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A rodada à beira do colapso

O Brasil será o grande perdedor se houver um colapso das negociações globais de comércio, um perigo cada vez mais próximo, dado o impasse em torno da questão agrícola. Se a Rodada Doha for interrompida nas próximas semanas, ou mesmo nos próximos dois meses, dificilmente se poderá retomá-la antes de 2010 – e ninguém sabe quais serão as condições políticas no momento do reinício. O risco para o Brasil é especialmente grande porque o governo jogou todas as fichas na rodada geral e na busca de alianças de inspiração terceiro-mundista. Enquanto isso, os concorrentes buscaram ampliar sua participação nos principais mercados e formularam acordos bilaterais e regionais orientados pelo pragmatismo e não por bandeiras ideológicas.

Segundo pesquisa conduzida pela Comissão Européia, 60% dos cidadãos dos 27 países membros do bloco defendem a manutenção ou a ampliação dos subsídios agrícolas. Reformas da política são apoiadas por 80% dos europeus, mas em benefício do ambiente, da segurança dos alimentos e do bem-estar dos animais. A liberalização do comércio agrícola não está entre as bandeiras valorizadas.

Dias antes da publicação da pesquisa, o candidato conservador à presidência da França, Nicolas Sarkozy, declarou-se contrário à redução de subsídios. Sua posição pode ser mais dura que a do governo atual, mas a ministra do Comércio, Christine Lagarde, já tem desautorizado o principal negociador da União Européia, Peter Mandelson, acusando-o de ir além de seu mandato na apresentação de concessões aos parceiros.

As palavras de Sarkozy podem conter uma dose de retórica eleitoral, mas obviamente refletem um ambiente político muito desfavorável à abertura do mercado agrícola. Em Bruxelas, discutem-se novas barreiras à importação de etanol, sustentadas com o pretexto de proteção ao meio ambiente nos países produtores.Trata-se de uma evidente manobra de caráter preventivo, diante da onda internacional de valorização de combustíveis alternativos.

Se essa onda crescer, o Brasil estará pronto para se apresentar como um importante fornecedor de etanol e talvez de biodiesel e os produtores europeus não terão, pelo menos durante muitos anos, condições de enfrentar esse competidor.

Do lado americano, o presidente George W. Bush promete um esforço para salvar a Rodada Doha, mas a principal negociadora dos Estados Unidos, Susan Schwab, deixou clara, em visita ao Brasil, a pouca disposição de apresentar maiores ofertas em matéria de agricultura. Enquanto a discussão internacional prossegue, o novo projeto de lei agrícola em tramitação no Congresso americano embute um aumento dos subsídios. Além disso, o fato de os democratas terem obtido maioria no Legislativo é um prenúncio de resistência a novas concessões comerciais. A autorização para o Executivo negociar acordos não passíveis de emenda pelo Congresso vai expirar no final do semestre. Uma nova autorização poderá ser conseguida, mas provavelmente será condicionada a restrições maiores que as do atual mandato negociador. Cláusulas sociais e ambientais poderão complicar seriamente a formulação de um acordo global de comércio.

Tanto europeus quanto americanos cobrarão dos emergentes e pobres maior abertura para o comércio de produtos industriais e para o setor de serviços. Brasileiros e americanos têm explorado a possibilidade de acordos setoriais no caso da indústria, mas o europeu Peter Mandelson já se pronunciou contra essa forma de negociação, defendendo uma redução ampla e geral de tarifas.

Europeus e americanos cobram também uma abertura dos emergentes para o comércio de produtos agrícolas, mas não há acordo entre os países em desenvolvimento. Alguns, como Índia e Indonésia, pretendem manter uma elevada proteção, enquanto exportadores de peso, como Brasil e Argentina, se mostram mais preparados para aceitar a competição.

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, deve apresentar um esboço de acordo aos negociadores de maior peso até meados de abril. Se aprovado, será proposto ao conjunto dos 150 membros da OMC. Se não der certo, o governo brasileiro terá de pensar, com anos de atraso, numa estratégia alternativa, e mais pragmática, para a diplomacia comercial.

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