A sucessão familiar no agronegócio é um processo que envolve a transferência de liderança e gestão de uma propriedade rural de uma geração para outra. É essencial que este processo seja planejado com antecedência e conduzido com cuidado para garantir a continuidade das operações e a preservação do legado familiar. Os herdeiros devem buscar profissionais especializados em direito agrário e sucessório, que possam orientar sobre as melhores práticas e estratégias legais para uma transição suave. Nesta entrevista, o advogado Ulisses Simões, do LO Baptista, explica como deve ser o planejamento sucessório.
– O que é o planejamento sucessório na prática?
Em resumo, o planejamento sucessório pode ser compreendido como a adoção de práticas e/ou a realização de atos ou negócios jurídicos com o objetivo de antecipar e/ou facilitar a transmissão do patrimônio de uma pessoa quando do falecimento desta, otimizando custos e preservando este patrimônio. No caso específico do agronegócio, o planejamento envolve cuidados com a transmissão não apenas das propriedades em si, mas também do controle e administração dos estabelecimentos rurais/unidades de negócio, de modo a evitar possíveis disputas entre os herdeiros e resguardar a continuidade das atividades implementadas ao longo de anos de trabalho, perpetuando o negócio no decorrer das gerações.
– Como é o cenário atual no Brasil em relação ao planejamento sucessório, em especial, no agro?
Apesar do crescente crescimento no número de famílias atuantes no agronegócio em busca de mecanismos para profissionalização de suas atividades e planejamento sucessório, ainda há bastante resistência em tratar de morte/sucessão e muitas famílias indicam não ter o conhecimento adequado sobre o tema. A ausência de interesse dos herdeiros em prosseguir com os negócios e/ou a falta da necessária preparação destes, bem como a necessária profissionalização da gestão dos negócios (com ferramentas de governança e contratação de profissionais não-familiares) são outros dos desafios a serem enfrentados.
– Há um número de empresas do agro em fase de transição? Há dados neste sentido?
Em pesquisa divulgada pela Fundação Dom Cabral sobre Governança e Gestão de Patrimônio das Famílias do Agronegócio em 2021, por exemplo, constou que 35% das famílias entrevistadas já tinham definido a forma de sucessão do patrimônio familiar, 31% estavam em processo de elaboração desse mecanismo, enquanto 33% não tinham iniciado qualquer medida A PwC, por sua vez, divulgou estudo no mesmo ano indicando que as empresas familiares que documentaram o planejamento de sucessão equivaliam a 24% no Brasil e 30% no exterior. Dados do IBGE também revelam que apenas 30% dos familiares chegam à 3ª geração e 15% sobrevivem a esta.
– As empresas brasileiras do agro têm a cultura da “passagem do bastão”?
Sim, como pontuado no próprio estudo acima indicado, a sucessão no agronegócio ainda ocorre em sua maior parte de pai para filho, sendo que apenas 5% das famílias consultadas consideravam delegar a gestão dos negócios para alguém fora da família. Na nossa prática profissional, identificamos igualmente este cenário.
– Há exemplos recentes de planejamento sucessório no segmento que possa comentar aqui?
Grande parte das famílias e empresas familiares conduzem esse planejamento sucessório de forma sigilosa e/ou reservada aos familiares e profissionais envolvidos, o que dificulta opinarmos sobre casos em que atuamos e sobre casos de planejamento divulgados na mídia (p.e. Sucessão inteligente no agronegócio: veja exemplos de sucesso (globo.com). Recentemente, por exemplo, atuamos na condução de um inventário cujo falecido deixou uma série de propriedades rurais que constavam em seu nome (pessoa física) e dívidas oriundas de linhas de créditos relativos à atividade agrícola, cuja resolução poderia ser simplificada caso tivesse ocorrido o planejamento dessa sucessão.
– Por que é preciso incentivar o planejamento sucessório neste segmento?
Para facilitar a transição dos negócios entre as diferentes gerações e aumentar as chances de o negócio se perpetuar, com a manutenção do negócio, know-how e tradição acumulados durante os anos de trabalho.
– Qual a importância do planejamento sucessório familiar?
Além de facilitar a transição dos estabelecimentos rurais, o planejamento visa reduzir/otimizar os custos envolvidos na transmissão de bens, e profissionalizar a gestão dos negócios, evitando o ingresso de herdeiros que não tenham interesse ou aptidão de participar dos negócios, por exemplo.
– Quais são os passos para isso acontecer?
Há uma série de passos/medidas que podem ser adotados no desenrolar de um planejamento sucessório. O primeiro deles é, justamente, buscar assessoria jurídica para conhecer as ferramentas disponíveis e, a partir da compreensão de cada realidade familiar e respectivo negócio, estabelecer um plano de ação para profissionalizar a gestão das unidades e a sucessão futura, com, por exemplo, a criação de empresas para gestão do patrimônio, a elaboração de acordos entre os familiares, a contratação de gestores profissionais, a elaboração de testamentos e a realização de doações.
-Tem um tempo ideal para começar?
O quanto antes. É importante aproveitar momentos de harmonia familiar e em que o líder do negócio esteja em plenas condições de saúde para implementar seu planejamento sucessório.
– Quais são os principais desafios para a sucessão familiar no campo?
Superar a resistência por parte das pessoas envolvidas e implementar ferramentas que viabilizem a transmissão do negócio por diferentes gerações, o que, na maior parte dos casos, não ocorre no país. Para isso, é fundamental garantir a preservação da unidade produtiva, evitando a diluição em caso de eventual conflito entre os herdeiros, bem como assegurar a liquidez necessária para que a sucessão ocorra rapidamente.