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A era do álcool

Poucos dias antes do Carnaval, o americano Dan Slane, dono de um grupo com receita superior a US$ 1 bilhão, aterrissou em Ribeirão Preto, no interior paulista. Slane, que produz etanol à base de milho nos Estados Unidos, veio conhecer as usinas brasileiras, onde é álcool é extraído da cana-de-açúcar de forma muito mais eficiente. Em Ribeirão, Slane reuniu-se durante horas com o empresário Maurílio Biagi Filho, sócio da Usina Moema e da Crystalsev, um dos três maiores grupos de álcool e açúcar do País. No meio da conversa, Slane convidou Maurílio para ser sócio em um novo empreendimento de etanol nos Estados Unidos – o brasileiro, por sua vez, retribuiu o convite, sugerindo que fizessem algo por aqui. A resposta veio na semana passada. Slane contou a Maurílio que já tem US$ 30 milhões reservados para construir um empreendimento no Brasil. “A bola agora está comigo”, disse à DINHEIRO o usineiro Maurílio, que já está investindo em seis novas usinas. Também em Ribeirão Preto, o empresário Luiz Biagi, irmão de Maurílio, recebeu dias atrás uma comitiva de empresários interessados em construir usinas na China. Luiz, que é sócio da usina Santa Elisa e da Renk Zanini, uma das principais fabricantes de equipamentos industriais para destilarias de álcool, irá à China em maio para conhecer o projeto de perto – os chineses já estão prontos para moer 90 milhões de toneladas de cana, cerca de 20% da capacidade brasileira. “Nunca houve tanto interesse global por uma tecnologia nacional”, diz Luiz. “E a demanda interna também está muito forte”. No ano passado, por exemplo, as empresas de máquinas do grupo faturaram cerca de R$ 300 milhões.

As histórias dos irmãos Biagi, que vêm de uma família pioneira no setor, são apenas os primeiros sinais de uma tendência que deverá se consolidar nos próximos anos. No Brasil, já estão em andamento 89 projetos de novas usinas, que consumirão US$ 9 bilhões em investimentos – 19 serão inauguradas neste ano e 25 em 2007. No mundo, os ventos são também muito favoráveis. Nos Estados Unidos, por exemplo, o presidente George W. Bush fez um discurso em janeiro elogiando a tecnologia brasileira de produção de álcool e de motores bicombustíveis, os chamados flex fuel. Em seguida, aprovou uma lei determinando a adição de 10% de etanol à gasolina americana. Só isso irá criar uma demanda por 30 bilhões de litros em seis anos – o dobro da produção brasileira – e tanto a GM quanto a Ford têm incentivado a venda de veículos híbridos, que também rodam com álcool ou gasolina. Não é por outro motivo que gigantes do capitalismo moderno, como Bill Gates, da Microsoft, e a dupla Larry Page e Sergei Brin, do Google, também revelaram planos de investir em etanol no Brasil. “O álcool é o futuro da economia americana e esse é o melhor momento para entrar no setor”, diz Dan Slane, que já se antecipou aos sócios da Microsoft e do Google. Do outro lado do mundo, no Japão, o governo também determinou a mistura de álcool na gasolina e a Mitsubishi, uma das maiores tradings nipônicas, já sondou empresários nacionais disposta a garantir contratos de exclusividade de compra de etanol. Entre os possíveis parceiros, estão os grupos Monteiro Aranha e Votorantim. “Se esse projeto sair, será um investimento de US$ 100 milhões”, revelou o empresário Olavo Monteiro de Carvalho, da Monteiro Aranha.

