Mercado

Acordo entre UE e Mercosul está cada vez mais distante

É cada vez mais forte nos meios diplomáticos e empresariais a percepção de que o acordo entre Mercosul e União Européia (UE), que criaria a maior zona de livre comércio do mundo, não deve ser fechado até 31 de outubro, antes da troca dos comissários europeus.

Segundo um negociador, tecnicamente é possível terminar a negociação nos próximos dois meses, apesar das pendências. Mas ele duvida que o atual comissário de comércio da UE, Pascal Lamy, terá força política para convencer os Estados-membros a aprovar o acordo.

Fontes do Mercosul até começam a ver mais vantagens em retomar a negociação após ficar claro o que o Brasil pode ganhar na Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC).

Na avaliação destas fontes, só quando as modalidades (percentual de cortes de tarifas e de subsídios, e prazos para implementação) estiverem definidas poderá se prever os resultados e partir para concluir a negociação regional.

Cresce em Brasília a argumentação de que pouca coisa vai mudar com a troca da Comissão Européia.

Os negociadores argumentam que o mandato europeu será o mesmo; que a pressão dos dez novos membros da UE (mais protecionistas dadas às características agrícolas de suas economias) já se faz sentir; e o que futuro comissário de Comércio, o inglês Peter Mandelson, também parece simpático ao Mercosul.

Além disso, pode ser que a nova comissão, mais liberal, faça um esforço extra de reforma da Política Agrícola Comum (PAC), que facilitaria um acordo mais equilibrado com o Mercosul.

Em Bruxelas, não está confirmado que a última rodada de negociação, marcada para 20 de setembro, realmente acontecerá. Ela depende de uma conversa entre Lamy e o ministro brasileiro, Celso Amorim, para decidir o que, afinal, será ou não colocado na mesa.

Sem essa decisão política, não tem sentido marcar nova reunião para constatar o mesmo impasse. Há dúvidas até sobre como negociar: a estratégia européia de barganhar item por item travou as últimas duas reuniões.

A percepção do retrocesso da negociação, que até junho andava a todo vapor e era uma das prioridades do governo brasileiro, jogou agricultura e indústria em campos opostos.

O setor agrícola vê se perder junto com o prazo uma oportunidade no seu maior mercado importador. A indústria – receosa de pagar o custo do acordo – defende que o governo não sacrifique o conteúdo pelo tempo.

Empresários agrícolas estão irritados com a demora na conclusão de um acordo que, nas suas contas, poderia significar ganhos imediatos de US$ 2 bilhões a US$ 2,5 bilhões para o setor. Eles acreditam que o governo está usando politicamente sua vitória na OMC para desacelerar as conversas com a UE. E culpam a paralisação da Alca (Acordo de Livre Comércio das Américas) pelo desinteresse dos europeus.

Para André Nassar, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), financiado por associações agrícolas, “os entraves não vem do pouco conteúdo da oferta agrícola da UE, mas da dificuldade do Mercosul em fazer novas concessões”.

Na avaliação de Antônio Donizeti Beraldo, chefe do departamento de comércio exterior da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o resultado positivo na OMC deveria reforçar a necessidade de privilegiar as negociações da Alca e com a UE.

“Os ganhos na OMC estão concentrados em subsídios à exportação e apoio doméstico. O acesso a mercados só pode ser obtido de forma imediata nos acordos bilaterais”, afirma.

Ao participar ontem de seminário em São Paulo, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, reforçou as reclamações dos negociadores do setor agrícola. Ele ressaltou a importância das conquistas do Brasil na OMC, mas afirmou que é necessário apostar também nas negociações bilaterais.

“Não obstante o sinal positivo (na OMC), isso não significa acesso a mercado imediato”, diz Rodrigues. “Mas as negociações com a Alca e a UE, são uma injeção na veia. No dia seguinte ao acordo, você já está exportando”, ressaltou.

O ministro acrescentou que a proposta extra-oficial da UE na área agrícola pode dar um ganho de US$ 2 bilhões ao país. Para Rodrigues, um dos motivos da negociação com a UE estar “brecada” é o atraso na Alca. “Essas negociações são vasos comunicantes. A UE perde o interesse quando interrompe a Alca”, afirmou.

Negociadores do Mercosul e da UE, aparentemente, não querem frustrar as expectativas de setores que, como a agricultura brasileira, teriam a ganhar, mesmo com acesso mínimo de comércio.

Mas, segundo fontes do Mercosul, está na hora de olhar o médio e longo prazos. Os negociadores argumentam que a UE é muito mais pressionada na negociação da OMC do que jamais estará em um acordo birregional. Na OMC, a UE entrará em confronto com os americanos, que demandam maior abertura para seus produtos agrícolas.

Com a agricultura insatisfeita, a indústria começa a respirar mais aliviada. Nos últimos meses da negociação, o setor industrial reclamou que estava sendo obrigado a pagar a conta do acordo, dada a resistência do governo em fazer novas concessões em compras governamentais ou serviços.

Para Mário Roberto Branco, gerente de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), não há tempo suficiente até outubro para resolver tantas pendências.

Na lista de concessões imprescindíveis para o setor estão: manutenção do uso do drawback, um índice menor de nacionalização dos produtos, e a cláusula da indústria nascente (que garante o direito de impor tarifa a um produto que começa a ser fabricado no Brasil).

Integrante da ala mais liberal da indústria, dada a competitividade do setor, a indústria têxtil acredita que o acordo entre UE e Mercosul será feito de qualquer forma, independente do prazo. “Esse acordo convém aos dois lados. Mais cedo ou mais tarde será assinado”, avalia Domingos Mosca, diretor da área internacional da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit).

Ele ressalta, porém, que seu setor pode ser prejudicado por esse atraso. Com o fim do sistema mundial de cotas para têxteis em janeiro de 2005, o setor contava com o acordo para ganhar competitividade no mercado europeu em relação aos produtos chineses.

Banner Revistas Mobile