Passados cinco anos do programa de biodiesel no Brasil, o Congresso Nacional promove ajustes no marco regulatório do setor e aproveita para discutir regras da produção do etanol. Esses biocombustíveis têm grande relevância na economia nacional, atingindo, em 2010, R$ 35 bilhões, mais de um milhão de empregos e a perspectiva de dobrar de tamanho em 20 anos. Dezenas de anteprojetos de lei pontuais foram anteriormente debatidos, até chegar ao projeto de lei (PL) 219/2010 – Política Nacional sobre Biocombustíveis -, da Comissão de Infraestrutura do Senado.
Dada a expectativa de especialistas, políticos, governo e setor produtivo, as perguntas do momento são: mudar o quê e para quê? Aonde o país pode ou quer chegar com os biocombustíveis?
Na parte burocrática, o PL 219/2010 altera a Política Energética Nacional (Lei 9478/1997) nas atribuições e na responsabilidade de monito ramento e de controle, a cargo da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Ao olhar o mercado interno, o PL objetiva alcançar mais rigor na fiscalização da produção e da comercialização, além da estabilidade do abastecimento. Para impulsionar as exportações, o texto traz diretrizes de certificação e ajustes técnicos visando a alavancar o etanol como commodity.
Por outro lado, nas etapas agrícola e industrial, as mudanças são frágeis, principalmente para o biodiesel, por não haver instrumentos de integração produtiva e um rol maior de medidas de inserção social, principalmente para o Norte e Nordeste. O tema será ainda debatido em plenário, cabendo avanços. Quatro novidades se destacam no projeto de lei:
1) Possibilidade de uso do óleo vegetal nas máquinas e no transporte agrícola, condicionada ao avanço tecnológico e à regulamentação. Essa medida poderá gerar economia de até 40% no consumo de diesel na agricultura, além de ajudar a regionalizar a produção, incentivar o uso de novas oleaginosas e tecnologias e viabilizar a produção em menor escala do biodiesel. Exigirá, porém, maior controle e fiscalização da produção e da sonegação, devido ao esperado aumento do comércio ilegal;
2) Criação da etiqueta de eficiência energética e emissão de gases poluentes, obrigatória para os fabricantes de veículos após regulamentação. Esse instrumento terá efeito positivo para a saúde dos brasileiros somente se combinado com melhorias na nossa gasolina e diesel, que estão entre os mais poluentes do mundo. De forma isolada, a medida é apenas um esforço nacional para atender exigências dos importadores.
3) Permissão de novas rotas tecnológicas, mantendo a transesterificação como a principal, mas incorporando a do craqueamento. A medida é positiva para incentivar a pesquisa e desenvolvimento (P&D), pois deixa de ser restritiva a novas tecnologias;
4) Criação do Programa Nacional de Cooperativas, cujo foco são pequenos produtores de etanol. O objetivo é gerar mais emprego e renda, dar competitividade econômica aos produtores e diminuir o peso da intensidade de capital. A medida é importante, mas depende muito da organização dos cooperados, de financiamento e de capacitação técnica dos agricultores, aspectos que exigem maior presença direta do Estado no início.
O país possui acúmulo de conhecimento que possibilita um salto maior, uma a mudança de patamar nessa área
Com tanta novidade, o que ainda falta? Falta ousadia. Pelo seu potencial, os biocombustíveis têm sido comparados ao petróleo da camada pré-sal, estimando-se que 15 milhões de hectares de cana-de-açúcar e 16 milhões de oleaginosas (palma, macaúba e soja) superem a energia do petróleo do Pré-Sal em 45 anos. Tal estimativa considera áreas de preservação permanente, rios e outras, que seriam protegidas na mesma região dos cultivos para reduzir impactos ambientais.
Além disso, a agroenergia tem potencial para superar a soja ou o milho, em valor da produção e em novos postos de trabalho, dando outra dinâmica à agricultura. Para que isso ocorra de forma sustentável, espera-se que o marco legal desestimule a concentração da terra e da renda. Caso contrário, o efeito tende a ser o oposto, mantendo-se a histórica concentração.
Do lado industrial, o país possui as condições para um salto maior, a mudança de patamar nessa área. O tamanho do mercado interno de combustíveis e de energia possibilita, por exemplo, o desenvolvimento de P&D e inovação em equipamentos com baixa emissão de CO2, questão ausente no PL 219/2010, porque ele segue descolado de uma Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP).
Nessa rota, o Brasil estaciona no degrau das commodities e continua no ponto em que “quase” domina a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico em energia limpa. Ousar é induzir e direcionar esforços para o patamar de mai s patentes e equipamentos para a produção do etanol e do biodiesel e para o uso dos resíduos energéticos. Isso exige esforços e sintonia dos marcos regulatórios. Exige apostar menos em commodity e mais no mercado interno e na indústria paralela que abastece de equipamentos e insumos a agroenergia ou outras fontes de energia.
Há recursos. Entre 2010 e 2019, a previsão do Ministério de Minas e Energia é de investimentos da ordem de R$ 1 trilhão no setor energético, desde a produção até a distribuição (é mais do que a soma dos recursos previstos para investimentos em saúde e educação). Segundo o Ipea (Comunicado 53/2010), foram destinados mais de R$ 30 bilhões para os biocombustíveis de 2006 a 2010; outros R$ 66 bilhões são investimentos previstos até 2019.
A mudança de patamar pode ser impulsionada se, além de haver mais diálogos, for alocada, em conjunto com uma robusta Política de Desenvolvimento Produtivo e com as novidades do projeto de lei 219, fatia maior dos investimentos públicos para planejar e direcionar a etapa agrícola dos biocombustíveis e a de geração de energia elétrica. Investimentos privados e, em parte, públicos devem induzir o desenvolvimento tecnológico dos fornecedores de equipamentos. Essa é a rota traçada pelos países desenvolvidos e empresas líderes em energia. O Brasil não tem muito tempo a perder.