Por José Goldemberg
A crise de energia que atravessamos é frequentemente atribuída à falta de planejamento, que nessa área envolve grandes obras de infraestrutura que levam anos para ser completadas. No regime democrático em que vivemos é difícil de fazer planos de longo prazo, sobretudo quando outras carências urgentes da população são enormes e as prioridades de governos, que se sucedem, mudam com frequência. Não é de surpreender, portanto, que planejamento seja menos atraente do que medidas populistas de efeito imediato e eleitoral.
A única forma de realizá-lo é adotar para a área de energia políticas de Estado, e não apenas políticas de governo. Há muitos exemplos no Brasil em que foi feito no passado, apesar de enormes perturbações políticas por que o País passou.
Um desses exemplos é o da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), criada em 1966 sob o nome de Centrais Elétricas de São Paulo pela fusão de 11 empresas de energia elétrica com a finalidade de planejar e racionalizar a geração e o uso da eletricidade no nosso Estado. Ao longo de quase 50 anos a Cesp planejou e construiu usinas hidrelétricas e linhas de transmissão que cobrem todos os rincões do território paulista, apesar de terem passado pelo Palácio dos Bandeirantes mais de dez governadores desde então. Isso se deve ao fato de a companhia ter seguido desde 1966 um plano de expansão preparado sob a inspiração do engenheiro Cattulo Branco com base na experiência que teve nos Estados Unidos. O mesmo aconteceu em outros Estados e com a Eletrobrás, na área federal.
Num período de forte expansão, planejamento de longo prazo é essencial. Passado esse período, as usinas e muitas outras atividades podem ser privatizadas ou operadas sob concessão, como se faz com estradas e aeroportos. Acontece que a área de energia no País atravessa, no momento, uma séria crise devida, justamente, à falta desse necessário planejamento de longo prazo.
A privatização parcial que ocorreu na década de 1990 afetou seriamente a Eletrobrás, que perdeu quadros técnicos e sua capacidade de planejamento. As agências reguladoras que deveriam guiar o sistema não foram devidamente fortalecidas nos últimos dez anos e a Empresa de Planejamento Energético, que deveria ter assumido os encargos de planejamento da Eletrobrás, não conseguiu fazê-lo a contento.
No setor de petróleo, a ideia de lançar sobre a Petrobrás encargos maiores, com que ela pode arcar, afastou empresas internacionais que poderiam dividir com ela riscos e custos. Além disso, o congelamento do preço de venda dos combustíveis corrói o balanço da empresa brasileira.
No caso da eletricidade em particular, a Medida Provisória (MP) 579, de 2013, que reduziu as tarifas de energia elétrica em 20%, praticamente desorganizou o setor e levou numerosas empresas à insolvência. Essa MP foi adotada numa época em que já se verificava a falta de chuvas e veio juntamente com isenções fiscais para promover a compra de equipamentos elétricos para fins domésticos, que elevaram o consumo. O resultado foi o aumento das tarifas a níveis elevados e um enorme endividamento das distribuidoras de energia. Para evitar desabastecimento o governo acionou as usinas térmicas, que hoje representam mais de 20% da eletricidade usada, apesar de custar quatro a cinco vezes mais que a energia hidrelétrica.
Parece essencial, portanto, encorajar um debate sobre energia que leve os candidatos à Presidência no período de 2015 a 2018 a se manifestar sobre um mínimo de propostas concretas viáveis para resolver os problemas atuais. Uma das dificuldades para que esse processo prospere é que partidos na oposição, afastados do poder por dez anos ou mais, não têm em geral quadros preparados para assumi-los.
Como explicou com clareza Sérgio Fausto em artigo neste jornal (24 de agosto), os candidatos frequentemente têm “ao redor de si algumas pessoas de notável capacidade intelectual que lhes poderão ser muito úteis na campanha e num eventual governo. São poucos, porém, e nenhum deles tem especial gosto pela gestão pública”. Isso aconteceu quando Lula assumiu a Presidência do País em 2002, com o resultado de que muitos desses intelectuais deixaram o governo desiludidos ou foram forçados a sair menos de um ano depois em razão da falta de capacidade gerencial.
É por essa razão que é preciso institucionalizar o processo de planejamento do setor de energia, de forma a garantir a execução de políticas de Estado.
Exemplo de onde isso pode ser feito é o Conselho Superior de Política Energética, criado por Fernando Henrique Cardoso, que, além dos ministros das pastas mais ligadas ao tema, tinha representantes não governamentais. Ali foram feitos na época importantes debates sobre políticas energéticas. A esse conselho deveria estar subordinada a Empresa de Planejamento Energético, como órgão técnico com a missão de preparar planos de longo prazo para todo o setor de energia (eletricidade, petróleo, gás e energias renováveis).
Outra questão essencial para sairmos da atual situação é definir claramente de que forma será feita a diversificação da matriz energética brasileira. Se mantido o sistema atual de leilões para novos empreendimentos, seria promover leilões de “energia nova” que reconheçam suas especificidades e seus custos, abandonando a política demagógica de “modicidade tarifária”. Satisfeitas essas condições, há amplo espaço para energia solar, eólica e de biomassa.
Finalmente, é preciso decidir claramente se os preços de energia continuarão a ser administrados pelo governo federal, que dá grandes prejuízos à Petrobrás e asfixia o setor de etanol. Essas distorções precisam ser eliminadas.
* José Goldemberg é professor emérito da USP. Foi presidente da Cesp e secretário de Ciência e Tecnologia da Presidência da República