Um estudo realizado pela Embrapa Meio Ambiente, Unicamp e Agroicone, endica que a dinâmica de ocupação da terra devido ao cultivo da cana-de-açúcar ao longo dos últimos 20 anos no Brasil, ao contrário do esperado, foi responsável pela retirada de carbono da atmosfera, com avanço sobre a vegetação natural em somente 1,6%.
Os resultados da avaliação têm repercussões importantes sobre exigentes mercados e certificações nacionais e internacionais de bioenergia, e também regulatórios, nos quais os impactos do uso da terra são sempre pontos de atenção.
Na avaliação do professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, Joaquim Seabra, um dos autores do estudo, o trabalho evidenciou a relevância de se ter uma parametrização mais refinada para se estimar o comportamento dos estoques de carbono no Brasil no setor de cana-de-açúcar.
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“Ficou muito claro que o uso de parâmetros mais precisos para o estoque de carbono pode alterar significativamente as conclusões sobre mudança de uso da terra, que têm sido difundidas por diferentes esquemas internacionais, quer sejam esquemas de certificação ou regulatórios.
Considerando as condições de produção no contexto nacional, temos fortes indícios de que podemos ter mais remoções de carbono e ao mesmo tempo limitar o risco do efeito indireto (ou seja, expansão de áreas sobre vegetação natural) aqui no Brasil”, afirma ele.
A pesquisa avaliou a dinâmica de ocupação da terra pelo cultivo da cana-de-açúcar no Centro-Sul e Norte do Brasil, entre os anos de 2000 e 2020. O resultado desta investigação mostrou que 25% da área de cana existente atualmente já era cana em 2000.
O acréscimo de 6,1 milhões de hectares de cana, identificado nesse período, veio de conversões de áreas que, anteriormente, eram pastagens (60%), culturas anuais (16%) e mosaicos (22%) – ou seja, áreas que poderiam reunir agricultura e pastagem. Apenas 1,6% da expansão de cana ocorreu sobre áreas de vegetação natural.
Este padrão de conversão do uso da terra, associado à troca de tecnologia de cana-queimada (fogo na colheita) para cana-crua (com manutenção da palha em campo), contribuíram para que as áreas cultivadas com cana fossem responsáveis pela remoção líquida de aproximadamente 9,8 milhões de toneladas de CO2 por ano da atmosfera.
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Quando considerada a propriedade agrícola como um todo, e não só a área cultivada com cana-de-açúcar, a remoção líquida foi de 17 milhões de toneladas de CO2 por ano, principalmente devido à manutenção da vegetação natural e ao aumento de formações florestais naturais nestas propriedades.
Considerando apenas as áreas cultivadas de cana, a quantidade de carbono removida (9,8 MtCO2/ano) acumulada nos 20 anos avaliados representa uma remoção total de 196 MtCO2, o que seria equivalente a plantar 1,4 bilhões de árvores, ocupando uma área superior a 1 milhão de campos de futebol ou 80 vezes a cidade de Paris coberta por floresta.
No Brasil, a produção de bioenergia a partir da cana-de-açúcar é fundamental para a descarbonização da matriz energética e de transportes. Com isso, ela é importante aliada para cumprir os compromissos estabelecidos de redução de emissões de CO2 em sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada ao Acordo de Paris).
A mudança de uso da terra associada ao cultivo da cana é um processo crítico para a sua sustentabilidade e as estimativas até então realizadas indicavam, predominantemente, emissões de gases do efeito estufa associadas à produção de cana-de-açúcar. Conforme destaca a pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, Nilza Ramos, “a partir de um amplo conjunto de dados e uma série de refinamentos metodológicos, o estudo demonstrou uma contribuição relevante da cultura da cana-de-açúcar para remoções de carbono associadas ao uso da terra no Brasil”.
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Metodologia
Os pesquisadores quantificaram o efeito do cultivo e expansão da cana-de-açúcar e da mudança do manejo da cultura nos estoques de carbono no solo e biomassa ao longo das últimas duas décadas.
A análise foi realizada considerando as áreas de cultivo de cana e as propriedades rurais (Cadastro Ambiental Rural – CAR) com produção da matéria-prima. No total, foram analisados 90,7% da área cultivada de cana-de-açúcar no Brasil, que correspondem a 93% da produção nacional de açúcar e etanol.
Foram analisadas também as propriedades rurais com cultivo de cana na região Norte do país, que apesar de responderem por apenas 0,5% da produção nacional, são objeto constante de atenção internacional.
O estudo foi publicado na revista científica internacional Land e se baseou em bases de dados disponíveis publicamente e reconhecidas internacionalmente. Os dados de conversão de áreas de cana e de qualidade de pastagens foram obtidos da plataforma MapBiomas, os dados das propriedades rurais (CAR) do Imaflora e Serviço Florestal Brasileiro e dados de estoque de carbono de novas estimativas feitas pela equipe e do método BRLUC da Embrapa.
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“Procuramos utilizar metodologias e fontes de dados que tivessem respaldo da comunidade científica internacional”, afirma Nilza Ramos.
“Os resultados confirmam um conceito crescente de que podemos ter estocagem de carbono em sistemas de energia, notadamente quando a bioenergia é aplicada de maneira correta. Nesse caso específico, dado o período em análise, os resultados refletem o comportamento de mercado da cana, orientado pelo Código Florestal e compromissos do setor sucroenergético. A expectativa é que os critérios de elegibilidade do RenovaBio possam reforçar ainda mais esses impactos positivos, mas isso só poderá ser verificado com o passar dos anos desta política a partir da realização de novos estudos”, segundo o condutor do estudo, sócio e pesquisador da Agroicone, Marcelo Moreira.
Adicionalmente, Seabra acredita que os resultados do artigo podem ter repercussão ampliada. “Os resultados podem ser importantes tanto para a avaliação geral da sustentabilidade de sistemas de produção baseados na produção de cana-de-açúcar, como também podem suprir parâmetros mais adequados para análises dentro desses contextos regulatórios ou de políticas, ou de esquemas de certificação internacional voltados para biocombustíveis”, acredita ele.
O financiamento dessa pesquisa teve recursos da IEA (International Energy Agency) e da Raízen para a Agroicone e a Unicamp, e do Ministério de Minas e Energia e da Finep para a Embrapa.
O artigo está disponível neste link: https://www.mdpi.com/2073-445X/12/3/584