Agricultura

Por que obter produtividade superior a 100 toneladas por hectare é uma conquista ainda restrita a poucos

Em artigo exclusivo para o JornalCana, Fred Marcio Polizello analisa a produtividade canavieira

Por que obter produtividade superior a 100 toneladas por hectare é uma conquista ainda restrita a poucos

Artigo publicado na edição 356 da revista JornalCana

Ter uma usina de processamento de cana-de-açúcar com elevada produtividade agrícola é praticamente o objetivo da totalidade de empresários do setor sucroenergético.  

Contudo, atingir o tão sonhado canavial com produtividade superior a 100 toneladas por hectare é uma conquista ainda restrita a poucos.  

Nesse sentido, alcançar essa produtividade canavieira demonstra um bom trabalho de planejamento e da disponibilização dos investimentos necessários. No entanto, manter essa produtividade de forma estável ao longo de vários anos, reflete um feito ainda mais provocador, sendo este feito uma conquista que não ultrapassa 5 ou 6 usinas do nosso País. 

Fatores que impactam na produtividade da cana-de-açúcar 

Sabemos que as classes de solo, e consequentemente, os ambientes de produção, exercem influência importante na capacidade produtiva de uma empresa. 

Usinas localizadas em regiões com prevalência de solos em ambientes de produção “A”, “B” e “C”, possuem maior facilidade em alcançar altas produtividades agrícolas em seus canaviais, enquanto usinas com predominância de solos em ambientes “D” e “E”, possuem dificuldades em obter elevadas produtividades com a cultura. 

Além da influência de solos pobres, as severas estiagens, como as que ocorreram em grande parte dos Estados brasileiros na safra 2021/22 e a redução de investimentos em insumos, tem sido os principais contribuintes para que grandes grupos produzam aquém do esperado.  

Empresas que fecham sua produtividade média anual abaixo de 80 toneladas de cana-de-açúcar por hectare em anos com condições climáticas favoráveis, como observamos na safra 2023/24, estão encaminhadas a enfrentar dificuldades financeiras em breve, pois produtividades inferiores a 80 TCH não garantem a sustentabilidade financeira de uma empresa no médio e longo prazo. 

Em outra mão, a estagnação de uma empresa em produtividades agrícolas entre 85 e 95 toneladas de cana-de-açúcar por hectare, está em grande parte, relacionada a falta de cuidados no controle do pisoteio de equipamentos em seu canavial. Todos os investimentos com corretivos e/ou fertilizantes, preparo do solo e utilização de variedades adequadas, acabam “indo por água abaixo” logo nos primeiros anos do ciclo da cultura, quando os cuidados com o pisoteio não são levados em conta. 

Parece estranho dizer, mas ainda há muitas empresas que não utilizam práticas de controle de tráfego em suas operações. Isso se agrava nas empresas que se utilizam de prestadores de serviços não tecnificados na operação de colheita, em que colhedoras e tratores transbordos transitam pelas lavouras sem a utilização destes dispositivos. 

Produção de Cana-de-Açúcar Tradicional (S. officinarum) 

Sabemos que a cana-de-açúcar (Saccharum officinarum), tradicionalmente cultivada pelas usinas, exige grandes investimentos anuais em custos operacionais. 

Por traz de todo o trabalho de melhoramento genético que visa alcançar elevadas produtividades, alto teor de açúcar, resistência a pragas e doenças, resistência ao pisoteio, além de outras características importantes. 

Além do desenvolvimento de variedades, alcançar alta produtividade nos canaviais exige um acompanhamento agronômico adequado, com foco em pilares que garantem o seu bom desenvolvimento, tais como: 

Químicos: correção equilibrada dos solos; adubações específicas, como as fosfatagem; o uso de inibidores de florescimento na fase de pré-colheita; Físicos: preparo do solo adequado e o controle do tráfego de equipamentos na lavoura (no plantio, tratos culturais, colheita e todas as atividades de apoio); Biológicos: uso de microrganismos regeneradores do solo em práticas que antecedem o plantio; controle de pragas e doenças, ao longo de todo o ciclo da cultura. 

