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A fábrica de usinas

Por mais de meio século, o empresário Dovílio Ometto, de 89 anos, experimentou praticamente tudo — de bom e de ruim — que o mundo dos negócios pode proporcionar. Presidente do conselho de administração e controlador da Dedini Indústrias de Base, o senhor Dovílio (como é conhecido) viu sua empresa florescer, transformar-se num conglomerado metalúrgico com 20 negócios e 11 000 funcionários e, anos depois, flertar com a falência. Graças a um processo de reestruturação e diversificação, a Dedini se recuperou e prosseguia sem maiores percalços, mas também sem o brilho de outrora. Quando parecia que nada mais poderia acontecer, eis que a roda da fortuna cruzou mais uma vez o caminho do senhor Dovílio. Impulsionada pelo entusiasmo internacional com o etanol e pela popularidade dos carros flex no país, sua Dedini ressurgiu nos últimos três anos como um dos mais impressionantes casos de sucesso — e de virada — no capitalismo brasileiro. Como isso aconteceu? Com sede em Piracicaba, no interior de São Paulo, a Dedini é hoje uma das raras companhias brasileiras capazes de produzir, entregar e montar usinas inteiras para a produção de açúcar e álcool — área em que o Brasil é considerado referência mundial.

Apoiada nessa capacidade, a empresa domina metade do alavancado mercado brasileiro de usinas e, fenômeno raro no país, 25% do mercado mundial. Nos últimos três anos, embalado pela força do etanol, o faturamento da Dedini mais que dobrou, indo de 450 milhões para 1 bilhão de reais. Neste ano, é esperado um novo salto, daqueles que nem em seu sonho mais colorido Dovílio poderia imaginar. Num cenário modesto, a previsão é que as vendas aumentem 80%, chegando a 1,8 bilhão de reais. Para entender a rapidez com que esse crescimento aconteceu, basta um simples passeio a pé pela sede da Dedini. Há um grande descompasso entre o parque técnico da companhia e seus escritórios. Na área industrial da empresa, onde estão os equipamentos, tudo é moderno, de última geração. São máquinas capazes de fabricar estruturas como a da foto que ilustra a abertura desta reportagem — chamada coluna de destilaria. Nos escritórios, o clima é outro. Nada ali sugere que a Dedini tenha um faturamento dessa ordem. Os móveis são antigos e as salas apertadas e escuras. “O que uma empresa precisa é de uma equipe qualificada e de tecnologia. O resto é bobagem”, diz Dovílio Ometto, tio de Rubens Ometto, o maior usineiro do país.

Os números da Dedini

Os principais indicadores da empresa, sediada em Piracicaba (SP)

Faturamento(1)

1,8 bilhão de reais

Funcionários

4800

Exportação(1)

180 milhões de reais

Produção anual

24 usinas comopletas

(1) Estimativa para 2007

Fonte: empresa

APESAR DA IDADE, o senhor Dovílio vai à empresa todos os dias, cumpre religiosamente uma jornada de 12 horas de trabalho e cultiva uma superstição: não especula sobre cenários futuros que não incluam sua presença no comando da companhia. Patriarca de uma família de 40 membros, seu papel foi fundamental na virada da Dedini. Foi ele, por exemplo, quem insistiu em manter a empresa no setor, mesmo quando todos os clientes cancelaram as encomendas e os concorrentes mudaram de ramo. Houve um momento, no meio da década de 90, em que nenhuma nova usina foi construída no Brasil. Assim mesmo, Dovílio resistiu e não desativou as linhas de produção da Dedini. Para manter essa área funcionando, chegou a construir usinas sem nenhum desembolso por parte do cliente. Ficava apenas com uma participação no empreendimento. “Com o fim do Proálcool, tinha muita gente que achava que o rumo dos negócios estava errado, mas eu acreditei e continuo acreditando nele”, diz Dovílio.

Sua biografia explica um pouco da teimosia. Não é exagero dizer que a história do álcool brasileiro passa por sua família. Engenheiro agrônomo de formação, ele é filho de Pedro Ometto, descendente de imigrantes italianos e fundador do negócio que acabaria se transformando na Cosan, a maior produtora de açúcar do mundo, com faturamento de 2,4 bilhões de reais. Na década de 40, Dovílio começou a trabalhar na empresa de Mário Dedini, compadre e sócio de seu pai em alguns negócios. Naquela época, o mundo do açúcar e do álcool em São Paulo praticamente se dividia entre essas duas famílias. Os Ometto eram donos de fazendas de cana e de processamento de açúcar. Os Dedini partiram para a produção de usinas para essas fazendas. Dovílio foi o primeiro a fazer a união de sangue entre os dois clãs, quando se casou com Ada, uma das herdeiras da Dedini. Com o passar dos anos, ele vendeu sua participação nos negócios de sua família para aplicar tudo somente na empresa.

Esses investimentos deram à Dedini a liderança mundial no setor. Mas Dovílio e o resto do clã querem mais. No momento, duas possibilidades estão em estudo pela família: a abertura de capital na bolsa de valores ou a entrada de um sócio estratégico no negócio. Essa injeção de recursos será necessária para manter o ciclo de cres cimento do grupo. Uma usina padrão construída pela empresa custa cerca de 250 milhões de reais e consiste numa estrutura formada por mais de 8 000 toneladas de equipamentos, capaz de moer 2 milhões de toneladas de cana e produzir 190 milhões de litros de álcool por safra. Para produzir uma estrutura monumental como essa, são necessários 18 meses. Hoje, a Dedini produz 24 usinas por ano — a idéia é chegar a 33 por ano até 2010. Segundo plano estratégico da companhia, boa parte desse crescimento virá do aumento de participação no mercado externo. “Apesar de o mercado brasileiro ser enorme, a internacionalização é uma forma de ser menos dependente das circunstâncias locais”, diz Renato Gennaro, especialista em agronegócios da consultoria internacional Ernst & Young.

Marcada por sua atuação em um setor ligado a commodities — açúcar e álcool –, a Dedini tem sido historicamente uma empresa vulnerável a fatores externos. A companhia cresceu exponencialmente quando o setor foi bem e afundou retumbantemente após o fracasso do Proálcool. Nos últimos dez anos, antes da recuperação do etanol, a empresa tomou uma série de atitudes para prevenir-se contra novas oscilações. Passou a atuar no mercado de bens de capital — máquinas e equipamentos de grande porte — e a fornecer para setores tão diversos quanto mineração e siderurgia. Também passou a produzir equipamentos para a indústria cervejeira (hoje, 60% da cerveja produzida no Brasil passa por algum equipamento feito na Dedini). Paralelamente à diversificação de atividades, foi conduzido um drástico programa de reestruturação. Dos 5 000 funcionários que o grupo tinha há sete anos, metade foi demitida. Os membros da família envolvidos nas operações da empresa foram afastados — inclusive o senhor Dovílio, que, há dois meses, saiu da presidência da companhia — e foram contratados executivos profissionais para os cargos de diretor. “Foi o jeito que a empresa encontrou para evitar novas surpresas no futuro”, diz Cássio Daltrini, o novo presidente da Dedini.

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