A MP 627, que traz mudanças na legislação tributária federal, foi publicada no dia 12 de novembro de 2013. Dada sua extensão, a MP vem sendo muito discutida por profissionais que lidam com o tema, já que mesmo sendo valida apenas em 2015, já em dezembro deste ano, deverão ser tomadas decisões de grande impacto, como realizar ou não distribuição de lucros, cálculo dos juros sobre capital próprio, entre outros.
Para falar melhor sobre o tema, o JornalCana entrevistou o advogado Mário Luiz Oliveira da Costa, um militante na área de Direito Tributário, com cursos de especialização em Direito Tributário e Direito Empresarial.
Confira a entrevista exclusiva:
JornalCana: A MP 627, de novembro último, trouxe mudanças na legislação tributária federal. Quais as que mais se aplicam e afetam o setor?
Mário Costa: Ela introduziu diversas inovações em relação ao imposto sobre a renda das pessoas jurídicas, à contribuição social sobre o lucro líquido, ao PIS e à COFINS. Além disso, dentre outras providências, revogou o RTT – Regime Tributário de Transição e alterou as regras de tributação tanto dos lucros de controladas e coligadas estrangeiras de pessoas jurídicas brasileiras, quanto daqueles auferidos por pessoas jurídicas estrangeiras controladas por pessoas físicas residentes no Brasil. Algumas alterações que não atingem necessariamente todos os contribuintes, mas são extremamente relevantes, dizem respeito às novas regras para a tributação dos lucros de controladas e coligadas (com diversos novos critérios de adoção opcional para 2014 e obrigatória a partir de 2015) e para a amortização de ágio por rentabilidade futura em casos de incorporação, fusão e cisão. Dentre outras disposições, a amortização passou a ser vedada se a aquisição da participação societária for feita mediante substituição de ações ou quotas. Como exemplo de alterações relevantes que atingem todos os contribuintes pode-se citar o fim do RTT e a determinação de que a compensação de prejuízos não operacionais seja limitada aos lucros da mesma natureza. Quanto ao fim do RTT, foi fixado como obrigatório a partir de 2015, mas há uma verdadeira armadilha (e ilegitimidade), pois, somente àqueles que optarem por adotar as novas regras à partir de 2014 foi expressamente assegurada a não tributação dos lucros, juros sobre o capital próprio e resultados de equivalência patrimonial calculados conforme as normas contábeis em vigor entre 2008 e 2013. Há, também, dentre outras questões, incerteza se a Receita Federal passará a entender sujeitos ao PIS e à COFINS, na sistemática cumulativa, os resultados positivos de equivalência patrimonial, pois foi revogada a norma que explicitava sua não sujeição a tais contribuições (tendo sido mantida a previsão expressa de não oneração apenas na apuração não cumulativa). Ocorre que, independentemente de previsão expressa, não se trata de efetiva receita, mas de meras atualizações periódicas dos registros contábeis atinentes às participações societárias. Aliás, o Plenário do STF já decidiu que o conceito de receita bruta compreende “o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições” (RE nº 606.107), o que, obviamente, não se aplica aos resultados de equivalência patrimonial. Todavia, como não há norma determinando de forma expressa a incidência do PIS e da COFINS nessa situação (e foi revogada aquela que explicitava a não incidência), a Receita Federal deverá esclarecer seu entendimento acerca do tema.
As mudanças promovidas pela MP 627 fizeram com que surgissem centenas de emendas pelos congressistas. Com isso, mantem-se constitucional?
A apresentação de diversas emendas a Medidas Provisórias é comum e, quanto mais variados os temas tratados, maior será o número de propostas de emendas e de tentativas de “caronas”. Infelizmente, o abuso na edição de Medidas Provisórias desvirtuou o processo legislativo no Brasil, fazendo com que matérias que devessem ser examinadas com calma e cuidado pelo Congresso Nacional às vezes o sejam de forma açodada.
Há quem acredite que a MP 627 tem cunho meramente político. Que objetivos políticos seriam esses?
A questão política diz respeito à opção do governo federal em regular estes e outros tantos temas por Medida Provisória, ao invés de fazer uso do processo legislativo regular. A MP 627 não foi editada para regular fato novo, grave, relevante, mas, apenas, para atender a conveniência política do governo federal no sentido de começarem logo a vigorar as alterações na legislação fiscal que reputa necessárias.
Com isso, consegue o governo federal “queimar etapas” e introduzir na ordem legal regras que entende convenientes ou necessárias com menor espaço de tempo e, em geral, menor desgaste com o Congresso do que se verificaria no processo legislativo regular. O abuso decorre, também, da absoluta imprevisibilidade de tempo para a tramitação dos projetos de lei em geral, alguns em tramitação há vários anos ou décadas.
A solução, portanto, não é simples e demanda atitude, esforço conjunto, dos três Poderes. O Executivo deveria editar Medidas Provisórias apenas e tão somente em casos de efetiva relevância e urgência. O Legislativo deveria rejeitar de pronto quaisquer Medidas Provisórias editadas sem o cumprimento deste requisito de validade e agilizar a tramitação dos projetos de lei em geral, em especial daqueles de maior interesse do Estado e, também, do governo federal (interesses esses que nem sempre se confundem). Ajudaria muito, para que o Congresso assim procedesse, a redução substancial no volume de Medidas Provisórias a serem examinadas. O Poder Judiciário, de seu turno, daria grande contribuição se passasse a declarar a inconstitucionalidade das Medidas Provisórias que não tratam de fatos relevantes e urgentes. O setor terá dificuldades em se adaptar à “Lei da Nota Fiscal”, que determina a inclusão, nos documentos fiscais do valor aproximado dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda.
Foi uma boa medida por parte do governo?
Em termos de cidadania, acredito que sim. Os tributos de indicação obrigatória não correspondem à totalidade do ônus fiscal envolvido em cada venda, menos ainda ao chamado “custo Brasil”, que também acaba refletindo – e muito – na fixação dos preços. Ainda assim, possibilitam à população ter alguma noção do quanto elevada é a nossa carga fiscal e de que somos todos nós que custeamos o Estado, tendo o direito de exigir, em contrapartida, serviços públicos dignos e eficientes.