.

Há um ciclo vicioso de desinformação, propagado por tecnocratas do governo, quando afirmam que a transposição vai resolver o problema da miséria secular na região do semi-árido. Trata-se de uma obra de vulto, de elevadíssimo preço e cujos resultados ainda demandam estudos para se concluir se é viável e compensador. O governo federal, porém, tem pressa. Antevendo a possibilidade de a obra ser um dos “carros-chefes” da campanha eleitoral pela reeleição do Presidente Lula, a transposição do São Francisco está sendo denominada, pelo Governo, de “Redentora do Nordeste”, reservando-se, 2 bilhões de reais para o inicio de sua construção.

Em novembro do ano passado, o Governo tomou um atalho “esperto”: por meio do Ministério de Integração, fez publicar edital de concorrência pública para a compra de equipamentos necessários ao bombeamento das águas do São Francisco para as bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional. Isso ocorreu sem ter a devida licença ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis IBAMA, conforme prevê a legislação para toda e qualquer obra de porte que interfira no Meio Ambiente. Sem dúvida, poucas obras tiveram o alcance ambiental desta pretendida transposição, cujo impacto ambiental deve ser medido com acuidade e extrema responsabilidade, por ser irreversível e por interferir no modo de vida de uma região que envolve vários Estados.

Com o objetivo de assegurar o respeito à lei e em defesa do Meio Ambiente, protocolamos representação na Procuradoria Geral da República, no dia 22 de fevereiro, pedindo providências para obrigar o Ministério da Integração Nacional a cumprir os preceitos legais: licitações e contratos de empreendimentos da Administração Pública devem necessariamente ser precedidos de estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/Rima), devidamente aprovado pelos órgãos competentes, para obtenção de licenciamento.

Desnecessário dizer que essa exigência é sobejamente conhecida pelo Ministério da Integração, não sendo respeitada devido à pressa, à celeridade que se deseja dar a uma obra altamente complexa cujo cronograma, para atender às ambições do Governo, se quer está ligado ao calendário eleitoral.

A licença ambiental é uma conquista da humanidade, para evitar que obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ao Meio ambiente sejam levadas adiante sem prévios estudos sobre seus danos, sem a definição das obras mitigadoras ou compensatórias.O processo de licenciamento ambiental da transposição das águas do São Francisco precisará dar respostas, sem meias-palavras, a perguntas como:

Ao perder boa parte de suas águas, o que deverá acontecer com a atual dinâmica climática regional e a periodicidade do rio São Francisco? E com os rios intermitentes sazonários que vão receber a transposição?

Visto que no sertão nordestino, o período de maior demanda por água coincide com aquele em que os rios intermitentes perdem correnteza (entre cinco a sete meses), período que coincide com o menor volume do rio São Francisco, como será enfrentada essa situação crítica, somada à necessidade de as hidrelétricas regionais também manterem suas reservas, para não parar?

Visto que o projeto de transposição é de interesse macrorregional, será respeitado o estoque de águas requerido pelas hidrelétricas Itaparica e Xingó, já implantadas no médio e baixo vale do rio Paulo Afonso?

Como em diversas áreas da caatinga terão de ser feitas obras de elevação e instalados potentes motores elétricos para que a água chegue ao ponto mais alto possível, driblando acidentes geográficos consideráveis como a elevação da escarpa sul da chapada do Araripe, para em seguida, descer e fazer a irrigação por gravidade, o que deve ser proposto para administrar ou compensar o brutal aumento da demanda por energia elétrica?

Que alternativas serão oferecidas aos agricultores familiares que se dedicam à horticultura no leito dos rios, atividade que será banida com a transposição?

O Nordeste semi-árido tem 750.000 quilômetros quadrados, dos quais apenas alguns milhares de quilômetros das bacias do rio Jaguaribe (Ceará) e Piranhas/Açu (Rio Grande do Norte) serão contemplados pela transposição das águas do São Francisco. Evidentemente, para os que vivem nessas limitadas regiões beneficiadas, não há por que falar em analise “custo – beneficio”, já que as obras serão 100% custeadas pelo Governo Federal.

Para todos os demais brasileiros, que também estarão financiando esse megaempreendimento, cabe perguntar: não são por demais tímidos os resultados sociais de uma obra tão cara?

Se tudo indica que a transposição está longe de dar solução à maioria dos problemas da extensa área em que vivem aqueles a quem o presidente Lula gosta de chamar “de sua gente”, mais do que ser contra ou a favor, o que deve estar em foco é se esse projeto atende realmente ao interesse público, já que a conta vai sair bem salgada.

*Antonio Carlos Mendes Thame, deputado federal (PSDB/São Paulo), foi Secretário de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo. É presidente da CPI da Biopirataria no Congresso Nacional.

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