Agricultura

Álcool brasileiro lidera uma retomada do biocombustível

Quando a Royal Dutch Shell PLC anunciou a criação de uma joint-venture de US$ 12 bilhões com a produtora de etanol Cosan Ltda., no ano passado, deu um enorme voto de confiança a um setor que estava cambaleante fazia alguns anos.

Depois de um grande período de expansão em meados da década passada, os biocombustíveis foram atingidos duramente pela recessão mundial, embora tenham começado a se estabilizar recentemente. As preocupações com emissões de gases do efeito estufa, com as altas constantes do petróleo e com a segurança energética fizeram com que os biocombustível deixassem de ser um nicho e se tornassem uma indústria mundial que atraiu quase US$ 650 milhões em capital de risco no ano passado. A produção mundial cresceu de 16 bilhões de litros em 2000 para mais de 100 bilhões de litros ano passado. A Shell afirma que os biocombustíveis podem responder por at é 20% de todos os combustíveis de transporte daqui a 30 anos, ante os atuais 3%.

Mas, ao mesmo tempo em que fez uma grande aposta no álcool combustível, a Shell recuou de investimentos mais ambiciosos como produzir diesel de algas e converter biomassa em líquido.

Isso reflete um cálculo realista de que essas tecnologias de ponta ainda vão levar anos, talvez décadas, para se tornarem viáveis comercialmente. O diretor de produtos acabados da Shell, Mark Williams, reconheceu numa atualização de estratégia empresarial divulgada ano passado que a Shell enfrentava “a dificuldade de elevar a escala desses biocombustíveis avançados”.

Alguns criticaram a Shell por assumir poucos riscos. Michael McNamara, diretor de análise de novas energias do banco de investimentos Matrix Group, discorda. “No fim das contas, se você consegue garantir uma matéria-prima barata e usa tecnologia pouco empolgante para torná-la uma gasolina de custo competitivo, por que não fazer isso?”

O primeiro biocombustível foi o etanol, produzido a partir da fermentação dos açúcares obtidos de matéria vegetal. O Brasil o produz há décadas a partir da cana-de-açúcar.

Mas a alta acentuada ano passado na cotação de vários produtos agrícolas usados na sua produção, como milho e trigo, gerou uma forte reação política. Um resultado é que se tem investido muito mais na chamada segunda geração de biocombustíveis que, diferentemente do etanol, não afetam tanto a produção de alimentos. Em vez disso eles usam matérias-primas como algas, esgoto e outras gramíneas, como a miscanthus.

A tecnologia de conversão evoluiu muito. Mas apesar de já existirem alguns protótipos de produção de biocombustível de segunda geração, ainda não foram construídas instalações de conversão em escala industrial. Muitos analistas preveem que isso não acontecerá antes de 2014.

“É uma possibilidade extremamente atraente”, disse McNamara. “Mas só pode acontecer em escala comercial se for econômico: e não é – ainda.”

Isso suscitou temores de que problemas técnicos e de custo podem impedir que os biocombustíveis avançados se tornem uma fonte viável de energia, no mesmo nível que a solar e a eólica. Preocupações como essas podem retirar do setor o tipo de apoio empresarial e governamental que o permitirá crescer.

Uma questão importante é o desafio de construir do zero a cadeia de suprimento. “Tem se revelado difícil desenvolver a matéria-prima a um custo aceitável”, diz Susan Hansen, analista de tecnologia limpa do Rabobank International. “E também há outro problema: onde você planta lavouras como a de miscanthus? Como organizar a logística e o transporte do produtor para a usina de processamento?”

Das maiores petrolíferas do mundo, a Shell sempre foi uma das investidores mais agressivas em alternativas verdes à gasolina e ao diesel, juntando um dos maiores portfólios do setor de projetos de pesquisa e desenvolvimento de biocombustível. Ela gasta atualmente cerca de US$ 1,3 bilhão por ano com P&D, com uma fatia significativa disso indo para biocombustível.

A Shell já investiu numa empresa canadense de etanol de celulose chamada Iogen Energy Corp., numa empresa americana iniciante de biocombustíveis chamada Codexis Inc. e na também americana Virent Energy Systems, que transforma açúcar da grama switchgrass ou de palha de trigo em combustíveis.

Mas a petrolífera recuou de alguns investimentos nos últimos meses. Ela vendeu em 2009 sua fatia na Choren, uma empresa alemã que transforma biomassa em líquidos, depois que ficou evidente o custo de aumentar a escala da cara tecnologia de gaseificação da empresa. “Percebemos que a escala dessas fábricas seria muito, mas muito grande mesmo”, disse Mark Gainsborough, diretor de energia alternativa da Shell. No ano passado ela abandonou um empreendimento para transformar algas em diesel chamado Cellana.

Em vez disso, ela optou por apostar pesado no etanol de cana-de-açúcar. Ela anunciou em fevereiro do ano passado a joint-venture com a Cosan, de Barra Bonita, SP, a maior produtora mundial de etanol dessa fonte. A decisão deu à Shell exposição ao gigantesco mercado brasileiro de biocombustível, onde mais de 80% dos carros novos vendidos podem rodar com qualquer mistura de álcool e gasolina, e 21% das fontes energéticas dos transportes são biocombustíveis, ante 4% nos EUA.

“Reconhecemos que passar à produção em larga escala [de biocombustíveis avançados] seria um salto grande demais para se fazer de uma vez”, disse Gainsborough. Em vez disso, a Shell preferiu se expandir em biocombustíveis convencionais e usar isso como plataforma de lançamento para tecnologias mais avançadas. “Dá para aprender mais rápido se você faz isso com base numa infraestrutura já existente”, diz.

Parte da lógica da sociedade é que a Shell pode usar as instalações da Cosan para desenvolver a tecnologia da Codexis e da Iogen. Um exemplo seria us ar o bagaço da Cosan – as sobras fibrosas do esmagamento da cana – como matéria-prima de etanol de celulose. Atualmente um terço do potencial energético da cana-de-açúcar usada pela Cosan é desperdiçado nas partes da planta que nunca são processadas.

A Shell não é a única petrolífera a apostar pesado no setor alcooleiro do Brasil. A BP PLC comprou mês passado 83% da Companhia Nacional de Açúcar e Álcool, ou CNAA, por US$ 680 milhões. Como a Shell, a BP espera um dia poder exportar etanol brasileiro para os EUA, a Europa e a Ásia, onde o uso de biocombustível deve aumentar à medida que esses países começam a reduzir suas emissões de gases do efeito estufa.

Barreiras tarifárias praticamente fecham o mercado americano para o etanol do Brasil e de outros países. Mas a Shell espera que um dia elas serão removidas. “A lógica delas está sendo cada vez mais questionada pelas autoridades e pelos que determinam as tarifas”, disse Gainsborough. “Os biocombustíveis deveriam ir p ara os mercados em que valem mais.”