A cana-de-açúcar tradicionalmente cultivada pelas empresas possui potencial produtivo que, em condições de normalidade climática e bom manejo agronômico, pode ultrapassar as 200 toneladas de cana-de-açúcar por hectare. 

Em condições de campo em áreas sem irrigação, tive a oportunidade de acompanhar a obtenção de produtividades de 183 TCH (cana de ano e meio) e 243 TCH (cana bisada). 

Em benchmark entre usinas, acompanhei empresas em uma mesma região, produzindo fechamentos anuais distintos. 

Como resultado médio de safra, determinada empresa obteve fechamento médio de 113,3 TCH, enquanto outra obteve fechamento médio de 92,0 TCH.  

É certo que, além do manejo agronômico, algumas diferenças como: variações climáticas dentro de uma mesma região, idade média do canavial (número médio de cortes), diferença nos ambientes de produção, diferentes prioridades nos investimentos adotados (estratégia financeira de cada empresa), poderão ter interferido para que os resultados fossem diferentes. 

Em condições favoráveis, as lavouras de cana-de-açúcar cultivadas com o gênero/espécie Saccharum officinarum, podem gerar de 14 a 16 toneladas de ATR (Açúcar Total Recuperável) por hectare e produzir de 8.000 a 9.000 litros de etanol por hectare. 

 A todo momento, busca-se por novas tecnologias que sejam capazes de superar estes indicadores. 

Produção de Cana-de-Açúcar Híbrida (cruzamento de S. officinarum com S. spontaneum e|ou S. robustum e|ou outras gramineas) 

Na direção da diversidade no uso da cana-de-açúcar, temos empresas desenvolvendo trabalhos de campo com as chamadas “cana energia” e “supercana”, obtidas a partir do cruzamento de S. officinarum com S. spontaneum, S. robustum, além de outras gramíneas, e destinam-se a promover: crescimento vigoroso, resistência a pragas e doenças, adaptação a diferentes classes de solos e ambientes de produção restritivos, superar as adversidades climáticas, e ainda, pela inclusão de genes que visam alcançar maior eficiência no uso da água e dos nutrientes. 

A denominada “cana energia” dá origem a plantas com menor rendimento de açúcar por tonelada de cana-de-açúcar produzida, mas ao mesmo tempo, proporcionam maior rendimento de biomassa, possibilitando a produção de etanol de segunda geração a partir da celulose e de bioeletricidade pela queima do bagaço. 

Em condições normais de produção, a “cana energia” pode gerar de 6 a 8 toneladas de ATR por hectare e de 4.000 a 6.000 litros de etanol por hectare. Somados ao etanol de segunda geração possível a partir da biomassa, a produção total de etanol E1G + E2G, poderá chegar a 8.000 a 10.000 litros por hectare e a produção de energia elétrica de 8.000 a 12.000 kWh por hectare. 

A denominada “supercana” é um termo usado para descrever variedades de cana-de-açúcar geneticamente melhoradas, com o objetivo de aumento da produtividade agrícola, aumento no teor de sacarose e de aumento da resistência a pragas e doenças.  

O princípio utilizado para sua obtenção, a hibridação entre espécies, é o mesmo utilizado para a “cana energia”, porém, com objetivos diferentes.  

Sua obtenção visa otimizar a produção de açúcar e etanol de primeira geração, mas ao mesmo tempo, não permite alcançar a mesma quantidade de fibras e biomassa que a “cana energia”. Em resumo, podemos afirmar que a “supercana” é qualquer coisa estabelecida entre a “cana tradicional” (S. officinarum) e a “cana energia” (cana híbrida). 

Se a “supercana” será um case de sucesso, ainda não sabemos! Assim como tem ocorrido com o etanol de segunda geração, será preciso esperar para que o tempo revele os resultados. O sucesso desse projeto dependerá da colaboração dos produtores e empresários, e de um estudo mais aprofundado sobre a viabilidade econômica de sua utilização.