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A fazenda virou usina

A necessidade de desenvolver novas formas de energia que possam um dia substituir de maneira economicamente viável a matriz baseada em petróleo se tornou, nos últimos tempos, uma obsessão mundial. Nunca os preços do barril estiveram tão altos e nunca a perspectiva de que ele fique ainda mais caro foi tão próxima da realidade. Essa ansiedade global traz grandes oportunidades para países como o Brasil. Berço de uma das mais competitivas produções agrícolas, o país é um dos favoritos a assumir a dianteira na geração de energias renováveis extraídas de produtos agropecuários.

A grande estrela desse novo mercado é o álcool combustível. O país já é o maior exportador do produto, com 37% do mercado global. Estima-se que em cinco anos essa participação atinja metade dos negócios internacionais. O álcool é, porém, apenas a face mais visível e mais viável desse movimento. O potencial do agronegócio brasileiro no setor energético inclui a produção de outros combustíveis, como o biodiesel, a célula de hidrogênio, a geração alternativa de energia elétrica, e milionárias transações no mercado de créditos de carbono. Ainda não é possível definir com precisão o montante dos negócios que podem emergir dessa nova fronteira agrícola, mas estimativas preliminares indicam que na virada da próxi ma década eles movimentarão mais de 50 bilhões de reais por ano. “Agricultura e energia estão se tornando um só negócio”, diz Marcelo Junqueira, sócio da Ecoenergy, companhia americana especializada na comercialização de créditos de carbono. “O futuro do campo está na bioenergia.”,

A energia que vem do campo

A diversidade de culturas oferece ao Brasil muitas alternativas energéticas em relação ao petróleo. Veja os tipos de energia que podem ser gerados de produtos agropecuários cultivados no país

Álcool

É a principal aposta como alternativa à gasolina. O Brasil é o maior exportador mundial

Bagaço de cana-de-açúcar

As usinas de açúcar podem gerar tanta energia elétrica quanto uma Itaipu, mas a produção ainda é pequena

Óleo de soja

É possível produzir biodiesel da soja. Hoje, essa produção é economicamente inviável

Óleo de girassol

Segundo pesquisas, o girassol é a melhor fonte para a célula de hidrogênio — o combustível do futuro

Palha de arroz

É fonte geradora de biogás, que pode substituir o gás de cozinha. Comercialmente ainda é insignificante

Gordura bovina

Pode ser utilizada na fabricação de biodiesel. Alguns produtores já exploram essa atividade

Lenha

Pode-se produzir de forma sustentável energia com base na madeira, o que rende créditos de carbono

Fontes: Universidade Estadual de Campinas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, União da Agroindústria Canavieira de São Paulo

Esse é um conceito pouco disseminado entre os produtores brasileiros. A maioria deles ainda não acredita que plantações dedicadas ao cultivo de alimentos podem gerar energia para movimentar máquinas. E que isso pode dar dinheiro. Um exemplo é a maneira como muitos usineiros brasileiros tratam a produção de energia elétrica. Desde a década passada, as usinas se transformaram em produtoras de eletricidade por meio da queima do bagaço de cana, um resíduo da produção que provoca problemas ambientais. Os processos, porém, ainda são falhos. Se fossem aperfeiçoados — o que depende de investimentos –, o setor poderia gerar atualmente excedentes de até 10 000 megawatts, quase a capacidade de uma usina hidrelétrica da dimensão de Itaipu. Hoje, entretanto, menos de 15% disso chega às distribuidoras. Na CPFL, a maior cliente dos usineiros, a energia gerada do bagaço representa cerca de 3% do total comercializado. “Existe uma resistência cultural do setor”, diz Onório Kitayama, consultor na área de energia da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo. “O usineiro ainda não entendeu que deixou de ser um agroindustrial para se tornar um produtor de energia.” Para os estudiosos da área, a falta de percepção é fruto do desconhecimento. “As energias renováveis não vão substituir a produção de alimentos”, diz Ennio Peres da Silva, professor da Universidade Estadual de Campinas. “Devem ser tratadas como um negócio complementar.”

