São Paulo — Foram 133 lances no leilão que marcou a retomada das concessões de linhas de transmissão de energia, na sexta-feira 28 de outubro. Pela primeira vez em quatro anos, o mercado mostrou apetite e arrematou 21 dos 24 lotes que somam 6 800 quilômetros de linhões. Nas rodadas de 2015, apenas nove dos 25 lotes ofertados encontraram interessados. Com isso, o governo Temer garantiu 92% dos 12,6 bilhões de reais de investimentos previstos para a área.
O leilão era considerado um teste para medir a receptividade de investidores às mudanças no modelo de concessões, com melhores taxas de retorno, maior prazo para a execução das obras e menor participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Esse leilão foi simbólico: é o primeiro pós-impeachment, sem estatal competindo e com novos atores”, afirma Andre Clark, diretor-geral da espanhola Acciona Infraestructuras. “Foi um teste para valer do que o Brasil tem de melhor no novo modelo.”
O resultado é encarado como um sinal de que o programa de infraestrutura do governo, o Crescer — envolvendo investimentos de 37,5 bilhões de reais —, tem chance de deslanchar. O leilão marcou uma série de mudanças e permitiu que, no final das contas, o mercado regulasse os preços. O que se viu foi uma disputa acirrada com deságios que chegaram a 28%. O lote mais disputado, um trecho de 79 quilômetros no Espírito Santo, chegou a receber 54 lances antes de ser arrematado.
No rol das boas notícias, um destaque foi a ausência da estatal Eletrobras, que era utilizada pelo governo de Dilma Rousseff para garantir que pelo menos parte dos lotes fosse assumida. Outra diferença se deu na participação do BNDES: o banco ofereceu financiamentos a preço de mercado, em vez de crédito subsidiado. Além disso, houve novidade entre os vencedores. A Equatorial Energia, controladora das distribuidoras do Pará e do Maranhão, entrou no ramo de transmissão ao levar praticamente um terço das linhas ofertadas.
Empresas tradicionais do segmento que haviam ficado de fora de leilões nos anos anteriores voltaram a participar, como a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista, que arrematou um lote sozinha e se juntou à Taesa para vencer em outros dois. A chegada de novos competidores e o retorno de antigos investidores à transmissão dão alento a um dos elos mais fragilizados do setor de energia. Até 2024 serão necessários 108 bilhões de reais de investimentos em linhas de transmissão e subestações para acompanhar a expansão da geração no Brasil.
Espera-se que o interesse de empresas e fundos de investimento se estenda a outras áreas da infraestrutura, como rodovias e portos. Eles são essenciais para reduzir o déficit histórico do país. Para o Instituto de Logística e Supply Chain, seria necessário um investimento de 1 trilhão de reais nessas áreas para alcançarem um nível de eficiência similar ao da infraestrutura logística americana.
Se é fato que o leilão de transmissão foi o primeiro passo na jornada para convencer os investidores de que é um bom negócio colocar dinheiro no Brasil, ainda há muitos problemas herdados da gestão passada que precisam ser resolvidos. “O governo precisa reduzir os gastos públicos e a inflação tem de continuar a cair para haver maior corte nos juros. Só assim os investidores institucionais, como os fundos de pensão, vão investir em ativos de infraestrutura”, afirma Bernardo Costa, diretor da agência de classificação de risco Fitch.
O Planalto também tem de solucionar enroscos em concessões antigas, como a do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, em que o pagamento da outorga foi suspenso pelo consórcio vencedor. Há a promessa de que uma medida provisória seja publicada para tratar do assunto, o que tem gerado expectativa no mercado. Um levantamento da consultoria alemã Roland Berger mostra que as concessionárias dos seis aeroportos privatizados somam uma dívida de 8,6 bilhões de reais.
Grande parte desse montante é devida ao BNDES, mas há casos como o do consórcio de Guarulhos, cuja dívida de 3,3 bilhões de reais está repartida com outras instituições. “A exposição dos bancos às atuais concessões pode condicionar o apetite para financiar os próximos leilões”, diz Gustavo Lopes, sócio-diretor da Roland Berger. Apesar de ser um sinal de menor interferência do Estado, a redução de crédito subsidiado pelo BNDES também trouxe dúvidas: não se sabe como o vácuo desse crédito será assumido pelo mercado.
Além disso, investidores estrangeiros têm insistido que precisam de uma garantia contra o risco cambial brasileiro. O governo já admite que precisa utilizar algum instrumento financeiro para isso, mas ainda não há solução definida. “Precisamos entender até que ponto o risco cambial é restritivo ou impeditivo para esse capital vir ao Brasil”, afirma Marcelo Allain, secretário de articulação para investimentos do Programa de Parcerias e Investimentos do governo federal. Segundo analistas, a questão é importante para tornar viável a vinda de capital estrangeiro.
“Se países vizinhos menores acessam o mercado de capital internacional, por que o Brasil não pode fazer isso para financiar sua infraestrutura?”, diz Roberto Reis, diretor do banco francês Crédit Agricole. A despeito dos desafios, o momento joga a favor. O caso da Petrobras é exemplar. O estrago que os anos PT fizeram no caixa da empresa começa a ser revertido pela gestão de Pedro Parente à frente da empresa.
O fim da era megalomaníaca em que a estatal era obrigada a se meter em tudo, o plano de venda de ativos e uma gestão profissionalizada fizeram com que as ações da estatal valorizassem 160% em 2016. Mas, como se vê na Petrobras, nada acontece por um passe de mágica. Um bom plano e empenho para tirá-lo do papel fazem a diferença. O restante pode ficar a cargo do mercado.
(Fonte: Exame)