O Brasil é essencial nesse debate. Nenhum país industrializado conseguiu substituir o uso de gasolina na escala alcançada no Brasil
É POSSÍVEL substituir mais de 25% da gasolina usada no mundo por biocombustíveis, preservando o meio ambiente e evitando conflitos com a essencial produção de alimentos e outros produtos agrícolas? Cientistas brasileiros e estrangeiros envolvidos no projeto Sustentabilidade Global de Biocombustíveis (GSB, na sigla em inglês) tentam responder a essa questão durante sua convenção latino-americana, em São Paulo (23 a 25 de março).
O GSB fará cinco convenções continentais em 2010 com o objetivo de contribuir para o debate mundial nesse campo com base em resultados científicos. A reunião em São Paulo segue as da Holanda e da África do Sul. As próximas serão na Malásia e nos Estados Unidos.
O Brasil é essencial nesse debate.
Nenhum país industrializado até hoje conseguiu substituir o uso de gasolina na escala alcançada no Brasil, onde praticamente metade da energia total consumida tem origem em fontes renováveis -16% dela do etanol.
No Estado de São Paulo, o resultado é ainda mais marcante: 56% da energia vem de fontes renováveis, sendo 38% da cana-de-açúcar. O uso do etanol de cana permitiu que São Paulo reduzisse a participação do petróleo na matriz energética estadual de 60% para 33% nos últimos 30 anos.
Desde 1975, a estratégia geral do desenvolvimento do uso de etanol no Brasil foi pautada pelo aumento da produtividade. O ganho ultrapassou os 3% ao ano nos últimos 40 anos graças ao melhoramento genético da cana-de-açúcar e ao aumento da eficiência industrial da conversão de açúcar em álcool.
O aumento do interesse mundial em biocombustíveis -motivado pelas dificuldades recorrentes no fornecimento de petróleo e pela preocupação com a emissão de gases-estufa- criou a expectativa de aumento intenso na produção de bioetanol.
Para que o Brasil forneça etanol suficiente para substituir pelo menos 5% da gasolina usada mundialmente, será necessário aumentar a produção brasileira dos 22 bilhões de litros em 2006 para 102 bilhões de litros/ano.
Produzir etanol requer vários insumos, como água, terra e energia, e o aumento das quantidades pretendidas exige a análise da dependência em relação aos insumos e seu efeito no meio ambiente. Por isso se impõe o desafio da sustentabilidade.
Essencial para a sustentabilidade é o balanço de energia, que mede quantas unidades de energia são geradas por unidade de energia de origem fóssil utilizada. Na produção de etanol, a energia fóssil é usada, por exemplo, no diesel dos caminhões que transportam a cana da plantação à usina.
É necessária 1 unidade de energia fóssil para produzir etanol suficiente para a geração de 9 a 10 unidades. Esse balanço tão favorável significa uma redução substancial das emissões de carbono pela substituição da gasolina pelo etanol de cana.
Outra questão fundamental para a sustentabilidade é saber se o aumento na quantidade de etanol produzido pode afetar outros produtos importantes, como alimentos.
Países da Europa e os EUA fazem objeções aos biocombustíveis porque são regiões em que toda a terra arável está em uso. Mas na América Latina e na África há muita terra disponível, e essa disponibilidade -já demonstrada em trabalhos científicos- é especialmente positiva, pois pode levar desenvolvimento a essas regiões.
Pesquisa e desenvolvimento trazem grandes avanços. No Brasil, a produtividade da terra cresceu de 2.700 litros para mais de 6.000 litros por hectare/ano -mais que o dobro, no período de 30 anos de 1975 a 2005, usando-se tecnologia incremental.
Hoje, muitos países, inclusive os mais desenvolvidos em ciência e tecnologia, como EUA, Inglaterra, França e Holanda, estão empenhados em melhorar a eficiência da biomassa para a geração de combustível líquido, buscando avanços radicais.
Por isso a intensidade de pesquisa sobre biocombustíveis cresceu muito e o panorama é muito mais competitivo do que quando praticamente só o Brasil usava etanol -o que exige do país uma nova atitude e um esforço muito mais intenso de P&D, promovido pelo governo e por empresas.
O Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (Bioen) e o projeto GSB vão nos ajudar a identificar as áreas de pesquisa prioritárias e os desafios a vencer para que o mundo possa se beneficiar de uma ideia criada e demonstrada pelo Brasil: a substituição da gasolina por combustíveis de origem renovável e sustentável.
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ , 53, membro da Academia Brasileira de Ciências, é professor titular do Instituto de Física da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e diretor Científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi reitor da Unicamp e presidente da Fapesp.