Bons exemplos dessa nova visão de negócio estão sendo aplicados em outros países — em alguns casos, com apoio governamental. No interior da China e da Índia, sobras de vegetais são usadas para produzir biogás que alimenta os fogões. “Nos Estados Unidos, o programa de biodiesel ajuda a reduzir os estoques de milho e a melhorar o preço do grão. Poderíamos fazer um trabalho similar com a soja no Brasil”, diz José Ricardo Severo, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Na Amazônia, onde a produção sustentável é a melhor opção para o desenvolvimento, deveríamos criar um pólo de produção de biodiesel à base de óleo de dendê.” A idéia de Severo pode soar estranha a quem associa o óleo à culinária. Mas, de acordo com relatórios da Ferrostall, uma das líderes na produção de biodiesel na Alemanha, o estado do Pará, sozinho, pode responder por 65% da produção mundial de biodiesel em 2010 — se conseguir organizar a produção de dendê.

Na avaliação dos especialistas, o Brasil está perdendo uma chance preciosa de ganhar dinheiro com o biodiesel, combustível feito à base de qualquer óleo natural — soja, milho, girassol, palma e dendê, matérias-primas abundantes no país. O programa de incentivo à produção do biodiesel criado pelo atual governo beneficia empresas que compram matéria-prima de pequenos agricultores, deixando de fora grandes fabricantes e produtores que trabalham em larga escala. “O governo não fez um programa energético para o biodiesel”, diz Suzana Kahn Ribeiro, professora da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). “Fez um programa social.” Recentemente o governo anunciou que a Petrobras produzirá o H-Bio, novo combustível que une diesel e biodiesel. Mas especialistas ainda são céticos quanto ao projeto. Uma das poucas grandes companhias que investiram no biodiesel foi o frigorífico Bertin. Líder na exportação de carne bovina, o Bertin pretende produzir biodiesel com base no sebo. Na União Européia, onde os carros rodam em sua maio ria com diesel, os programas públicos de biodiesel incentivam grandes negócios. No final de 2005, a Bunge, a maior processadora de soja do mundo, e a francesa Sofiproteol, braço empresarial de uma entidade de agricultores, criaram a maior empresa de biodiesel à base de óleos vegetais do continente. A Cargill está construindo uma fábrica na Alemanha, o maior produtor da região. Estima-se que, até 2010, o biodiesel representará quase 6% de todo o combustível utilizado na Europa. Como não há espaço na região para a expansão agrícola, boa parte do abastecimento já depende da importação, que hoje é feita principalmente da Malásia. “Desde o início da década, o consumo mundial de biodiesel dobra a cada ano”, diz Luciano Basto Oliveira, pesquisador da Coppe/UFRJ. “O Brasil está ficando para trás num negócio em que tem todas as condições de ser o líder.”

Colheita bilionária

Quanto as empresas podem faturar em 2010 com a bionergia*

Tipo de energia Álcool Eletricidade Biodiesel

Fonte cana-de-açúcar bagaço da cana-de-açúcar, madeira, gravetos óleos de soja, milho, girassol, palma, amendoim, dendê, gordura animal

Faturamento 33 bilhões de reais 9 bilhões de reais 5 bilhões de reais

* Projeções para o mercado interno, a preços de hoje.

Fontes: Consultoria Datagro, União da Agroindústria Canavieira de São Paulo

Atualmente, a agroenergia vem sendo levada a sério por indústrias interessadas em faturar no emergente mercado de créditos de carbono, que neste ano deve movimentar 9 bilhões de euros. Empresas brasileiras assinam um terço dos 150 projetos que receberam autorização para vender os créditos. A Klabin, maior fabricante de papéis do país, é uma delas. Está implantando em sua unidade de Telêmaco Borba, no Paraná, uma caldeira que vai gerar eletricidade e vapor da queima de resíduos das florestas, como galhos e tocos. O equipamento reduzirá em 60% o consumo de diesel e eliminará as emissões de gás carbônico. Com a mudança, a Klabin poderá comercializar, a partir de 2008, cerca de 700 000 euros em créditos de carbono por ano. O Brasil também atrai empresas estrangeiras especializadas em projetos de geração de energias sustentáveis que possam gerar créditos de carbono. Atuam no país a americana Ecoenergy, com forte presença entre as usinas de açúcar e álcool, e a canadense Agcert, que se especializou em projetos ligados à suinocultura. “O mundo está nos observando”, diz José Oscival, diretor de meio ambiente e energia da Klabin. “Somos referência na produção de energias limpas.”

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