Agricultura

Pesquisa do IAC registra pela 1ª vez transmissão da bactéria causadora da escaldadura das folhas da cana por um inseto vetor

Principal doença bacteriana na cana-de-açúcar é transmitida pela cigarrinha-das-raízes

Cigarrinha, uma das piores pragas da cana-de-açúcar
Cigarrinha, uma das piores pragas da cana-de-açúcar

Pesquisa inédita realizada pelo Instituto Agronômico (IAC) mostrou que a bactéria causadora da escaldadura das folhas da cana-de-açúcar, a principal doença bacteriana desta cultura, é transmitida pela cigarrinha-das-raízes. O inseto vetor carrega a bactéria Xanthomonas albilineans e a transfere para plantas sadias, transmitindo essa doença que não tem controle e, na maioria das vezes, é assintomática.

De acordo com a pesquisadora do IAC, Silvana Creste, com essa descoberta, o desenvolvimento de variedades resistentes à cigarrinha-das-raízes pode ser uma das estratégias para controlar a escaldadura das folhas. “Essa descoberta traz um novo olhar em relação à praga e também à doença porque nos possibilitou saber que a cigarrinha, além de ser uma das principais pragas da cana, carrega também um inimigo oculto da cana”, diz.

A bactéria, ao colonizar principalmente os vasos de xilema, dificulta a absorção de água e seiva bruta pela planta. Os danos incluem baixa germinação das gemas, queda na produtividade e no teor de açúcar da cana, além de redução na longevidade dos canaviais. Os prejuízos dependem da variedade, ciclo da cultura, idade do canavial, condições ambientais, agressividade do isolado da bactéria e da interação entre todos esses fatores.

“Em variedades suscetíveis, a doença provoca a morte das gemas/brotos e, consequentemente, da planta”, afirma a pesquisadora do IAC, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Além da equipe do IAC, participaram os professores da Unesp Jaboticabal, Guilherme Duarte Rossi, da Esalq, Claudia Barros Monteiro-Vitorello e Luis Eduardo Aranha Camargo, do Instituto de Botânica/USP, Marie Anne Van Sluys, a pós-doc FAPESP, Andressa Peres Bini, a engenheira agrônoma da FUNDAG, Izadora Farina Pastore, e as mestrandas da Unesp Jaboticabal, Carolina Veluci Brondi, e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP, Marina Carnaz Duarte Serra.

A descoberta dessa transmissão foi publicada na revista científica Journal of Insect Science e está disponível no link  https://doi.org/10.1093/jisesa/iead116. Os projetos que viabilizaram essa descoberta foram financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pela Fundação de Apoio à Pesquisa Agrícola (FUNDAG).

Fases seguintes de estudos

As próximas etapas da pesquisa visam avaliar se outras espécies da cigarrinha-das-raízes que infestam a cultura da cana-de-açúcar também são hospedeiras de Xanthomonas albilineans. Pretende-se também estabelecer novas estratégias de manejo para a praga e a doença, visto que, atualmente, se preconiza o uso de mudas sadias e desinfecção de instrumentos de corte no plantio e na colheita.

De acordo com a pesquisadora, uma vez infectada, uma variedade só pode ser recuperada por meio da limpeza clonal em laboratórios de cultura de tecidos, seguida da checagem da sanidade por meio de métodos avançados de biologia molecular em laboratórios. A Unidade laboratorial de referência do Centro de Cana IAC, em Ribeirão Preto, é o único laboratório no Brasil com tecnologia ultrassensível para detectar a presença dessa bactéria em cana.

“Desenvolvemos essa tecnologia há cerca de uma década, quando percebemos que os materiais com intenção de plantio não apresentavam sanidade suficiente para entregar alta produtividade ao longo de ciclos de cultivo de uma variedade, comenta Silvana Creste.

A partir do desenvolvimento das tecnologias de checagem da sanidade, Silvana e equipe desenvolveram a tecnologia INVICTA IAC, que consiste na produção de mudas em laboratório de cultura de meristema, em que a sanidade para as doenças transmitidas por mudas são certificadas por técnicas de biologia molecular, além da identidade genética atestada por fingerprint de DNA.

A pesquisadora relata que a descoberta só foi viabilizada pela tecnologia INVICTA. “Nós tínhamos convicção de que havíamos entregado mudas sadias ao produtor, quando identificamos a ocorrência de escaldadura nos viveiros. No histórico desse viveiro não havia prática do uso de instrumentos mecânicos – até então descritos como a única forma de transmissão da doença – porém houve alta infestação de cigarrinha das raízes nessa área. Tivemos um novo olhar, desenhamos um novo projeto focado nessa constatação e acabamos por desvendar essa transmissão”, relata a cientista do IAC.

Conhecer os métodos de transmissão da doença permite definir estratégias para evitar sua ocorrência ou minimizar os danos por ela causados. A pesquisa ainda não gerou uma recomendação para controle da doença, mas a cientista afirma que a descoberta abriu uma nova oportunidade para debates, focando em estratégias de manejo para seu controle em viveiros de mudas e em canaviais, visando reduzir os prejuízos.