Toda essa euforia, porém, ocorre num momento em que os usineiros voltam a ser vistos com certa desconfiança pela sociedade. Isso porque o preço do álcool combustível já subiu quase 40% desde o início do ano – na última semana, o litro já era cotado a dois reais nas principais capitais, o que praticamente elimina a vantagem para o consumidor no confronto com a gasolina. Por trás disso, há problemas típicos de mercado. De um lado, o preço do açúcar bateu recordes históricos e hoje, na comparação com o álcool, o produto rende um faturamento 50% maior para o usineiro. Além disso, houve uma mudança de padrão na indústria automobilística, com a chegada dos carros bicombustíveis. Atualmente, rodam 1 milhão de veículos com motores flex nas ruas brasileiras e isso fez com que o consumo de etanol dobrasse em cinco anos. A questão é que outros 4 milhões de carros flex entrarão no mercado até 2013. Para satisfazer a demanda, as usinas nacionais terão de saltar de uma produção de 15,5 bilhões de litros para quase R$ 30 bilhões. “O desafio é fazer em oito anos o mesmo que se fez nos últimos quinhentos anos”, disse o ministro Roberto Rodrigues à DINHEIRO, um dia depois de participar da cerimônia de início da colheita, em Cianorte, no Paraná. Pelas contas do ministro, que também planta cana em Jaboticabal, no interior paulista, os usineiros terão de investir mais US$ 10 bilhões em novas terras e destilarias. “Essa é a hora em que o governo não pode fazer besteira e nem deve tratar uma questão de mercado como caso de polícia”, adverte Rodrigues. Uma tentação, diz ele, seria impor o controle de preços e afugentar novos investimentos. Hoje, o debate no governo, segundo o ministro, gira em torno da criação de estoques regulatórios, que evitariam flutuações drásticas de preços. “Essa flutuação é irracional para o produtor e incômoda para o consumidor”, admite o usineiro Maurílio Biagi Filho.

Até agora, o governo lançou mão de duas medidas para tentar aliviar a pressão sobre os preços. Zerou as alíquotas de importação e reduziu o percentual de álcool adicionado à gasolina de 25% para 20%, com o objetivo de ampliar a oferta. Nenhuma delas deu resultados e os empresários avisam que os preços só cairão em maio, com a entrada da nova safra de cana. “Isso vai normalizar a oferta”, garante Eduardo Pereira de Carvalho, presidente da Unica, a entidade que representa os empresários do setor canavieiro. O especialista Plínio Nastari, da consultoria Datagro, também aposta que o País será capaz de atender a demanda futura. “Mas haverá participação crescente do capital externo no setor”, diz ele. “Para atingir as metas de produção, serão necessários outros 100 projetos, além das 89 usinas que estão sendo construídas”, diz Nastari. E isso em novos pólos produtivos, fora das regiões tradicionais da cana, que são o interior de São Paulo e alguns estados do Nordeste. Há hoje muitos projetos em Minas Gerais e Goiás. “Em oito anos, nós vamos precisar de 3,1 milhões de hectares e o Centro-Oeste será a nova fronteira da cana”, diz o ministro Rodrigues. “Com isso, estamos falando de 200 mil novos empregos só no campo”.

Esse cenário animador contempla ainda o avanço nas exportações brasileiras de açúcar. Como o Brasil derrotou os subsídios europeus na Organização Mundial do Comércio, a aposta é de uma demanda cada vez maior – o custo de produção no Brasil, de sete centavos de dólar por quilo, é 30% inferior ao da Tailândia, o segundo país mais competitivo. E há ainda um outro fenômeno aguçando a cobiça de investidores nacionais e internacionais. É o chamado efeito Cosan. Em dezembro do ano passado, a

empresa do usineiro Rubens Ometto foi a primeira a companhia do setor a abrir seu capital em bolsa. As ações, lançadas a R$ 48 já estão cotadas a R$ 116, o que representa uma valorização de quase 150% em menos de três meses. Com isso, a empresa passou a ser avaliada em mais de R$ 7 bilhões. “Foi um sucesso”, avalia o banqueiro Rodrigo Lowndes, do Morgan Stanley, que coordenou a operação. Hoje, outras gigantes do setor, como a Coopersucar, também estudam ir ao mercado de capitais. E gigantes do agronegócio mundial, como a Bunge e a Cargill, estão tentando comprar usinas no Brasil. “É uma oportunidade histórica e nós estamos na dianteira”, diz o ministro Rodrigues. “Não podemos desperdiçar essa chance”.

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