Por Antonio Delfim Netto
É preciso saudar a renovada disposição da presidente Dilma Rousseff de assumir o protagonismo que cabe ao Poder Executivo sem o qual, num regime de presidencialismo imperial como o nosso, a tendência da governabilidade é dissolverse no ar. Ela tem dado demonstrações de que introjetou a situação fiscal extremamente delicada em que se encontra a economia brasileira. Os seus movimentos, entretanto, não indicam um objetivo estratégico bem definido, conscientemente apoiado em movimentos táticos adequados. Por exemplo, o envio ao Congresso de um projeto orçamentário para 2016 com um déficit primário de R$ 30,5 bilhões, ao lado de revelar um primarismo político assustador, nega a disposição de um olhar de longo prazo para enfrentar o gravíssimo problema do déficit “estrutural” em que estamos metidos. A reação de estupefação da sociedade foi tal, que obrigou a presidente a declarar que “não fugiria à responsabilidade de propor a solução do problema”, o que salvou o fim do dia, mas não sem antes ter provocado um aumento da volatilidade em todos os mercados.
O problema é que há dúvidas sobre o “realismo” dos parâmetros usados no orçamento para 2016 (tanto na receita como na despesa) e há uma probabilidade de que o ano termine com um déficit primário muito maior do que o anunciado, tanto no governo federal quanto nos regionais, os quais, aliás, também estão sofrendo com a recessão e estão à procura de aumento das alíquotas de seus próprios impostos ou, em último caso, de multas de trânsito… E pior: há clara indicação de que os gastos federais vão crescer, em termos reais, em 2016 com relação a 2015! Não será surpresa para ninguém se essa combinação entregar, em dezembro de 2016, uma relação dívida bruta/PIB superior a 70% do PIB, com todas as suas trágicas implicações. É legítimo especular: o projeto original do governo (estabilizar a relação dívida bruta/PIB) é ainda prioridade, ou estamos voltamos a namorar com a ideia de que o que nos falta é demanda efetiva?
É hora de deixar de “empurrar com a barriga” e terminar o “disse que me disse” dentro do Executivo e entre ele e o Legislativo. Quem deve preparar o Orçamento e tem condições de vetar os eventuais aumentos de despesas permanentes sem a criação da receita bem definida e permanente, produzidas pelo Legislativo, é o Executivo. E a justificativa é a sua evidente inconstitucionalidade.
A presidente já declarou que apresentará uma solução razoável para o problema. A “solução razoável” sustentável no longo prazo fugirá, certamente, dos dois extremos: 1) o cômodo aumento da receita que aumentaria ainda mais a recessão, transformandoa numa estagnação permanente e prepararia um novo desequilíbrio; 2) um insensato corte das despesas que, pela falta de credibilidade do governo, aprofundaria a recessão e seria rejeitado preliminarmente nas urnas de 2016 e, definitivamente, em 2018, porque se revelaria uma nãosolução, ou 3) por uma combinação adequada de um aumento condicionado de receita por prazo limitado para dar tempo a uma redução inteligente das despesas, ao mesmo tempo em que melhorará a eficiência na prestação dos serviços públicos. Hoje parece difícil acreditar, mas foi esse o programa que Dilma anunciou no primeiro dia, do seu primeiro mandato: “fazer mais com menos” e que abandonou depois de 2011.
A presidente tem razão quando diz que “não gosta da CPMF, porque ela tem inconvenientes” (vejase o artigo da competente especialista Maria Helena Zockun, “A Regressividade da CPMF”, in Informações Fipe, dezembro de 2007). É, entretanto, difícil de entender porque ainda não se aumentou a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) que tem fantásticas externalidades positivas (redutor de emissão de CO2 eq; gerador de energia renovável; redutor de importação de gasolina e ainda capaz de ampliar os investimentos e o emprego). Ela foi, lamentavelmente, anulada pela política míope de controlar os preços da gasolina e ajudou a destruir a Petrobras e todo o setor sucroenergético. O aumento tem sido discutido pela dinâmica ministra da Agricultura, Katia Abreu. Tratase de um inteligente imposto ambiental sobre a gasolina, que tem a vantagem de corrigir na direção correta o consumo de combustível fóssil, uma das causas do aquecimento global. O governo precisa tomar conhecimento do sofisticado e competente estudo preparado pela União da Indústria da CanadeAçúcar (Unica) sobre o assunto.
Uma objeção possível à sugestão de elevar a Cide de R$ 0,10 para R$ 0,60 por litro de gasolina, que produziria um aumento da receita federal de aproximadamente R$ 15 bilhões (metade do que faltou para fechar o Orçamento) e de R$ 5 bilhões de ICMS, seria um aumento menor do que 0,9% na primeira casa decimal do IPCA. É, certamente, um inconveniente menor neste ano de generalizada correção dos preços que foram controlados diante do tremendo estímulo à solução dos problemas do setor, causados, exatamente, por aquele controle e que se esgotaria em 2015.