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Agonia do livre comércio?

No próximo sábado, no ambiente propício do Rio de Janeiro, o chanceler Celso Amorim deverá encontrar a representante comercial dos EUA, Susan Schwab, apenas seis dias após o malogro da Rodada Doha. A inflexível posição de Washington quanto aos subsídios aos agricultores será o principal tema do encontro. O ministro brasileiro insistiu em que é preciso conversar para deter o “catastrofismo de que tudo acabou”. Amorim lembrou que foram vários os convites para a visita de Schwab, mas ela só aceitou após a suspensão das negociações.

Ao suspender por tempo indeterminado a Rodada, Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), resumiu: “Somos todos perdedores”. Era una boa síntese da atmosfera hostil que imperou em Genebra. A troca de acusações entre europeus e americanos dispensou até a linguagem diplomática. O Brasil tem muito a perder neste confronto. Manter apenas as normas da Rodada Uruguai, concluída em 1995, significa manter o uso arbitrário de medidas protecionistas, seja pela UE, seja pelos EUA, que têm suficiente reserva de poder para impô-las.

Convém lembrar que nas normas da Rodada Uruguai, tribunais da OMC proferem sentenças, que permitem aplicação de sanções, que não são usadas. Em outras palavras: no atual sistema, contra os grandes é possível até ganhar no tribunal, mas “não se leva”. Retaliações são muito pouco vantajosas, e sempre é melhor negociar novamente. Vale lembrar o alerta do editorial do Financial Times de que “minoria protecionista” impôs sua vontade porque a negociação da Rodada ficou “espremida entre ativistas piedosos e lobistas impiedosos”. Exatamente como os países ricos desejavam.

O que está em jogo na Rodada Doha é a construção eficiente de um sistema de comércio multilateral. Construí-lo era o próprio sentido da história da OMC. Essa organização nasceu no final dos anos 40 e até a conclusão da Rodada Uruguai tinha o nome de Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT). De 1985 a 1995, a tentativa de dar normas para o comércio internacional, com todas as idas e vindas, ficou com o nome de Rodada Uruguai, que quando concluída se transformou em OMC.

Desde 2001, tentou-se um passo mais ambicioso, liberar o comércio internacional, principalmente o de produtos agrícolas vítimas de pesados subsídios dos países ricos. Os pobres ganhariam muito com a abertura dos mercados dos grandes compradores, que seria bem mais eficiente para gerar desenvolvimento do que qualquer ajuda humanitária. No encontro de Cancún, México, em 2003, os países emergentes juntaram esforços para enfrentar o bloco dos ricos, com a formação do G-20. Na reunião de Doha, em 2004, este grupo levou a melhor e definiu regras para a continuidade das negociações, em especial prazos. O jogo ficou pesado e europeus e norte-americanos passaram adiar toda decisão no rumo da liberação plena do comércio. Preferiam impor acordos bilaterais, sempre mais vantajosos para o mais rico.

O Itamaraty tem razão em agir com cautela quanto a açodadas pressões, neste momento, por acordos bilaterais após o fracasso da Rodada Doha. Alguns países foram muito hábeis neste tipo de acordo, caso do México ou do Chile, mas o contexto mudou depois da consolidação do poder comercial da China. Aceitar este fato não significa assumir uma posição de inércia. A iniciativa das lideranças do agronegócio brasileiro de que chegou a hora do Brasil “engrossar com os EUA” e exigir o cumprimento das decisões da OMC no açúcar e algodão tem sua razão de ser. A indústria pediu acordos bilaterais, mas sabe que as tarifas de 35% são o limite da OMC, e portanto uma redução significará perda de mercado interno.

A rigor, o Brasil deve optar entre retomar as negociações de Doha sem ambição de abrir o mercado agrícola, ou manter a exigência e adiar para quando for possível algum acordo. Os EUA acenam que este novo prazo pode ser julho de 2008, com um novo “mandato para negociar” do Congresso para o Executivo. É uma escolha e dela deveriam participar mais os empresários interessados.

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