Ricardo Muniz | Agência FAPESP
Em estudo publicado no Biofuel Research Journal, pesquisadores das universidades Estadual de Campinas (Unicamp) e Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) avaliaram a eficiência e o impacto ambiental do aproveitamento da palha de milho com uma técnica que utiliza apenas água pura como solvente para extrair bioderivados.
A palha de milho é um subproduto agrícola abundante (frequentemente descartado) e rico em compostos lignocelulósicos, como hemicelulose, celulose e lignina.
No trabalho, fruto da pesquisa de doutorado de Rafael Gabriel da Rosa, o grupo de cientistas extraiu açúcares, ácidos orgânicos e compostos fenólicos com propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e antimicrobianas a partir desse resíduo, otimizando os parâmetros do processo ao empregar hidrólise (quebra de moléculas grandes em menores) com “água subcrítica” (em alta temperatura e sob pressão alta para evitar ebulição) em vez de hidrólise ácida.
O avanço é útil para aplicações na indústria alimentícia, farmacêutica e de biocombustíveis.
A obtenção de cada subproduto depende de variações na temperatura e no pH, seguindo uma sequência de decomposição que inicia nos compostos fenólicos e termina nos ácidos orgânicos, passando pelos açúcares.
Os resultados revelaram uma recuperação significativa: a hidrólise subcrítica conseguiu obter compostos fenólicos em valores de 16,06 miligramas a 76,82 miligramas equivalentes de ácido gálico por grama (padrão na quantificação de compostos fenólicos), enquanto trabalhos com hidrólise ácida obtiveram 12,76 miligramas equivalentes de ácido gálico por grama.
No caso de açúcares (glicose, xilose e celobiose), foram obtidos 448,54 miligramas por grama de palha de milho hidrolisada a 170 °C por no máximo 30 minutos e pH 1.
Métodos tradicionais de hidrólise não superam a marca de 74,5 miligramas por grama de palha hidrolisada. Assim, a um rendimento seis vezes maior aliam-se redução de custos em tempo e energia.
Finalmente, no caso de ácidos orgânicos (acético e fórmico), foram obtidos 1.157,19 miligramas por grama de palha de milho hidrolisada a 226 °C e pH 4,5.
Aplicações e Sustentabilidade
“Essa extração de ácidos orgânicos representa uma oportunidade concreta para a produção de precursores químicos renováveis com aplicação em plásticos biodegradáveis, solventes e conservantes naturais”, afirma Tânia Forster-Carneiro, orientadora de Rosa, coautora do artigo e professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp.
Tânia Forster-Carneiro e Rafael Gabriel da Rosa (foto: acervo pessoal)
Método sustentável
Os pesquisadores também fizeram uma análise de sustentabilidade da tecnologia, chamada EcoScale.
Trata-se de uma métrica semiquantitativa para avaliação das condições de reação química em escala de laboratório. A ferramenta, capaz de avaliar os impactos ambientais, econômicos e sociais de um processo ou tecnologia, usa uma escala de 0 a 100, com 0 representando uma reação totalmente falha (0% de rendimento) e 100 a reação ideal: composto A (substrato) reage com (ou na presença de) composto barato B para dar o composto desejado C com 100% de rendimento, à temperatura ambiente, com um risco mínimo para o operador e um impacto mínimo para o meio ambiente.
“Nosso resultado surpreendeu: o método atingiu 93 pontos”, comemora Forster-Carneiro. Outros processos que utilizam produtos químicos agressivos, como ácido sulfúrico e hidróxido de sódio, obtiveram notas entre 54,63 e 85,13 pontos.
Segundo a cientista, outra novidade do estudo foi a análise técnico-econômica preliminar (ou taxa de payback), integrando dados experimentais com estimativas de investimento, operação e retorno econômico ao levar em consideração fatores como custo de equipamentos, insumos e energia.
“A análise fornece uma visão estratégica para a tomada de decisão, simula diferentes cenários e identifica os mais promissores para aplicação industrial, fortalecendo o elo entre ciência, inovação e aplicação prática”, explica Forster-Carneiro.
O trabalho focou no açúcar como produto de maior valor econômico, visando os biocombustíveis, e os resultados demonstraram um tempo de payback variando entre quatro e cinco anos.
Além de Rosa e Forster-Carneiro, o trabalho, apoiado pela FAPESP, é assinado por Luiz Eduardo Nochi Castro, Tiago Linhares Cruz Tabosa Barroso, Vanessa Cosme Ferreira (FEA); Maurício Ariel Rostagno (Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp) e Paulo Rodrigo Stival Bittencourt (UTFPR).