O pioneiro na eliminação da queima da cana e na transformação de canaviais em um ambiente propício para a produção de açúcar orgânico está irrequieto.
O avanço foi grande. A produtividade aumentou e houve ganho com a biodiversidade, mas ele acredita que dá para evoluir muito mais.
Leontino Balbo Júnior, que desde 1988 busca novas formas de manejo dos canaviais das fazendas que compõem o grupo Balbo, em Sertãozinho (SP), tem novas ideias.
Entre elas, a busca de uma multifuncionalidade para as áreas de cana. “É esquisito uma linha de cana de 1,5 metro e não ter nada no meio.”
Com o desenvolvimento de máquinas especiais, é possível a utilização desse espaço com o plantio de outras culturas, como especiarias. Balbo acredita, ainda, em uma perenização doscanaviais.
Mas tudo isso passa por um único caminho: o solo.
Tecnologia e novas variedades são importantes, mas o solo é o principal fator.
E o solo está doente em boa parte das áreas do planeta, avalia.
Balbo não está só nessa luta. Em um recente seminário em Cuiabá (MT), a plateia ouviu atenta o relato de produtores de que a agricultura está no rumo errado. Só se pensa em novas variedades de sementes e de produtos químicos, em vez da busca de manejo adequado do solo.
“Descobri que a vida do solo é a vida das plantas”, diz. O solo é importante para o ciclo hidrológico. Mudança climática não é só emissão de gás e efeito estufa. É preciso olhar o ecossistema como um todo, afirma.
O solo é responsável por prover serviços ambientais e dar sustentação à vegetação. É um universo para seres vivos.
“Quando se utiliza muito insumo químico, o solo não cumpre ou cumpre muito pouco com as suas funções ambientais. É preciso mudar da produção de abundância para a de eficiência”, diz.
Partindo de um solo revitalizado, o grupo Balbo quebrou alguns paradigmas do setor. Normalmente, a produtividade da cana cai em cinco ou seis anos e há uma renovação doscanaviais.
Alguns talhões dos canaviais do grupo Balbo já estão com 14 cortes, sem a renovação. É possível chegar a 20 cortes, acredita ele.
A produtividade média das fazendas do grupo é de cem toneladas por hectare, 25% mais do que a média de São Paulo. O grupo administra 21 mil hectares de cana.
E agora?
“Atingi o sonho de colher cana crua. E agora?”, pergunta Leontino.
Ele percebeu que tinha algo a mais e que a natureza tem um sistema de produção. Mudou o foco, olhando mais para o solo. Balbo adotou métodos naturais de produção animal e vegetal, que são mais econômicos e produtivos.
Ele apresentará esses resultados obtidos com uma produção natural nos últimos 25 anos em um seminário em 18 e 19 deste mês, em Ribeirão Preto (SP).
Palha
Todo o processo de decomposição da palha começa com micro ácaros e passa por uma interação entre vários insetos. “Por isso, não posso mexer com a palha”, diz ele.
O solo é grumoso e esse grumo é composto por uma colagem entre argila e saibro. A exposição e a compactação faz com que essa cola perca a validade, dificultando a infiltração de água. A reconstrução do solo dá condição permanente de vida à planta.
A agricultura revitalizadora faz a diferença, muda o sistema e coloca um processo biológico em ação. Esse processo se torna cada vez mais autônomo e passa a ser o responsável pela produção.
A planta tem um sistema imunológico que só é ativado quando recebe alimentação de fontes biológicas, afirma.
Para entender melhor a evolução produtiva da natureza, ele procurou saber como foi a sucessão ecológica lá trás para “dar um passo à frente”, diz.
Estudou os grandes pesquisadores e pensadores e buscou completar os pontos em branco deixados pelos estudos. Estudou a importância das rochas vulcânicas na agricultura, um processo que passou a utilizar nas suas lavouras por meio da adição de rocha moída. Viu que há uma intensa integração entre minerais e organismos vivos.
O sistema que vem sendo adotado nas lavouras do grupo aumenta o nível de vitalidade dos seres, tanto da cana como de animais. As onças da região têm de dois a três filhotes, acima da registrada em outros ambientes, diz Balbo.
A ausência dos produtos agroquímicos e a constância da estrutura do canavial dão um habitat para os animais. O mais recente levantamento indicou 340 vertebrados e 547 espécies diferentes de insetos nas fazendas do grupo.
Produtividade
A reconstituição do solo resulta em maior produtividade. Nos oito primeiros anos de plantação orgânica, enquanto os microrganismos não estavam adaptados, a produtividade era típica de plantio convencional. A partir dos oito anos, o cenário mudou e 40% das áreas produziram 140 toneladas no primeiro corte; 120 no segundo; e 90 no terceiro. No quarto, a produção voltou a subir.
“Não é a planta que se degrada, mas os fatores externos. Descobri que havia uma interação biológica, e a estrutura do solo era comum”, diz Balbo.
Há planta que absorve as toxinas que a cana libera no solo ano após ano. Além disso, o fim da queima da cana cria ambiente para espécies que são predadoras de pragas.
A reconstrução da bioestrutura do solo elevou a qualidade das águas, dando condições melhores para capivaras, raposas, lobo guará, onças e tamanduás bandeira e mirim. Os animais encontram comida e se instalam.
Fonte: (Folha de S.Paulo)