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Agência dos Agronegócios

Crise não falta atualmente na agropecuária. Após três anos virtuosos, de elevado crescimento da produção, do emprego e da renda rural, chega notícia ruim uma atrás da outra. Parece castigo.

Logo no início de 2005, a seca assolou a lavoura gaúcha e, de resto, afetou boa parte da safra do Centro-Sul.

No mesmo período, as culturas da soja e do algodão viram seus preços internacionais recuar fortemente, enquanto o real se valorizava ante o dólar. Houve um baque na rentabilidade.

Os uruguaios aprenderam com os gaúchos e entupiram o mercado brasileiro de arroz, fazendo o preço despencar. No milho, a saca colhida não compensa a produção. O greening, a mais mortal das doenças citrícolas, chegou apavorando os laranjais.

Amargando ciclo de baixa há três anos, período em que a arroba do boi bateu recorde negativo, o gado se preparava para arribar quando foi abatido pela aftosa. Como desgraça pouca é bobagem, não apenas um, mas vários focos de vírus se descobriram escondidos na incompetência governamental, entremeada com a esperteza do pecuarista. Um azar anunciado.

Por sorte, o temor do efeito estufa e a alta do petróleo valorizam o álcool combustível em todo o mundo, aquecendo a atividade canavieira.

E o café soube, mesmo na baixa, investir em qualidade e ganhar novos consumidores, dando a volta por cima. Ufa, nem tudo é desgraça.

Faltam estímulo e sossego político na roça. O agricultor perdeu o sono desde que o MST radicalizou, invadindo fazendas produtivas. A ação dos revolucionários de araque não entra na cabeça do pacato trabalhador rural.

Quando, então, o presidente da República veste o boné da confusão e abraça o marginal, cria uma conivência que espanta o bom senso.

Quem anda pelo País e sente o pulso do agricultor brasileiro percebe que ele se encontra reticente, desconfiado, desanimado. Mesmo calejado e enrijecido pela labuta árdua, está machucado em seu brio.

O produtor rural está cansado de enfrentar crise.

Entre as lideranças cresce uma dúvida antiga: com tanta tecnologia e informação, nesse mundo globalizado e sabido, não será possível escapar dessa sina, prevenindo as crises? Será que sempre se continuará a trabalhar com o efeito perverso das crises, sem nunca conseguir impedi-las? Nessa questão reside a agenda do futuro na agropecuária. Ao invés de lamentar as crises, consertando seus estragos, mais vale planejar com antecedência seu enfrentamento, amenizando suas conseqüências para os produtores e a sociedade. Vale para o governo tanto quanto para as cadeias produtivas.

A somatória de azares e desastres que pressionam a agropecuária, culminada com o recente surto de aftosa, bateu no teto. A irritação com a lerdeza do governo em tomar decisões chegou ao limite. O agricultor está perplexo.

Suas lideranças se angustiam sem enxergar ações concretas, e rápidas, em defesa da produção rural.

Nesse contexto, brota uma idéia, surge uma luz. Nasce na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados a proposta de criação da Agência Reguladora do Agronegócio. Qual seria o papel da agência? Realizar o velho sonho dos economistas rurais: garantir a renda agregada e o nível de emprego na agropecuária.

Suas principais ações seriam:

? Monitorar as relações de troca do setor e as tendências do mercado, analisando o comportamento dos preços recebidos e pagos pelos agricultores;

? arbitrar conflitos de interesses dentro das cadeias produtivas, zelando pelos contratos e evitando o efeito deletério dos oligopólios sobre os pequenos produtores;

? decidir, nos momentos de crise, natural ou econômica, sobre prorrogação de débitos, financiamentos e seguro rural;

? controlar o abastecimento e os estoques reguladores, incluindo a importação e exportação de produtos;

? manter banco de dados para abastecer o setor com informações confiáveis sobre custos e margens de rentabilidade; Alguém poderia perguntar: mas para isso tudo não serve o Ministério da Agricultura? A resposta é, claramente, negativa. O Estado brasileiro, independentemente do governo de plantão, perdeu eficácia. E, no caso da agropecuária, não funciona com a celeridade exigida no ritmo dos processos biológicos. Daí a proposta da agência reguladora, operacional, autônoma diante do jogo de interesses políticos.

Embora sempre prestigiado, a realidade mostra que o ministro da Agricultura pouco apita quando se trata de convencer as autoridades da Fazenda. Os economistas oficiais, citadinos sempre, teimam em desconhecer a natureza cíclica da atividade rural. Isso quando não menosprezam as demandas ruralistas, considerando-as chororô de barriga cheia.

Será realizada amanhã, em Brasília, importante reunião, pública, para lançar as bases da agência. A inflexão da política é notória: após década discutindo o endividamento rural, investe-se agora em formas de evitá-lo. Sai do prejuízo e se busca uma agenda positiva, que aponta o futuro.

As lições do passado servem para todos, governos e entidades, políticos e técnicos, além dos próprios agricultores. Chega de sofrer, a maioria, ou tirar vantagem das crises, os oportunistas. Garantir rapidez e eqüidade na decisão pública exige senso de justiça e ousadia. Assim, um dia o Brasil poderá dizer que construiu uma verdadeira política agrícola, sustentável e justa.

E colocou os remendos na lixeira da História.

Xico Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995) e secretário da Agricultura de São Paulo (1996-98). E-mail: xico@xicograziano.com.br.

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