Safra 2024/25

Queimadas: a ameaça constante aos produtores de cana

Incêndios na região de Ribeirão Preto-SP causam grandes prejuízos e preocupação entre agricultores

Queimadas: a ameaça constante aos produtores de cana

Onde há fumaça, há fogo. E onde há queimada, há prejuízo para o produtor de cana-de-açúcar. Essa dura realidade foi vivida por diversos produtores na região de Sertãozinho, SP, nesta quinta-feira (22), quando um incêndio de grandes proporções devastou parte das propriedades, trazendo não apenas fumaça, mas perdas significativas que ainda estão sendo calculadas.

Na ocasião, um incêndio se alastrou rapidamente por uma área de canavial próxima à Rodovia Armando de Sales Oliveira (SP-322). As chamas obrigaram a evacuação imediata das sedes e casas localizadas nas propriedades atingidas. Funcionários do Bio Parque Santa Elisa, localizado nas proximidades, também tiveram que suspender suas atividades e evacuar o local como medida de segurança.

“Tentamos combater o fogo, mas com a seca e o vento forte, pouco pôde ser feito. A única coisa que conseguimos foi salvar a sede, onde estavam meus pais, funcionários, crianças, e graças a Deus ninguém se feriu”, declarou produtor Marco Guidi, que inalou muita fumaça durante a tentativa de combater o incêndio e precisou ficar hospitalizado por três horas.

“Tenho uma propriedade que foi queimada e não sei se a cana vai brotar novamente, pois a camada de húmus na terra, que se forma a partir da palhada ao longo dos anos, foi completamente destruída pelo fogo. Isso cozinha a soqueira de cana, e não sei se terei cana no próximo ano. O prejuízo ainda é incerto, mas a área de muda, onde investi R$ 40 mil em adubo líquido, foi perdida. Não perdi só o adubo, mas também as mudas, e agora não sei o que vou plantar no ano que vem. É uma propriedade que considero inoperante. Esse é o resultado do fogo que começou a 3 quilômetros de distância e foi se espalhando”, relatou.

Marcos Paulo Meloni, proprietário dos sítios São Pedro e São Luiz, ainda não tem dimensão do seu prejuízo. “A nossa cana estava em palha e, por conta da seca, estava difícil de brotar. Agora, com o fogo, é impossível. Aqui, só com reforma, e nem imagino quanto vai custar. Este ano, o custo médio por alqueire foi de R$ 24 mil, e no ano que vem, não sei como será”, lamenta o produtor.

Já o produtor José Rogério Sanches Soto teve um pouco mais de sorte. Apesar do desespero, ele e sua equipe conseguiram apagar o fogo na área de reserva, que estava próxima às casas.

O produtor Gabriel Merlo Galdeano, que não teve sua propriedade atingida, foi um dos primeiros a perceber o incêndio. “Estava trabalhando na lavoura quando vi o fogo e já avisei o grupo da Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo (Canaoeste) PAM (Plano de Auxílio Mútuo). Logo depois, outro foco surgiu, e o fogo se espalhou rapidamente, atingindo a mata, a cana e a palhada. É muito triste”, relatou, suspeitando que o incêndio tenha sido criminoso.

O Plano de Auxílio Mútuo (PAM), mencionado por Galdeano, é um programa que estabelece medidas e ações coordenadas para minimizar os riscos e combater incêndios. Segundo Almir Torcato, gestor executivo da Canaoeste, a associação disponibiliza para seus membros um sistema de monitoramento das áreas via satélite.

“Quem combate ao incêndio é o plano integrado entre os produtores, utilizando informações de satélite. Além das propriedades dos associados, monitoramos também algumas áreas públicas”, explica Torcato.

Ele enfatiza que o produtor não tem interesse algum em incendiar a cana, uma prática que foi abandonada desde as décadas de 2017, quando era utilizada na colheita. Hoje, o processo é totalmente mecanizado. “Atualmente o setor como um todo não mede esforções para o combate aos focos de incêndio, pois além de prejudicar o meio ambiente, causa um enorme prejuízo financeiro”, acrescenta.

