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A turma do contra

Nos últimos dez anos, a biotecnologia tornou-se uma das principais vanguardas da produção científica mundial e a mais poderosa alavanca para a produtividade agrícola dos grandes países produtores. A cada ano, as multinacionais do setor — como Syngenta, Basf, Bayer CropScience, Monsanto, Dow Agroscience e Pioneer — investem 4,4 bilhões de dólares para desenvolver novas sementes, capazes de produzir mais com menos insumos. Sementes geneticamente modificadas, ou transgênicas, diminuem em até 15% os custos de produção e economizam cerca de 6% em agrotóxicos. É por isso que competidores como Estados Unidos, Índia, Austrália, União Européia e Argentina já plantam, consomem e exportam produtos transgênicos. Por incrível que pareça, o Brasil, um dos pesos pesados da agricultura mundial, ainda terá de vencer a resistência de sete pessoas antes de poder adicionar tais ganhos à produção do campo. Esse grupo integra a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão do governo criado em 1995 para analisar a segurança de produtos oriundos da biotecnologia e aprovar seu uso. Formado por professores e cientistas, o grupo, apelidado de G7, destila má vontade em relação aos transgênicos e tem conseguido barrar qualquer liberação das sementes no país. “É inacreditável, mas um setor que emprega 17 milhões de pessoas e exportou 44 bilhões de dólares no ano passado está à mercê de um grupo com aversão à tecnologia”, diz João Almeida Sampaio, presidente da Sociedade Rural Brasileira.

O grupo se formou com a aprovação da nova lei de biossegurança, de março de 2005. A lei ampliou de 18 para 27 o número de membros da CTNBio para poder incluir especialistas da sociedade civil e de novos ministérios criados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva — ao mesmo tempo que excluiu da comissão o representante do setor industrial. Com as mu danças, os especialistas em biossegurança apontados pela comunidade científica deixaram de ter a maioria na CTNBio. Ainda assim, o G7, com menos de um terço da comissão, não deveria causar maiores transtornos. Na prática, no entanto, os sete têm tido poder de veto nas decisões do órgão. O grupo ficou fortalecido desde que um decreto assinado no final de 2005 por Lula — redigido sob inspiração do Ministério do Meio Ambiente — determinou que são necessários dois terços dos 27 membros da CTNBio para autorizar a comercialização de sementes transgênicas no país. Como a média de presença nas reuniões tem sido de 21 participantes, os votos do G7 são uma espécie de fiel da balança em questões polêmicas — e uma barreira compacta contra os transgênicos. O grupo é constituído em sua maioria por representantes dos ministérios do Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário e Aqüicultura e Pesca — comandados pelas tendências mais à esquerda do PT. Os membros mais destacados do G7 são Rubens Nodari, Fábio Kessler dal Soglio e Magda Zanoni.

Fora da pauta

Enquanto a CTNBio não aprova o uso comercial de produtos geneticamente modificados, outros países ganham produtividade ao utilizá-los na agricultura

Produtos Vantagens Onde é plantado Situação no Brasil

Milho resistente a insetos O inseto morre ao comer a planta, diminuindo a necessidade de agrotóxico Estados Unidos e Canadá (desde 1996), Argentina (desde 1998) e outros 12 países Aguarda liberação desde 2000

Arroz tolerante a herbicida A menor quantidade de veneno minimiza o uso de máquinas e de mão-de-obra Canadá (desde 1996) e Estados Unidos Aguarda liberação desde agosto de 2003

Algodão tolerante a herbicida Aumenta a produtividade da lavoura, atenua dano ao meio ambiente e ao produto Japão (desde 1997), Estados Unidos (desde 1995) e outros sete países A semente está sendo contrabandeada da Argentina

Fonte: Conselho de Informação sobre Biotecnologia

Graças à atuação do grupo, o fato é que nenhum dos dez pedidos de liberação comercial de sementes transgênicas que acumulam poeira nos escaninhos da CTNBio — o mais antigo é de 1998 — foi analisado nas nove reuniões realizadas neste ano. Por enquanto, apenas dois tipos de semente — de soja e algodão — já passaram pelo crivo da CTNBio, em ambos os casos antes de existir o G7. Impacientes com as restrições, agricultores têm usado variedades contrabandeadas da Argentina, o que pode levar o Ministério da Agricultura a ter de destruir até 2% da produção brasileira de algodão. Não contentes em barrar a aprovação de outros tipos de semente, os sete membros agora batalham para reverter uma das aprovações já feitas. Na reunião mais recente da comissão, realizada em meados de outubro, apesar de as liberações comerciais terem voltado à pauta — após quatro meses de ausência –, avançou-se muito pouco. Apenas um processo, referente a semente de milho resistente a herbicidas, entrou em discussão. Mesmo com 11 pareceres científicos favoráveis à sua liberação, o G7 pediu mais dois estudos de ecologistas. Com isso, a decisão final deve se arrastar sabe-se lá até quando.

Também a pesquisa nacional tem sido afetada. Dos 96 pedidos de pesquisa de campo feitos por empresas e instituições científicas, 30 nem sequer foram analisados. “São necessários até dez anos para as pesquisas serem concluídas e então podermos pedir a liberação comercial”, diz Fernando Reinach, presidente da Alellyx, empresa do grupo Votorantim que no ano passado solicitou autorização para testar uma variedade de cana-de-açúcar mais produtiva, um eucalipto com qualidade superior de madeira e uma cana-de-açúcar resistente a vírus — as três foram recentemente liberadas. A liberação de testes, contudo, é apenas uma primeira etapa. O passo seguinte é a aprovação para produção e comercialização — que também depende da CTNBio. “As empresas brasileiras estão perdendo competitividade científica, tecnológica e econômica”, diz Alda Lerayer, secretária executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia. “Nosso trabalho não evolui porque há um grupo que trabalha contra”, afirma, em tom de desânimo, o bioquímico Walter Colli, presidente da CTNBio e membro da ala de oposição ao G7. “Transformaram a comissão numa assembléia que não funciona.”

Esse clima de assembleísmo foi explicitado na primeira reunião deste ano, ocorrida em fevereiro. Na ocasião, o professor Dal Soglio, indicado como especialista em agricultura familiar, leu e distribuiu uma carta de integrantes da Campanha por Um Brasil Livre de Transgênicos criticando a CTNBio por ter feito “liberações açodadas”. O recado de Dal Soglio resumiu o pensamento do G7: não há por que ter pressa na aprovação de sementes transgênicas. Embora não exista nenhuma pesquisa científica séria indicando risco à saúde por parte dos transgênicos, apesar de já ter passado mais de uma década das primeiras lavouras geneticamente modificadas, a resistência dos ambientalistas se baseia na crença de que um dia, afinal, o mal virá.

A lentidão provocada pelo G7 despertou a ira dos ministros do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e da Agricultura, Luiz Guedes Pinto, que forçaram a convocação em agosto do Conselho Nacional de Biossegurança, composto de 11 ministros. Os trabalhos até que ganharam velocidade desde então, mas o grande teste da comissão ainda está para ocorrer, quando os processos de liberação comercial forem julgados. Obter 18 votos para aprovar a comercialização de transgênicos, e assim derrotar o G7, será uma façanha. “O Brasil é uma potência agrícola, mas precisa urgentemente de um salto tecnológico para não perder competitividade”, diz Reinach.

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