Ele também chama a atenção para o clima seco nesta época do ano, que favorece a proliferação de incêndios. Torcato destaca a importância da conscientização sobre os cuidados necessários nas áreas próximas à cidade, como evitar o descarte de cigarros, a realização de churrascos e outras atividades que possam gerar faíscas e resultar em incêndios desastrosos, como o que ocorreu na quinta-feira.

Nesta sexta-feira (23), a associação divulgou uma nota de repúdio e esclarecimentos acerca dos incêndios criminosos que vêm atingindo imóveis rurais da região. No documento, reforça a informação que os incêndios não são provocados pelos produtores de cana-de-açúcar e tampouco pelas usinas e isso se dá por várias razões, grande parte delas evidenciada no protocolo “Etanol Mais Verde”, firmado em 2017 entre produtores, usinas e o Governo do Estado de São Paulo, onde deixaram claro e afirmaram o compromisso do setor com a preservação do meio ambiente e com a extinção da queimada como método de colheita da cana.

“Um canavial atingido por incêndio pode se deteriorar significativamente dentro de poucos dias ocorrendo perdas da qualidade dos açúcares, aumento da presença de impurezas e a decomposição dos tecidos vegetais da matéria prima, tornando a cana inadequada para o processamento industrial. O incêndio na palhada é também altamente prejudicial, acarretando principalmente perda de matéria orgânica dos solos, perda da biodiversidade dos solos e compactação”, informa a associação.

Além disso, aponta que os incêndios trazem prejuízos econômicos diretos aos produtores rurais, trazendo diversas implicações legais, com aplicação de multas de valores elevados, partindo de R$ 1.000,00 por hectare de cana queimada, indo até R$ 7.000,00, por hectare de vegetação nativa queimada, isso quando não há incidência de agravantes, o que pode levar a duplicação ou triplicação desses valores, tudo sem prejuízo da obrigação de reparação dos danos ambientais e responsabilização criminal.

“Sabendo de todos esses prejuízos fica a pergunta: quem em sã consciência colocaria fogo em sua própria casa? Sabendo de todos os riscos e prejuízos que podem ocorrer, você atearia fogo em seu próprio canavial?”, pergunta Torcato.

A associação destaca ainda que estamos enfrentando uma verdadeira catástrofe climática conhecida como “triplo 30”, que é composta pela conjunção de três fatores climáticos:

  1. umidade relativa do ar abaixo de 30%;
  2. ii) temperaturas acima de 30°C e
  3.  iii) ventos acima de 30 km/hora. Além desses eventos que favorecem a ocorrência de incêndios e sua propagação, de modo a tornar quase impossível o efetivo controle pelas brigadas de incêndio das unidades industriais e dos produtores, importante destacar que nossa região está há aproximadamente 100 (cem) dias sem um volume de chuva significativo.

“Pedimos desesperadamente o apoio da população e das autoridades para apuração dos responsáveis por tais atos criminosos e apoio do corpo de bombeiros para combate aos incêndios. Rogamos ainda à Polícia Militar Ambiental que siga os estritos termos das legislações vigentes, responsabilizando apenas quando houver efetiva comprovação do nexo de causalidade, sob pena de punirem injustamente o produtor que já vem sofrendo inúmeros prejuízos”, conclui a associação.

A ORPLANA (Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil) – que conta, atualmente, com 33 associações de fornecedores de cana e representa mais de 12 mil produtores de cana-de-açúcar – também se manifestou sobre os incêndios.

“A organização e seus associados seguem rigorosamente as diretrizes do Protocolo Agroambiental – Etanol Mais Verde, que proíbe o uso de fogo na colheita de cana no Estado de São Paulo. Além disso, apoiam a campanha de combate e prevenção a incêndios da ABAG/RP (Associação Brasileira do Agronegócio da Região de Ribeirão Preto), que trabalha proativamente contra as ocorrências de fogo no campo, e esclarece que os produtores de cana-de-açúcar e as usinas não são os responsáveis pelos incêndios e, sim, que atuam para afastar o fogo de suas produções”, comentou.

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